António Carmona Rodrigues iniciou funções como presidente da Águas de Portugal a 5 de junho deste ano. E não demorou até chamar para sua assessora Gabriela Seara, que tinha sido sua vereadora na Câmara Municipal de Lisboa. Repesca-a para a empresa pública para um cargo que não precisa de aprovação por parte da Cresap, que semanas antes chumbou o seu nome para o IHRU – Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana.
Gabriela Seara não é desconhecida de Carmona Rodrigues e, agora, entra na holding pública como assessora, confirmou o Observador junto da empresa que não revela em que condição laboral o recrutamento foi feito. Certo é que para essa função, o seu nome não tem de passar no crivo da Cresap que travou a sua nomeação para o IHRU.
Sem esse entrave, acaba na Águas de Portugal depois de se ter despedido das funções que desempenhava na Câmara Municipal de Lisboa, quando foi convidada pelo Instituto da Habitação. Na autarquia era adjunta da vereadora para os Direitos Sociais, Educação e Saúde, Sofia Athayde.
Cresap chumba nome de Gabriela Seara para IHRU
Conforme noticiado pelo Nascer do Sol, a Cresap chumbou o seu nome que Miguel Pinto Luz, ministro das Infraestruturas, tinha proposto para o instituto que tem a responsabilidade pela política nacional de habitação e cujo presidente tinha sido nomeado pela antecessora na pasta, Marina Gonçalves, em junho de 2023. António Gil Leitão tinha sido o braço direito da ministra antes de passar para o IHRU. António Gil Leitão assumiu funções a 12 de junho, tal como Filipa Serpa dos Santos, Cristina Matela Tavares e Fernando dos Santos Almeida, com mandatos a terminar em 2028. Cristina Matela Tavares, entretanto, renunciou e, já se sabendo que o país ia para eleições no seguimento do pedido de demissão de António Costa (conhecida a 7 de novembro, mas só concretizada a 8 de dezembro), foi substituída, a 4 de dezembro. Fernando Medina e Marina Gonçalves nomearam para o seu lugar (administradora financeira) Sónia Barbosa.
Quem gere as entidades que controlam os milhões do Estado para a habitação e o imobiliário
Mas Miguel Pinto Luz quer mudar o inquilino do instituto que tem ganhado novas competências e importância dada a crise da habitação. Aliás, o atual ministro das Infraestruturas, além do IHRU ficou com a tutela da Estamo, empresa participada pela Parpública para a gestão de imóveis públicos.
E era no IHRU que queria colocar Gabriela Seara, sem sucesso, devido ao chumbo do nome pela Cresap e sem que o Ministério das Infraestruturas tenha feito pedido de parecer com novo nome. Sobre o chumbo de Gabriela Seara, que, ao que o Observador apurou, nem chegou à fase de entrevista na Cresap, o parecer desta entidade, não foi tornado público. Por norma, os processos na Cresap passam pela análise do curriculum vitae, por um questionário de autoavaliação e um questionário de competências pessoais, passando por uma entrevista individual.
Águas de Portugal com lugar em aberto na administração
Gabriela Seara entra para a Águas de Portugal para assessora, apesar do lugar em aberto no conselho de administração deixado pela renúncia de Pedro Vaz, que assumiu funções de deputado pelo PS este ano. O lugar não foi ainda ocupado. Mas, estatutariamente, o conselho de administração pode ter entre cinco e sete administradores e a comissão executiva entre três e cinco elementos. Neste momento são quatro os membros executivos e cinco com o não executivo.
António Carmona Rodrigues entrou para a presidência da Águas de Portugal em junho deste ano, depois da demissão de José Furtado que alegou novos desafios profissionais para o pedido, ainda que tenha acontecido depois do polémico pagamento de dividendos extraordinários pela Águas de Portugal e posterior travão do aumento de capital na empresa.
José Furtado, entretanto, foi proposto para liderar a empresa pública de garantia mútua, estando o nome a ser avaliado pelo Banco de Portugal.
Continuam na administração da Águas de Portugal, o vice presidente José Manuel Leitão Sardinha e as administradoras executivas: Catarina Monteiro d’Oliveira e Alexandra Cunha Serra. Como não executivo está José Realinho de Matos, pela Parpública, onde é presidente desde 6 de novembro de 2023.
Todos os membros da administração da Águas de Portugal têm sido sujeitos a pareceres da Cresap, embora a lei só preveja essa análise para gestores nomeados. A administração desta empresa pública é eleita, em assembleia-geral. A Águas de Portugal é detida em 81% pela Parpública, estando o restante capital (19%) nas mãos da Caixa Geral de Depósitos que, não obstante já ter sido autorizada a alienar essa posição à Parpública, ainda mantém a participação.
Nos estatutos da Águas de Portugal, o conselho de administração é eleito pela assembleia geral. E, faltando um administrador, pode o conselho de administração substitui-lo por cooptação, seguida de ratificação pela assembleia geral. No estatuto do gestor público, prevê-se que os gestores sejam designados por nomeação ou eleição. E só fala na avaliação não vinculativa da Cresap nos casos de nomeação mediante resolução do Conselho de Ministros. Mas não obstante os nomes têm passado pela Cresap, segundo apurou o Observador. Na deliberação unânime por escrito, a que o Observador teve acesso, e que elegeu Carmona Rodrigues, é referida essa avaliação, que recebeu o carimbo de adequado.
Na mesma deliberação foi determinada a remuneração de Carmona Rodrigues que passa a receber 6.145,48 euros 14 vezes por ano, a que acrescem 40% para despesas de representação no valor de 2.458,19 euros (12 vezes ao ano). Um aumento de 3% face ao antecessor.
Gabriela Seara foi vereadora de Carmona Rodrigues em Lisboa
Carmona Rodrigues conhece Gabriela Seara de outros tempos. Foi sua vereadora quando presidiu à Câmara de Lisboa. Gabriela Seara tinha o pelouro do urbanismo, o que aliás lhe valeu a investigação do Ministério Público sobre o caso da permuta de terrenos camarários da Feira Popular com o Parque Mayer (da Bragaparques).
Mas, nesse processo, Carmona Rodrigues e os vereadores Fontão de Carvalho e Eduarda Napoleão acabaram por responder em tribunal, que absolveu, em 2014, todos os arguidos, que ainda incluam mais três pessoas (dois deles arquitectos e um elemento dos serviços jurídicos da Câmara).
O processo iniciou-se em 2005 — Gabriela Seara estava então na vereação — quando a assembleia municipal de Lisboa aprovou por maioria a permuta dos terrenos do Parque Mayer, então propriedade da empresa Bragaparques, com parte dos terrenos municipais da antiga Feira Popular, em Entrecampos.
Caso Bragaparques: tribunal fala em “boatos” e absolve todos os arguidos
Além desta investigação judicial, este caso chegou ao tribunal arbitral com a Bragaparques, de Domingos Névoas, a pedir uma choruda indemnização. Mas o Tribunal Central Administrativo acabaria por anular a decisão arbitral que obrigava a autarquia a pagar uma indemnização de 177 milhões de euros à Bragaparques.
Como a Câmara de Lisboa pode perder mais de 300 milhões para a Bragaparques
Gabriela Seara sai da autarquia em 2007, ano em que Carmona Rodrigues é constituído arguido no processo, o que teve como consequência a retirada da confiança política por parte do então líder do PSD, Luís Marques Mendes. Lisboa vai para eleições intercalares e Carmona Rodrigues concorre como independente. Perde as eleições para António Costa, mas é eleito vereador, tal como Gabriela Seara que volta a trabalhar com Carmona Rodrigues, mas que acaba por sair esse ano para aceitar um emprego em Angola.
Antes do ato eleitoral na capital, Carmona Rodrigues assumia as funções de presidente da autarquia desde 2004, quando Santana Lopes — de quem era número dois na Câmara — foi empossado primeiro-ministro. Carmona Rodrigues que estava, então, no Governo como ministro das Obras Públicas deixou essas funções para assumir a presidência camarária. Gabriela Seara acabou por seguir os seus passos. De sua chefe de gabinete do Ministério das Obras Públicas passa a sua vereadora.
Mas em 2007 decide ir para Angola, para o grupo Genius, do general João de Matos com negócios na banca, diamantes, petróleo e construção civil, segundo o jornal Expansão. No currículo do Linkedin ainda há uma referência como consultora da Sonangol e sócia da Augmenti, master franchise da Imaginarium para Angola. Até ao regresso a Portugal em 2017 para uma empresa em Palmela, voltando à Câmara de Lisboa em 2022, como adjunta de Carlos Moedas, depois de eleito em 2021 presidente da autarquia, para depois entrar na equipa de projeto do Plano Geral de Drenagem de Lisboa até novembro de 2022, quando se juntou ao gabinete da vereadora Sofia Athayde.
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