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Fátima Madureira e António Furtado (vice e presidente respetivamente) da Estamo. António Gil Leitão e Filipa Serpa do IHRU
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Fátima Madureira e António Furtado (vice e presidente respetivamente) da Estamo. António Gil Leitão e Filipa Serpa do IHRU

Fátima Madureira e António Furtado (vice e presidente respetivamente) da Estamo. António Gil Leitão e Filipa Serpa do IHRU

Quem gere as entidades que controlam os milhões do Estado para a habitação e o imobiliário

IHRU e Estamo estão no centro da estratégia do Governo para a habitação e terão responsabilidades reforçadas. O currículo, as polémicas (e, nalguns casos, as ligações ao PS) de quem os gere.

Casa inflacionada, milhões à porta. O combate à crise na habitação foi assumido como prioridade pelo Governo, que tem no pacote Mais Habitação, vetado pelo Presidente da República, a sua maior bandeira. A multiplicidade de programas, iniciativas e acordos previstos para os próximos anos vai atarefar (e na opinião de Marcelo, sobrecarregar) as duas entidades que têm a tutela da habitação e do imobiliário públicos: o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e a Estamo – Participações Imobiliárias. Que empresas são estas e quem são os escolhidos para guardar as chaves dos milhões do Estado para a habitação?

1IHRU. A porta dos milhões do Estado para a habitação

É o braço do Estado para a habitação pública e ganhou importância reforçada com o PRR, uma vez que lhe compete gerir os fundos europeus destinados à habitação. Ainda antes, viu os seus poderes reforçados com a Nova Geração de Políticas de Habitação e com a Lei de Bases da Habitação. Mais recentemente, também o pacote Mais Habitação colocou o peso do sucesso às costas do IHRU.

O instituto é uma das entidades que estão “assoberbadas com outras tarefas”, nas palavras que o Presidente da República usou para vetar o Mais Habitação. Entre as atribuições do IHRU está a gestão, promoção e aquisição de imóveis de interesse social, a implementação do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação e do Parque Público de Habitação a Custos Acessíveis bem como a gestão de programas como o Arrendamento Acessível e o Porta 65. Para isso, e segundo o plano de atividades de 2023 do IHRU, o instituto tem para este ano um orçamento de 536 milhões de euros, um aumento de 57% face aos 341 milhões do ano anterior, e um mapa de pessoal aprovado de 415 trabalhadores, face aos 330 do ano anterior. O parque do IHRU é composto por 14.053 fogos que, segundo o Governo, deverão ser reabilitados por 48 milhões de euros.

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A tarefa do novo conselho diretivo do IHRU é, por isso, hercúlea. A nova direção, que tomou posse em junho, recebeu o parecer positivo da Cresap “depois de uma avaliação curricular e de adequação de competências”. Os pareceres da nova direção foram tornados públicos pela Cresap esta segunda-feira e a todos os membros foi atribuído o carimbo de perfil “adequado”.

Enquanto responsáveis por um instituto público de regime especial, os dirigentes do IHRU são equiparados a gestores públicos e, como o IHRU é uma empresa do grupo B, significa que o presidente pode auferir até 7.100 euros, com despesas de representação. A anterior presidente da direção do IHRU, Isabel Dias, ganhou em 2022 uma remuneração efetiva anual de 87.655 euros, o que equivale a 6.261 euros por mês. Os membros do conselho diretivo (CD) também estão autorizados, pelo despacho de nomeação, a dar aulas em universidades públicas ou de interesse público, mas de momento, de acordo com o IHRU, “nenhum dos membros do CD se encontra a prestar serviço docente” no momento.

António Gil Leitão, o braço direito de Marina Gonçalves

O novo inquilino na liderança da direção do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) conhece bem não só a área da habitação como quem a tutela. António Gil Leitão, que tomou posse no passado dia 12 de junho, foi chefe de gabinete de Marina Gonçalves desde que a atual ministra da Habitação era apenas secretária de Estado.

Mas a estadia de Gil Leitão na Habitação já vinha de trás, do tempo de Pedro Nuno Santos. O novo diretor do IHRU chegou ao Ministério das Infraestruturas em agosto de 2018 como técnico especialista da secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho. Licenciado em Direito em Coimbra, de onde é natural, Gil Leitão seria reconduzido no mesmo cargo no Governo seguinte e logo após a saída de Ana Pinho, que em fevereiro de 2019 deu lugar a Marina Gonçalves. A atual ministra manteve Gil Leitão como técnico especialista até março de 2022, antes de promovê-lo a chefe de gabinete. Com a subida de Marina Gonçalves a ministra, Gil Leitão ascendeu com ela, ocupando o cargo de chefe de gabinete da ministra até junho deste ano.

A ministra da Habitação, Marina Gonçalves (C), durante o lançamento da primeira pedra de um conjunto habitacional em Vale de Rãs, no âmbito da Estratégia Local de Habitação – Estado da Arte, em Loulé, 14 de junho de 2023. LUÍS FORRA/LUSA

Atual presidente do IHRU foi chefe de gabinete de Marina Gonçalves (na foto), quando era secretário de Estado

LUÍS FORRA/LUSA

A experiência profissional do novo diretor do IHRU antes de ingressar no Governo assenta exclusivamente em funções públicas. Foi no Algarve que trilhou o percurso que o levaria ao instituto que funciona como senhorio em nome do Estado. Foi jurista na Câmara de Lagos e em 2008 foi nomeado administrador executivo da Futurlagos, a empresa municipal responsável pela reabilitação urbana, cargo que ocuparia até 2015, quando a empresa foi dissolvida pela Câmara.

Foi, aliás, Gil Leitão que liderou esse processo. A empresa teve nesse ano um resultado líquido positivo de 400 mil euros. O objetivo inicial da autarquia era unir a Futurlagos com outra empresa municipal, a Lagos-Em-Forma, mas o processo de criação da nova empresa não recebeu o visto do Tribunal de Contas. Além disso, segundo a imprensa algarvia, a Câmara usou ainda como pretexto para a extinção o “contexto sócio-económico, o decréscimo de projetos e ações que a nova entidade empresarial iria desenvolver” e “o facto de que os mesmos seriam suscetíveis de ser assumidos, com igual eficácia e eficiência, pela capacidade técnica existente nos serviços municipais”, o que acabou por acontecer. Todos os trabalhadores da Futurlagos foram incorporados pela autarquia. Gil Leitão manteve-se na Câmara de Lagos até ser recrutado para o Governo, em 2018.

Filipa Serpa, a docente de arquitetura que estudou 100 anos de habitação

A vice-presidência do IHRU está a ser arquitetada, desde junho, por Filipa Serpa, cujo percurso é marcado pela vida académica. Doutorada em Urbanismo, pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Filipa Serpa dedicou-se, até 2015, a uma tese de doutoramento de quase 500 páginas sobre os “projetos de promoção pública” de Lisboa entre 1910 e 2010, concluindo que “a cidade perdia, até 2007, população residente apesar do aumento do número de fogos” e que “o centro da cidade está marcado pelo peso dos alojamentos degradados e vagos” pelo que “parece óbvio que não é condição essencial, para ter mais habitantes, construir mais fogos” e que a “procura e a oferta estão desfasadas”.

Limite ao alojamento local, mudanças fiscais, arrendamento coercivo e a sobrevivência dos vistos gold. O que vai mudar na habitação?

As opiniões sobre o urbanismo de Lisboa de Filipa Serpa poucas vezes passaram da teoria. Foi, desde 2015, professora auxiliar na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa pela mesma instituição. No currículo académico conta ainda com várias funções de coordenação de pós-graduações e mais de dez anos de investigação do Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design.

A prática deu-se nos primeiros anos de carreira, enquanto técnica superior de Urbanismo e Planeamento, na Câmara Municipal de Lisboa, entre 2000 e 2005, período que abrangeu os mandatos de João Soares, Pedro Santana Lopes e Carmona Rodrigues.

Fernando Almeida e Cristina Matela, os vogais com experiência em governos do PS

Se António Gil Leitão é bem conhecido de Marina Gonçalves, um dos vogais do IHRU, que saltou da anterior direção, também faz parte do círculo da ministra. Era Marina Gonçalves secretária de Estado da Habitação de Pedro Nuno Santos quando teve Fernando Almeida como adjunto, após ser recrutado dos quadros do Instituto da Segurança Social (ISS). A passagem foi, porém, breve, tendo durado apenas três meses. Em setembro de 2022 foi nomeado vogal do conselho diretivo do IHRU, onde se mantém.

Enquanto quadro do ISS, que integrou em 2015, Fernando Almeida dirigiu a Unidade de Arquitetura e Engenharia dos Serviços Centrais do Instituto e fez parte da comissão que, em 2020, foi encarregada de redigir um relatório sobre as acessibilidades dos edifícios públicos, que identificou várias falhas nos acessos para pessoas com mobilidade condicionada. O vogal do IHRU, licenciado em arquitetura, desempenhou sempre funções ligadas à disciplina, fosse no ISS ou em câmaras municipais, como Leiria, onde foi diretor do Departamento de Infraestruturas e Manutenção, e Amadora, como técnico de construção civil. O único desvio no percurso deu-se numa empresa de obras públicas da Lourinhã, na qual foi coordenador.

Cristina Matela é a outra vogal da nova direção do IHRU e a dirigente com um percurso mais eclético, ainda que sempre na esfera do Estado. A Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) foi a casa de Cristina Matela durante quase duas décadas. Passou pelo gabinete de Acompanhamento Financeiro do Departamento de Intervenção Financeira do Estado e pelo gabinete de Acompanhamento do Setor Empresarial do Estado, das Parcerias Público-Privadas e das Concessões e chegou a técnica superior especialista em Orçamento e Finanças Públicas. Pelo meio, conta passagens pelos gabinetes do Governo. Primeiro como assessora na central de compras do Ministério da Defesa no primeiro Governo de José Sócrates, com Nuno Severiano Teixeira na tutela.

Governo diz que definiu como prioridade o lançamento de uma nova geração de políticas de habitação

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mais tarde, já nos Governos de António Costa, como técnica especialista no gabinete de Ricardo Mourinho Félix, então secretário de Estado das Finanças. Passou ainda pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), como técnica, e desde novembro de 2021 fazia parte da equipa de controlo interno da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, criada para garantir o cumprimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Mas os serviços de Cristina Matela, licenciada em gestão, foram requisitados noutras ocasiões por empresas do setor empresarial do Estado. Enquanto técnica superior na DGTF, por exemplo, Matela foi presidente do conselho fiscal da Metro do Porto. Assinou o parecer que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2022 que prevê, entre outros financiamentos, um de 18,4 milhões de euros do PRR para a expansão da rede do Metro.

Já entre 2012 e 2014, enquanto técnica da DGTF, Cristina Matela foi vogal do conselho fiscal da ANA Aeroportos, cargo ao qual teve de renunciar por incompatibilidade quando passou para o CFP.

Entre as empresas públicas pelas quais passou, sendo técnica da DGTF, contam-se a Águas de Portugal, como vice-presidente da mesa da assembleia geral, o Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, e a Sociedade Imobiliária do Autódromo Fernanda Pires da Silva (autódromo do Estoril), como presidente da mesa da assembleia geral, a Administração dos Portos de Douro e Leixões, a Docapesca e a EDIA.

Matela foi ainda, entre 2007 e 2012, presidente do conselho fiscal da NAER — Novo Aeroporto, uma empresa constituída em 2000 para preparar e executar as decisões do Governo sobre o novo aeroporto de Lisboa, que na altura incidia em Alcochete mas acabou interrompido. A vogal do IHRU liderou o conselho fiscal da NAER até à extinção da empresa, em 2012. Os 22 trabalhadores foram integrados na ANA. Segundo uma notícia do Público de novembro de 2011, a NAER, antes da escolha de Alcochete para o aeroporto, já tinha despendido mais de 40 milhões de euros a estudar a construção do novo aeroporto na Ota, possibilidade de localização abandonada.

2Estamo. A imobiliária do Estado viu poderes reforçados

Fernando Medina quis imprimir-lhe novas responsabilidades. A imobiliária do Estado foi criada em agosto de 1993 para a compra de imóveis, sobretudo ao Estado, com o objetivo da revenda e/ou do arrendamento. Em outubro de 2017, o objetivo social foi ampliado para que passasse a administrar e a arrendar imóveis próprios ou alheios.

António Furtado (presidente), Fátima Madureira (vice-presidente) e José Realinho de Matos (vogal) assumiram a gestão dos destinos da Estamo, na segunda metade de 2022, numa altura em que o ministério de Fernando Medina se preparava para lhe imprimir uma nova orientação. Um decreto-lei de julho deste ano retirou à Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) as competências que até aí tinha de gestão do património imobiliário público e deu-as à Estamo, com vista a uma “atuação integrada e mais focada numa gestão profissional”, no âmbito de uma “nova visão estratégica” na gestão dos ativos imobiliários do Estado e dos institutos públicos.

Esse novo modelo permitirá à DGTF focar-se nas suas “missões nucleares” e à Estamo atuar em nome do Estado “em moldes empresariais mais adaptados à lógica do setor imobiliário“. O decreto-lei atribui à empresa pública “direito de preferência em caso de alienação ou constituição de outros direitos reais sobre imóveis de entidades públicas pertencentes à administração indireta do Estado e ao setor empresarial do Estado, quando estes não se encontrem sob sua gestão”.

Esse é um passo na reforma que a Estamo atravessa, este e nos próximos anos, e que passará pela “prestação de serviços qualificados ao Estado ao nível da administração e gestão do seu património imobiliário”, segundo o Plano de Atividades e Orçamento de 2023. E a uma nova “colaboração” com o Estado na “concretização dos seus desígnios de governo”.

Ministério das Finanças deu novas responsabilidades à Estamo

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O segundo semestre de 2022 já marcou uma “inversão” na postura da Estamo, de acordo com o relatório e contas de 2022. Aliás, desde 2018 que a empresa não comprava qualquer ativo de mercado. Em dezembro, consumou duas compras, pelo valor global de 3,3 milhões de euros, localizados em Setúbal e em Ponta Delgada, com “vista a satisfazer necessidades específicas e urgentes do Ministério da Justiça/IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça)”.

Apenas uma venda foi feita, a do quartel do Cabeço da Bola, no montante de 15 milhões de euros, ao Fundo de Investimento Imobiliário FNRE – Cabeço da Bola, gerido pela Fundiestamo. No final de 2022, a carteira imobiliária, de 850 milhões de euros, contava com 350 imóveis espalhados por todo o país.

Segundo o Plano de Atividades e Orçamento de 2023, uma “parte significativa” dos imóveis da Estamo foram afetos a programas públicos de habitação. Em 2019, por exemplo, “dois dos mais importantes ativos” em termos de “potencial de rendibilização futura”, com um valor de mercado de 50,8 milhões de euros, foram afetos ao Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado. Ou, por exemplo, foi afeto à Bolsa de Habitação um conjunto de imóveis no valor de 171,6 milhões de euros, que ficaram sob gestão do IHRU. São imóveis afetos às políticas públicas que tinham um “forte potencial de desenvolvimento”, de maximização do valor, indica a Estamo.

No relatório e contas de 2022, a Estamo — participada da Parpública — fala numa “mudança de estratégica no posicionamento” de mercado, “muito fundamentalmente”, no “crescente envolvimento ativo na concretização das políticas estratégicas públicas”. Neste contexto, a Estamo pretende reforçar o quadro de pessoal, passando dos 10 trabalhadores (excluindo os órgãos sociais) que tinha no final de 2022 para cerca de 30.

A nova equipa de gestão só assumiu funções já 2022 ia a metade (Fátima Madureira apenas chegou ao cargo em setembro, os restantes em julho). No total do ano, a empresa registou lucros de 44 milhões de euros, mais 46,3% dos valores de 2021.

António Furtado, a polémica vice-presidência do INATEL e as ligações à Câmara de Lisboa

Fernando Medina nomeou para presidente da Estamo alguém da sua confiança com quem já tinha trabalhado na Câmara de Lisboa. António Furtado entrou para a autarquia em 1988, primeiro como jurista no gabinete de estudos e planeamento. Durante a liderança de Medina, foi diretor municipal de gestão patrimonial. Com a derrota do executivo socialista, encontra trabalho do outro lado do Tejo: é nomeado diretor de economia, inovação e comunicação na Câmara de Almada, liderada pela também socialista Inês de Medeiros.

Anos antes, o agora número 1 da Estamo teve uma passagem polémica pelo Inatel, de que foi vice-presidente entre 1996 e 2003. No final de 2002, o então ministro da Segurança Social, Bagão Félix, perante suspeitas de irregularidades, determinou uma sindicância à gestão da instituição e as consequências não foram positivas para Furtado, que acabou com um processo disciplinar e um pedido de demissão aceite pelo ministro.

O processo disciplinar concluiu que Furtado teve, como vice-presidente da instituição, atuação negligente e violou deveres previstos nos estatutos do Inatel e no Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, segundo a deliberação ao recurso apresentado pelo próprio publicada no boletim municipal, consultada pelo Observador. Entre eles, o dever “de dirigir, coordenar e controlar os serviços do Inatel”, ou os deveres de “zelo” e de “participar disciplinarmente contra funcionários e agentes seus subordinados pelas infrações de que tenha conhecimento no exercício das suas funções”.

Em concreto, Furtado era acusado de uma “negligente gestão dos recursos humanos” através, por exemplo, de recrutamento e seleção de pessoal “quase sempre por mera escolha”, celebração de contratos de trabalho a prazo quando as “características e conteúdos funcionais obrigavam a contratos sem termo”, a concessão de “abonos nos contratos de prestação de serviços além da contra-prestação”, a contratação de pessoal “sem fundamentação adequada”, ou a “inexistência de uma efetiva gestão de Recursos Humanos pela Divisão de Pessoal” devido “à sua quase completa omissão de intervenção”.

Furtado — que alegou a “iniquidade” do processo e a existência de “motivações de natureza política” para o afastar, e que invocava prescrições — não teria, ainda, demonstrado “um comportamento ativo válido e eficaz para impedir as irregularidades na área da contratação de pessoal”.

Por exemplo, não impediu que um trabalhador do Inatel, entre 1997 e 2002, estivesse permanentemente em alojamentos da instituição, “mesmo sabendo” que se tratava de uma situação indevida (Furtado viria a responder que discordava dessas estadias e que questionou o então presidente do Inatel sobre o assunto). A acusação imputava-lhe ainda a escolha indevida do coordenador dos serviços jurídicos do Inatel não por falta de competências, mas porque Furtado saberia que o consultor escolhido “não tinha tempo, nem vontade para executar tarefas de direção/coordenação”. A autarquia deu como provada a maioria das infrações e, tendo em conta as atenuantes, decidiu aplicar-lhe uma multa de 900 euros, que, após recurso do próprio, foi suspensa.

Câmara Municipal de Lisboa

Presidente e vice-presidente da Estamo estiveram na Câmara de Lisboa com Fernando Medina

UCG/Universal Images Group via G

Em 2010, uma investigação do Público revelava que, após a demissão, António Furtado voltou ao cargo de técnico superior principal da Câmara de Lisboa e, em fevereiro de 2007, quando era assessor do então vereador das Finanças, viu aprovada pela autarquia uma licença sem vencimento. Ao Público, justificou a licença com a decisão de que a sua vida “não passava pela câmara” e com um desejo de se dedicar à advocacia. Três anos depois, e ainda em licença sem vencimento de longa duração, foi contratado, a recibos verdes, pela Câmara — mais concretamente, para dar apoio à então vereadora das Finanças e Recursos Humanos, Maria João Mendes. O contrato de nove meses previa um pagamento de 46.478 euros.

Furtado teve, ao longo da sua carreira, vários cargos na Câmara de Lisboa, de acordo com a nota curricular que consta no site da Estamo. Foi jurista seis anos, até 1994, passando nesse ano a chefe da divisão de assuntos comunitários. Em 1995, tornou-se administrador do Instituto de Reconversão do Casal Ventoso, em representação do município de Lisboa.

Durante alguns anos esteve afastado da autarquia — em 1995 e 1996 foi adjunto do secretário de Estado das Obras Públicas no governo de António Guterres. É então requisitado pelo Ministério do Trabalho, em 1996, para a vice-presidência do Inatel, onde fica até 2003. A nota indica que, de 2003 a 2009, exerceu funções como advogado, jurisconsulto e sócio da JDMM Advogados.

Voltaria à Câmara em 2011, como diretor do departamento de política de solos e valorização patrimonial, até 2015, tendo sido, entre 2014 e 2015, administrador não executivo da EMEL, e de 2020 a 2021 administrador não executivo da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU). Com Medina, em 2015, torna-se diretor municipal de gestão patrimonial, cargo que deixa com a derrota socialista e a vitória de Carlos Moedas. É escolhido por Inês de Medeiros para a autarquia socialista de Almada até ser nomeado por Fernando Medina para a presidência da Estamo, em julho de 2022.

Essas funções nas Câmaras de Almada e Lisboa, assim como as passagens pela SRU e a EMEL, o cargo de adjunto de um secretário de Estado e mesmo a vice-presidência do Inatel — apesar da saída atribulada — foram destacadas pela Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) como fundamentos para dar aval ao nome de António Furtado para a Estamo.

Por ser uma sociedade anónima ainda que de capitais públicos, a Cresap não tem de fazer um concurso nem elaborar uma shortlist para a presidência da Estamo, mas tem de emitir um parecer, não vinculativo, sobre a escolha do governo, após uma avaliação dos currículos e das competências, de forma a perceber se se adequam ao cargo em questão. No caso de António Furtado, o entendimento da Cresap foi que o perfil do gestor era “adequado” às funções.

No parecer, a comissão salienta, a nível de formação, a licenciatura em Direito, “complementada” pelo curso de Direito do Urbanismo que tirou no INA (Instituto Nacional de Administração), ou um curso “de estruturas e fundos comunitários”, assim como uma formação em direito comunitário, um curso de gestão avançada na administração Local (PROGAL) e uma pós-graduação em direito administrativo dos bens pelo ICJP da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

O nome de Furtado tem, também, estado ligado a Manuel Salgado e a investigações judiciárias. Em setembro de 2021, o Correio da Manhã noticiou que António Furtado foi um dos nomes apanhados em escutas numa investigação da PJ ao projeto da Operação Integrada de Entrecampos, nos terrenos da antiga Feira Popular. A investigação incide sobre as relações entre Manuel Salgado — com quem trabalhou na SRU (Furtado foi administrador não executivo de 2020 a 2021, altura em que Manuel Salgado era presidente) — e outros responsáveis da autarquia, bem como a empresa Rockbuilding.

Segundo o Relatório e Contas de 2022, o gestor aufere uma remuneração mensal bruta de 4.922,84 euros e, em 2022, recebeu 1.969,14 euros em despesas de representação.

Fátima Madureira, a gestora nomeada para a Estamo depois de ter sido rejeitada para uma agência pública

Para a cúpula da Estamo, Medina escolheu outro nome que conhece bem. Fátima Madureira foi nomeada para vice da empresa pública no ano passado (assumiu funções a 1 de setembro) pelo ministro de quem foi chefe de gabinete na Câmara de Lisboa.

Antes, Madureira esteve em regime de substituição como presidente da AMA, a Agência para a Modernização Administrativa, durante quase dois anos, ao abrigo do regime de substituição, que deveria ser provisório e que serve para assegurar o exercício de um cargo em situações excecionais, como enquanto se aguarda a abertura do concurso.

A escolha foi, na altura, criticada pelo PSD. Duarte Marques, no Twitter, insurgia-se contra o facto de a nomeação ser feita em regime de substituição e criticava a escolha de Madureira que, na argumentação do social-democrata, iria “gerir milhões de euros da modernização do Estado”, sem “nenhuma experiência na área”. O então deputado apontava-lhe a “falta de qualificações, de experiência, de ligação ao setor”.

PSD diz que nomeação de ex-chefe de gabinete de Medina para AMA resulta de uma “aldrabice” e pede justificações ao Governo

O regime de substituição é muitas vezes criticado por permitir que dirigentes escolhidos pelo governo fiquem meses, ou anos, num cargo a ganhar experiência e conhecimentos que lhes dão vantagem sobre outros candidatos quando o concurso é aberto. Mas isso não sucedeu com Fátima Madureira. Como o Observador escreveu há um ano, quando o concurso foi aberto pela Cresap, Madureira candidatou-se mas não foi uma das três escolhidas na shortlist que a comissão indica como os mais adequados para o cargo entre os candidatos e que entrega ao Governo, que escolhe um.

Medina nomeou ex-chefe de gabinete para a Estamo depois de ter sido rejeitada pela Cresap para agência pública

Já depois de conhecer os resultados, o Executivo anulou o concurso alegando que era preciso “atualizar” os critérios de seleção, perante o que dizia ser a “nova orientação” da AMA e a necessidade de integrar “novas valências e competências, designadamente na área do digital” (após o chumbo do Orçamento do Estado para 2022, a tutela passaria do Ministério da Administração Pública para a secretaria de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa). Ao Observador, na altura, o ministério de Medina desvalorizou que Madureira não tivesse sido escolhida para a AMA e frisou que a gestora teve parecer positivo da Cresap para a Estamo.

“Tendo obtido parecer favorável da Cresap, uma entidade independente e transparente, o Ministério das Finanças considera que não subsistem dúvidas sobre a adequação do perfil da pessoa para a função em causa”, afirmou.

Tanto Fátima Madureira como António Furtado tiveram classificação de “adequado” pela comissão de recrutamento. No caso de Madureira, a Cresap destacou a formação académica com licenciatura em História, complementada pelo Programa de Gestão Avançada na Administração Local (PROGAL), pelo Curso de Gestão Pública na Administração Local (GEPAL) e uma formação pedagógica de formadores.

Ao nível profissional, salientou como relevante para o cargo as funções de diretora do departamento de turismo da Direção Municipal de Cultura, Desporto e Turismo; de diretora do departamento de marca e comunicação da Câmara Municipal de Lisboa; de diretora municipal de Mobilidade e Transportes da mesma Câmara e de chefe do gabinete do então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. Além disso, realça que, desde 2020, desempenhou funções de presidente do conselho diretivo da AMA. Ou seja, a Cresap valorizou a experiência num cargo para o qual foi nomeada pelo Governo em regime de substituição, a aguardar por um concurso para o qual não foi depois selecionada.

A ligação de Fátima Madureira à Câmara de Lisboa remonta a 1984, primeiro como assessora no gabinete do vereador da cultura, turismo e relações Internacionais (durante cinco anos). Após um interregno de sete anos em que foi adjunta do secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), voltou em 1997 e, durante um ano, foi chefe da divisão de promoção e informação turística, no departamento de turismo da autarquia. Em 1998, ascendeu a diretora do departamento de turismo da direção municipal de cultura, desporto e turismo, até 2011. Nesse ano, passou a diretora do departamento de marca e comunicação e, de 2015 a 2017, foi diretora municipal de mobilidade e transportes. Em 2017, tornou-se chefe de gabinete de Fernando Medina na maior autarquia do país. Foi nomeada para a AMA em outubro de 2020, onde ficou até agosto do ano passado.

No despacho em que Madureira é nomeada em regime de substituição para a agência pública, assinado pela então secretária de Estado da Inovação e da Modernização Administrativa, Maria de Fátima Fonseca, o governo sublinhava a “coordenação de projetos de elevada complexidade”, “organização e coordenação de reuniões periódicas de dirigentes e de gestão de crises na Cidade de Lisboa”, incluindo na gestão da pandemia, o “acompanhamento do presidente da Câmara em projetos envolvendo entidades privadas e instituições públicas” na preparação da Jornada Mundial da Juventude em 2023, entre outros.

Fez, inclusive, parte da criação do departamento de marca e comunicação da Câmara de Lisboa, “com completa remodelação da imagem e da comunicação, ativação das redes sociais, site institucional, direção da Revista Lisboa, implementação do Plano Global de Comunicação e supervisão dos contactos com os órgãos de comunicação social”. Também representou a cidade de Lisboa na Jornada Mundial da Juventude do Panamá, em 2019.

Oficial. Lisboa vai ser capital das próximas Jornadas Mundiais da Juventude e Papa regressa a Portugal

Realinho de Matos. O gestor de empresas públicas que é da confiança do PS

Para completar a equipa de gestão, as Finanças indicaram José Realinho de Matos, vogal do conselho de administração. Com uma carreira preenchida pelo setor empresarial do Estado, o gestor foi este mês escolhido pelo mesmo Ministério para presidente da Parpública (onde era vice e que o remunerava “em exclusivo”). O Observador questionou as Finanças e a Parpúblico sobre a eventual substituição como vogal na Estamo mas não obteve respostas.

Realinho de Matos é próximo do PS, como o Observador escreveu a propósito da setorial socialista da Carris. Em 2016, foi escolhido pelo Governo de António Costa para administrador do Metropolitano de Lisboa, da Carris, Carrisbus, Transtejo e Soflusa. Em 2017, aquando da passagem da Carris para a esfera da Câmara de Lisboa, então liderada por Fernando Medina, chega a vice-presidente da Carris.

Dos “picas” nos autocarros à administração. Como o PS controla a Carris

Licenciado em Economia pelo ISEG, com um MBA na mesma faculdade, começou o percurso profissional como responsável financeiro na Companhia Portuguesa Rádio Marconi, integrada mais tarde na PT. Fez carreira na área do emprego e da formação — passou pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), foi administrador do Instituto de Gestão do Fundo Capitalização da Segurança Social e gestor do Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social.

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