A sala D. Maria II, na Assembleia da República não tinha cadeiras de suficientes (forradas a veludo vermelho) para sentar todos os democratas-cristãos que se reuniram, perto da hora de almoço, para ouvir Nuno Melo e Paulo Portas encerrar as jornadas parlamentares do CDS. Nuno Melo alternou entre o fato de ministro do governo de Luís Montenegro — a quem chamou Pedro Passos Coelho e rapidamente corrigiu — e o fato de presidente do CDS. Revelou o segredo, que acredita ter trazido os democratas-cristãos de volta ao Parlamento: “Nenhum político brilha se não tiver atrás de si uma grande equipa”.

Entre elogios aos últimos resultados eleitorais (legislativas, europeias e eleições na Madeira), Nuno Melo dedicou as mais duras críticas ao Chega de André Ventura. A reboque da decisão do Chega em juntar-se aos Patriotas pela Europa, família política criada por Viktor Orbán, Nuno Melo acusou o Chega de “fazer campanha dizendo-se patriota” mas agora vai partilhar “assentos” com partidos “financiados por Vladimir Putin“. “De patriota, não parece ter muito”, disse, entre aplausos, Nuno Melo.

De resto, Nuno Melo esforçou-se por vincar as diferenças que diz existirem entre o Chega e as distinções entre o CDS. “Nós não temos dúvidas: o nosso destino é ao lado dos Aliados, da Ucrânia e da NATO. O CDS não foi substituído por ninguém Voltem a ter no CDS a vossa casa. A direita lúcida que faz falta e não foi substituída por ninguém. Voltem e ajudem.”

Depois, Melo vestiu o fato de ministro da Defesa Nacional. Primeiro com críticas aos anteriores governos de António Costa, quando desafiou a sala a encontrar “uma única reforma nos últimos oito anos”, e a seguir a fazer a defesa da honra do Governo de Luís Montenegro. “Fizemos mais pela paz social que o PS em oito anos. Honrar promessas eleitorais está em desuso, mas o compromisso com os eleitores ainda vale”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O pretexto serviu para Nuno Melo enunciar vitórias do Governo que assegurou estar “ao lado dos professores” e de dar “resposta às forças de segurança”. E quando o tema foi as Forças Armadas, o ministro da Defesa Nacional fez questão de garantir que “em 2024 vão ter novidades, vão ter notícias e condições para se sentirem melhor”.

Sem nunca concretizar medidas ou anúncios, Nuno Melo anunciou objetivos — recrutar mais jovens, que “vão ter razões para virem e se manterem nas Forças Armadas” —  e valorizar os antigos combatentes, que sempre tiveram no CDS “uma voz”.

Pressionado pelos jornalistas a concretizar as “notícias” que quer apresentar às Forças Armadas, o ministro e líder partidário disse apenas que o Governo tem levado a cabo um “conjunto de reuniões com as chefias e associações” militares, que o caminho “já tinha sido feito” e que seria aprofundado “nos próximos dias e semanas”. A previsão do ministro da Defesa Nacional é que as negociações “aconteçam no verão”.

Ainda em Washington, na Cimeira da NATO, Luís Montenegro tinha anunciado que o Governo ia “colocar em marcha”, o processo negocial com militares para valorizar as remunerações. Nuno Melo foi também questionado sobre Pedro Nuno Santos ter sido mandatado pelo Partido Socialista a negociar com o Governo a viabilização do Orçamento de Estado, o líder do CDS pediu apenas um “diálogo genuíno, sem truques partidários”, com vista a estabilidade do país.

Chega já decidiu e vai juntar-se à família política europeia criada por Orbán, os Patriotas da Europa

A aula de Portas. O risco em Moscovo e Washington

O antigo vice-primeiro-ministro e antigo presidente do partido dedicou o discurso (com uma ou duas exceções) a analisar os principais desafios geopolíticos que o mundo enfrenta em 2024. Uma aula de 50 minutos, onde fez questão de “não pôr a utopia no meio das relações internacionais”.

Portas identifica vários riscos para o mundo do século XXI, “o século da Ásia e do Pacífico”, com a China à cabeça, que hoje se afirma não só como uma “potência económica”, mas também como uma potência militar. Do desenvolvimento asiático às eleições norte-americanas, durante longos minutos, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros traçou uma “crescente dificuldade” para os países europeus, uma Europa “hiper fragmentada”, sem rumo: “Não há longo prazo, nem há memória. Tudo fica entre o ontem à noite ou o amanhã de manhã”.

Hoje, sublinha Paulo Portas, “vivemos num mundo em que o imprevisível pode prevalecer”. Os exemplos são a pandemia, a guerra na Ucrânia — apesar de esta estar “escrita nas estrelas” — e a guerra na Faixa de Gaza. Até o atentado contra Donald Trump, referido por Portas apenas como “o candidato republicano” nos Estados Unidos, é um sintoma do imprevisível.

Perante uma plateia atenta, Paulo Portas dedicou as palavras mais fortes a Vladimir Putin. Em dia de tomada de decisões no Parlamento Europeu, o antigo ministro avisa que para a Europa “é um risco deixar Putin prevalecer na Ucrânia” e que nada garante que se conquistar Kiev, Moscovo vai parar por aí.

E foi aqui que cruzou a Europa com os Estados Unidos. Numas eleições que vão (com grande grau de certeza) colocar frente a frente Joe Biden a Donald Trump, Portas alerta para o “risco de isolacionismo nos Estados Unidos” e sugeriu que a única forma que Trump tem de acabar com a guerra na Ucrânia é telefonar a Zelensky e dizer que não terá “nem mais uma arma” e que tem de se sentar a “negociar”.

Referências à política nacional, poucas. Um elogio ao CDS e aos seus quadros, ao argumentar que “a democracia fica melhor quando o CDS está”. Uma crítica aos partidos que fazem de bandeira o combate à imigração. E um recado a Nuno Melo, também ministro da Defesa, a quem desejou “bom trabalho” a “motivar e mobilizar” os militares e a “melhorar a retenção e capacidade de recrutamento” das Forças Armadas.