O Vaticano sabia há 50 anos da prática de abusos de menores por parte de Marcial Maciel, o padre mexicano e fundador dos Legionários de Cristo, que morreu em 2008. Documentos do arquivo secreto da Santa Sé mostram que, em 1956, o Papa Pio XII ordenou a sua suspensão, que não vingou graças à proteção interna ao abusador e à promessa de uma suposta “cura”. Só em 2006, dois anos antes de morrer, com Bento XVI, foram tomadas medidas contra Maciel.

No período em que foi encoberto, o padre continuou os abusos e agrediu dezenas de menores, protegido por personalidades poderosas na Santa Sé. Este facto é confirmado por documentos — na sua versão original e não censurada — do Arquivo Secreto do Vaticano publicados pelo diário italiano Corriere della Sera.

Um documento datado de 1 de outubro de 1956, citado pelo El País, revela que Maciel chegou a Roma, depois de ter sido suspenso pelo Papa como superior da Ordem, “por razões conhecidas do Santo Padre”, e com o objetivo de “obrigá-lo a curar-se”. O documento contém pormenores inéditos da investigação aberta pelo Vaticano contra Maciel por desconfiança da prática de crimes de abuso sexual a menores.

Em 2019, o cardeal brasileiro João Braz de Aviz, da Congregação para os Institutos da Vida Consagrada, já tinha acusado o Vaticano de “encobrir” denúncias de abusos sexuais, classificando a ação como um “erro tremendo”. Referia-se diretamente ao caso de Marcial Maciel.

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Legionários de Cristo. Vaticano encobriu casos de pedofilia desde 1943

Ou seja, já era conhecida há vários anos a conduta de Maciel, bem como a proteção que recebeu de aliados poderosos na Santa Sé. Os documentos corroboram esta versão e revelam as tentativas de encobrimento imediatas após as primeiras alegações a envolver o padre mexicano.

Alguns dos documentos já tinham sido divulgados, mas nas suas versões retocadas. Os textos originais publicados pelo diário italiano refletem precisamente o início do encobrimento do caso, porque as posteriores rasuras e anotações manuscritas do autor mostram que após a reunião entre um alto funcionário do Vaticano com Maciel e o seu protetor, o ultraconservador Cardeal Giuseppe Pizzardo, o documento foi alterado para suprimir as conclusões relativas à prática de abusos sexuais. Fica apenas a ordem de curar o visado de modo a mantê-lo dentro da Igreja Católica. Mais tarde, num outro texto, Federico Domínguez, secretário pessoal do padre mexicano e um dos primeiros a denunciá-lo, é acusado de ser “a alma negra da conspiração contra Maciel”.