A primeira-ministra do Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou esta segunda-feira ao cargo e deixou o país, segundo a estação de televisão Canal 24, após semanas de violência generalizada nas ruas por causa dos protestos estudantis que provocaram quase 300 mortos.

Hasina deixou o país num helicóptero militar às 14h30 locais (9h30 em Lisboa), acompanhada pela irmã mais nova, Sheikh Rehana, noticiou o jornal local Prothom Alo. Fontes citadas pelos meios de comunicação social disseram que partiram para Bengala Ocidental, na Índia.

Momentos depois destas informações terem sido avançadas pelos media locais, uma fonte próxima da governante, citada pela agência francesa AFP, confirmou que Sheikh Hasina tinha saído da capital do país, Daca, de helicóptero, antes de milhares de manifestantes invadirem o palácio governamental.

“A equipa de segurança pediu-lhe que saísse, ela não teve tempo para se preparar”, disse a mesma fonte, acrescentando que a política saiu do local numa coluna de veículos e posteriormente “foi retirada (da capital) de helicóptero”.

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Ao serviço internacional da BBC, o filho de Hasina esclareceu que ela teve de deixar o país para a sua própria segurança e declarou-se “desapontado que depois de todo o seu trabalho, uma minoria se tenha levantado contra ela” e que Hasina não regressaria para tentar tomar o poder.

Antes, o chefe das Forças Armadas Waker-Uz-Zaman anunciou a fuga de Hasina em declarações na televisão e declarou que um governo temporário ia ser formado. O exército terá dialogado com os partidos políticos — excluindo o partido no poder — e com o Presidente, para traçar o caminho para o futuro do país.

“O país está a ultrapassar um período revolucionário. Prometo-vos que vamos trazer justiça para todos os homicídios e injustiças. Por favor não regressem ao caminho da violência”, apelou Zaman, citado pela Reuters.

Já depois desta reunião com o exército, o Presidente Mohammed Shahabuddin determinou a libertação da ex-primeira-ministra e líder da oposição Khaleda Zia, bem como dos detidos durante os protestos.

Shahabuddin “decidiu por unanimidade libertar imediatamente a presidente do Partido Nacionalista do Bangladesh (BNP), Begum Khaleda Zia”, e “todos os detidos durante os protestos estudantis”, de acordo com uma nota da presidência. Khaleda Zia, 78 anos, está com a saúde debilitada e hospitalizada desde que foi condenada a 17 anos de prisão por corrupção, em 2018.

No domingo, os militares já tinham estado reunidos para fazer um ponto de situação sobre os protestos no país, mas não é claro se os militares vão assumir o governo. À saída da reunião, Zaman afirmou apenas que “o exército do Bangladesh vai sempre estar ao lado do povo, do interesse do público e de qualquer necessidade do Estado”.

Os protestos antes da fuga e as pilhagens depois

Milhares de pessoas reuniram-se esta segunda-feira em frente à residência oficial da primeira-ministra em Daca. Depois de a notícia da sua partida se ter tornado pública, muitas delas invadiram e pilharam o edifício, segundo as imagens transmitidas pelos canais de televisão.

O Canal 24 do Bangladesh mostrou imagens de dezenas de cidadãos na residência oficial, Ganabhaban, a transportar mobiliário, frigoríficos e loiça, num clima de vitória. Muitos deles pararam para acenar para as câmaras de televisão, de braços erguidos, após meses de protestos.

Os manifestantes tinham saído à rua apesar do recolher obrigatório decretado pelo Governo na noite passada, em resposta a mais um dia de violência no contexto dos protestos estudantis que começaram há cinco semanas.

Na reunião do Presidente com o exército e os partidos da oposição foi decretado o levantamento do recolher obrigatório e a reabertura de “escritórios, fábricas, escolas, universidades” e empresas a partir das 06h00 (01h00 em Lisboa) de terça-feira.

Os serviços de banda larga e de Internet móvel também foram interrompidos durante cerca de duas horas na segunda-feira, de acordo com a organização independente de vigilância da cibersegurança NetBlocks.

A renúncia de Hasina segue-se a cinco semanas de protestos estudantis que começaram pacificamente mas que se tornaram violentos devido a alegações de uma dura repressão policial contra os manifestantes.

Cerca de 300 pessoas, na sua maioria estudantes e civis, foram mortas durante os violentos confrontos que mergulharam o Bangladesh num clima de caos.

Perto de 300 mortes num mês de manifestações contra a líder do governo no Bangladesh

Os protestos dos estudantes começaram por exigir o fim das quotas no emprego público, que consideram discriminatórias num dos países mais pobres do mundo, mas acabaram por exigir a demissão de Hasina e do seu governo após a morte dos manifestantes.

Hasina assumiu o poder em janeiro para um quarto mandato consecutivo, depois de ter ganho umas eleições que foram boicotadas pela oposição.

Novos episódios de violência causaram esta segunda-feira pelo menos 56 mortos, de acordo com a agência France-Presse (AFP) que cita fontes do Hospital Universitário de Dhaka, que reportou 44 mortos, e da polícia, que registou outras 11 mortes na capital e outra na cidade portuária de Chittagong.

Notícia atualizada às 17h53 com as declarações do exército e às 19h36 com as da Presidência