Enviado especial do Observador em Paris, França

Aqui encontramos um pouco de tudo, aqui é mesmo impossível sair sem nada. Quem se quiser aventurar e começar no Arco do Triunfo a descer pouco mais de dois quilómetros encontra uma das zonas mais bonitas e icónicas de Paris (não foi o nosso caso hoje, que viemos logo diretos a Praça da Concórdia). No final, naquela que é a maior praça da capital parisiense, há um pouco de tudo. Se na véspera a NBA tinha trazido a Disney a Paris via Arena Bercy, aqui é um autêntico parque temático dos desportos radicais. Olhamos para um lado, La Concorde 1, o local onde se realizou o torneio de basquetebol 3×3. Ainda no mesmo sentido, com devidas alterações nas sinalizações, estará o breaking, um das grandes novidades desta edição. Ao lado, naquele que era o La Concorde 2, teve lugar o BMX. A seguir, no La Concorde 3, as pistas do skate street. Fomos até ao próximo, o La Concorde 4, que recebia esta quarta-feira o skate park masculino com Thomas Augusto.

O ambiente, claro, também é muito mais descontraído. Nem por isso deixa de haver atiradores nos prédios mais altos desta área. Por exemplo, ao lado do hotel de Crillon, os atiradores da polícia que passam quase sempre despercebidos montaram uma mini tenda para se abrigarem do sol e continuarem a seguir o seu trabalho (que se não existir, como não tem havido, é boa notícia). Cá dentro, com os adeptos a aproveitarem para darem uma volta por toda a zona envolvente antes do início da competição e passarem até por museus que ficam a meia dúzia de passos, música, palmas e um final de manhã num estilo cool onde só o sol a bater de frente que faz com que não se consiga ver o ecrã do computador – nada como puxar a cadeira para trás, ficar de lado enquanto não começam as provas e ir adiantando trabalho – destoa. Tudo bem, a envolvência ajuda a relativizar tudo o que não seja bem como queremos. E nisto as bancadas estavam quase cheias.

Thomas Augusto entraria apenas na série 3 sendo um dos atletas mais desconhecidos da Missão nacional. Aliás, até no próprio skate de competição mais a sério é quase uma novidade, tendo em conta que tem pouco mais de um ano disto depois de longos tempos a competir apenas como amador. Nascido em San Diego e a viver na Califórnia, o jovem atleta de 20 anos com pais brasileiros mas também avô português (daí ter três nacionalidades) optou pela cidadania nacional e iria tornar-se esta quarta-feira o primeiro a entrar num concurso olímpico de park depois da estreia de Gustavo Ribeiro ainda em Tóquio-2020 no street. “Sonho poder ser uma inspiração para todos os miúdos que estejam a aparecer e para todas as pessoas no mundo. Quero mostrar às pessoas que nada impossível independentemente de onde vens e do que te dão”, tinha como principal ideia antes desta estreia nos Jogos Olímpicos onde só queria “fazer bem e o melhor”.

Inspirado em termos olímpicos por aquilo que Michael Phelps conseguia fazer na natação e apaixonado pela música de Eminem (e todo o concurso é feito com música mas de outro estilo mais descontraído), Thomas Augusto teve o mérito de arriscar na última prova de qualificação com duas manobras trabalhadas com o treinador Paulo Ribeiro para garantir mesmo o apuramento olímpico. Como a equipa do Brasil tem muita competitividade, e não foi preciso muito para se vir isso na qualificação, optou pela nacionalidade portuguesa e não pensou na norte-americana por considerar que apesar de ter nascido no país não grande ligação à sua cultura. Para trás ficava um início no desporto através do judo que passou para o skate sem que existisse propriamente um estímulo exterior a não ser o gosto que tinha pela modalidade com tudo o que envolve.

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Se no judo nunca teve propriamente lesões complicadas, no skate já rompeu os ligamentos do joelho e terá agora de ser operado ao ombro. No entanto, tudo vale a pena para o “moleque amador” que começou a ser profissional há pouco mais de um ano e chegou aos Jogos. Não conseguiu chegar à final, terminando na 13.ª posição o apuramento, mas conseguiu um 81.75 e posterior reação que lhe deram motivação para 2028.

A entrar na terceira série, e depois de um aquecimento onde foi sofrendo algumas quedas, era fácil perceber que a grande aposta do português passava pelo movimento inaugural. Se saísse, faria uma linha que tentaria chegar à decisão; se não saísse, sabia que somava três ou quatro pontos e não perdia margem. Foi um risco assumido numa realidade com um nível mais alto onde tinha de fazer algo diferente para dar a volta. Na primeira tentativa, não conseguiu. Na terceira, também não. Na segunda, completou a round, acabou sem quedas e ouviu muitos assobios do público para os juízes para a pontuação. Perante estrelas tão diferentes como o mítico Tony Hawk ou o youtuber brasileiro Enaldinho, ambos presentes, Thomas Augusto, o miúdo português que era sempre o mais ansioso para entrar em prova deixando apenas o seu cotovelo esquerdo sem proteção, deu um ar daquilo que será capaz de fazer depois de um bom arranque entre malta mais velha como o britânico Andy MacDonald (51 anos) ou Dallas Oberholser (49), também eliminados.

“Andei aquilo que queria andar, era só isso que tinha para fazer. Estava focado em acertar aquela primeira manobra que só acertei na segunda volta, acabei depois essa linha e estou muito feliz por isso e orgulhoso por ter Portugal aqui no meu peito. Assobios do público? Sim, achei que a nota estava um pouquinho baixa mas houve partes da volta em que podia ser melhor. É skate, as notas estão nas mãos dos juízes e não posso fazer nada, só estou aqui para andar. Quando cheguei ainda achava que podia ir à final, aquela volta achava que me colocava na final mas o nível do skate está muito alto. Os meus amigos que estão a andar aqui também estão a andar muito e acertaram as voltas. Não deu certo, vai dar certo em LA”, referiu.

“Agora vou chegar a casa, vou estar um ou dois dias desligado e depois é voltar para o skate. Não consigo parar de andar de skate e não vejo a hora de chegar a casa e voltar a andar de skate, já a pensar em LA. Não há férias, tenho quatro anos para preparar porque o nível está muito alto e tem de ser a partir tudo para chegar depois ao top 3”, prosseguiu, “esquecendo-se” de algo que terá agora de fazer: “Vou primeiro para Itália e tenho dois meses até fazer a cirurgia que preciso ao ombro. Já desloquei o ombro mais de 275 vezes este ano e preciso de algum tempo para fazer isso, recuperar e voltar mais forte do que já viram”.

“Número de vezes a treinar aquela primeira manobra? Milhões, milhões… Eu treino oito horas por dias e chegou ao parque e começo. Esta era a manobra mais importante que precisava colocar na linha e só tinha um mês para aprender, fiquei oito horas por dia a treinar isso. Foi muito bom ter a sensação do público atrás de mim. Claro que queremos ter uma nota maior para ir à final, tinha mais manobras mas ter assim o público deixou-me feliz. Ter apoio ajuda a acertar a linha e ao sentimento de não cair. Realizei o meu sonho, há quatro anos que era assim. Idades diferentes? É uma competição engraçada, o Andy era um ídolo quando estava a escrever. O skate é o único desporto nos Jogos onde não ficamos bravos uns com os outros e queremos que os outros também acertem a linha, é bom curtir com os meus ídolos”, concluiu.