Enviado especial do Observador em Paris, França

Cabeças baixas, uma reflexão individual daquilo que podia não ter corrido tão bem em termos coletivos em segundos que pareciam uma eternidade, um aperto de mão que se transformou em abraço no momento em que encostaram a embarcação e saíram. Várias coisas teriam passado pela cabeça de João Ribeiro e Messias Baptista para o final de prova, dos abraços ao bater na água em sinal de festa. Afinal, eles eram campeões do mundo, mas da mesma forma como esse triunfo foi por margens mínimas, agora não ficou atrás. Sobrou a desilusão e a certeza de quem recusou qualquer tipo de desculpa e deu apenas os parabéns aos que foram melhores. Também aqui, a dupla fez tudo bem, mesmo voltando com um diploma na mão e sem a tão desejada medalha ao pescoço. Também aqui, é assim que se começam a construir caminhadas para 2028.

Nesse percurso que poderia ser um trajeto até ao Olimpo, os portugueses foram andando cabisbaixos pela zona mista mas apresentando-se de cabeça erguida sempre que era para dar cara sobre o resultado. Pararam na RTP, pararam na OBS dos Jogos, só depois foram ao local destinado à imprensa. Ao contrário de alguns países, Portugal não tinha um sítio definido com um papel colado nas barras de segurança. “Portugal? Não temos nenhum lugar… Podem ficar já aqui”, referia a voluntária. O local até podia ser agradável pelo chapéu que protegia do sol mas aquilo que todos quereriam era ter uma área para o seu país. Aí, ou se é uma potência da modalidade com vários canoístas de diferentes distâncias e especialidades a lutarem pelo pódio ou se ganhou ou se é vencedor de uma medalha. Ali não era o caso. E foi ali que João Ribeiro e Messias Baptista, ainda de pagaia na mão quase a servir de encosto e a recuperar do esforço feito que era notório na própria respiração profunda do segundo atleta, abordaram o resultado do qual menos gostariam de falar.

“Vínhamos com a ambição de ganhar uma medalha, sem dúvida que tínhamos esse objetivo. Fomos campeões mundiais no ano passado, sabíamos que todas as equipas se estavam a reforçar para chegarem aqui ainda em melhor forma. Fizemos o nosso trabalho, tudo o que tínhamos ao nosso alcance para chegar aqui bem. Trabalhámos tudo o que havia a fazer ao milímetro, o que descansar, o que comer, como recuperar, o que fazer na competição. Fizemos tudo bem mas cinco barcos foram melhores do que nós. Se a saída foi má? Ainda não analisámos a prova mas senti que em relação à dupla do lado esquerdo saímos um bocadinho atrás. Trabalhámos para fazer a nossa prova, concentrados só na nossa parte como tinha sido planeado ao pormenor. Agora vamos ter de nos sentar e ver o que é que podíamos ter feito melhor”, começou por referir João Ribeiro, o mais experiente da dupla a cumprir os seus terceiros Jogos aos 34 anos.

“Agora ainda impera a tristeza por não chegar a uma medalha porque era esse o nosso objetivo, queríamos muito, trabalhámos muito para estarmos aqui na nossa melhor forma, acho que estamos super bem mas houve cinco barcos melhores e quando é assim só temos de dar os parabéns. Disse à partida quando vínhamos para Paris que as equipas não estavam contentes por ser Portugal a estar como campeão do mundo nesta distância, neste barco. Houve equipas como a Hungria que reformulou o barco mesmo sendo vice-campeão do mundo, a Alemanha trouxe outros barcos… Fizeram de tudo para trazerem os melhores barcos, tal como nós fizemos o que tínhamos ao nosso alcance para chegar aqui bem. Agora ainda sinto sobretudo a tristeza por não ter chegado à desejada medalha mas passando uns dias certamente estarei orgulhoso de tudo aquilo que fiz até hoje para representar bem Portugal”, acrescentou o canoísta do Benfica, que somou o seu quarto diploma entre K2 e K4 (o mais perto do pódio foi o quarto no K2 1.000 do Rio-2016).

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“Já sabíamos que esta prova ia ser assim, já durante o ciclo olímpico todo, do primeiro ao oitavo ou nono barco íamos acabando todos no mesmo segundo. Preparámos a prova da melhor forma possível, viemos para aqui como os campeões do mundo, claro que os outros países não gostaram, quando não são eles a ganhar ninguém gosta. Fizemos os possíveis, fizemos uma boa prova. Ainda não analisámos, ainda não sabemos o que podíamos ter feito melhor. Infelizmente não sorriu para nós e houve cinco barcos que foram melhores. Equipa com o João? Só o futuro dirá agora. Foi um processo nestes últimos anos com o João que foi muito bonito, muitas alegrias, muitas tristezas e só o futuro dirá o que vamos fazer. Espero poder continuar com o João e com a experiência dele para o meu futuro”, referiu também Messias Baptista.

A seguir, caiu-lhe a “ficha”. O canoísta andou uns metros, isolou-se e começou a chorar. Sozinho, por opção própria. Quis ter quase um momento de “luto” pela prova que não tinha saído como queria. Primeiro foi confortado por elementos da canoagem, depois pelo próprio João Ribeiro que lhe conseguiu roubar um sorriso com algo que lhe disse ao ouvido. Enquanto isso acontecia, os elementos da Missão que estavam a acompanhar Luís Montenegro, iam mostrando os caiaques (quase todos ali de uma marca portuguesa, a Nelo) ao primeiro-ministro, vestido com as roupas nacionais tal como a mulher. “Parabéns”, disse quando cumprimentou João Ribeiro e Messias Baptista numa curta conversa depois da competição.

Poucos minutos depois, Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, passava a caminho da zona mista com dois ou três seguranças (Montenegro não parecia ter segurança “oficial”). Não se sabe se chegaram a falar ou não, tendo em conta que estavam em bancadas que não tinham ligação, mas tinham esse ponto comum da roupa mais desportiva pelo contexto onde estavam. No final, o germânico acabou por ter mais motivos para sorrir, sendo um dos elementos que mais vibrou na comitiva do país com a vitória no K2 500 masculino e ainda uma medalha de bronze no K2 feminino que foi muito sofrida, ao milímetro mas foi mesmo confirmada.