A má notícia teve a elegância de esperar pelo último dia, antes de o bar fechar para as habituais férias de verão, a 15 de agosto. Na noite da passada quarta-feira, Alice viveu o derradeiro dia como se fosse o primeiro e tudo cheirasse a novo. Ou como diria a filha, veio esperar pelos ainda vivos, como sempre fazia. “Acabou a noite no cantinho da televisão que tanto adorava, a conversar com um casal espanhol cheio de pinta. Pediu-me para lhe levar o livro dos 35 anos do Procópio. Sentou-se no canto dela e começou a conversar, que era o natural dela.”, descreve ao Observador Maria João Pinto Coelho. Mas aos 86 anos, a saúde tinha vindo a debilitar-se. Este sábado, a filha partilhava no Facebook a notícia que os velhos amigos da Mesa 2 não queriam receber. “A mãe juntou-se ao Nuno, avós, tios e amigos queridos noutra dimensão. Quando souber o dia em nos poderemos juntar por ela, direi.”

Ao Observador, Maria João Pinto Coelho, recorda ainda como foi passada esta quarta-feira de despedida de Alice Pinto Coelho, que com o então marido Luís Pinto Coelho fundou em 1972 um dos destinos que mudou decisivamente a paisagem noturna de Lisboa, cenário das lendárias tertúlias da Mesa Dois, uma tradição encetada nos anos 90 por Nuno Brederode Santos. “Quarta era o dia da Mesa Dois, mas a maior parte das pessoas estavam todas de férias, por isso a mãe jantou no restaurante com uma amiga, a Graça Vasconcelos, a única que estava cá.”

É também nas redes que outros amigos de longa data e habitués recordam a figura ímpar da anfitriã que recebia noite dentro, e que nos últimos tempos acusava já o peso da idade. “A Alice chegou tarde, como sempre chegava, à festa que, na noite de Santo António, sempre fazemos na Madragoa. Achei-a com um ar cansado, como já a não via há muito tempo. Mas esteve divertida, como sempre era entre amigos. No fim da noite, desafiou-me: “Você, que já organizou dez jantares anuais da Mesa Dois do Procópio, é devia juntar o pessoal para o jantar nº 11. Temos de nos voltar a reunir. Cada vez somos menos!” Ainda tentei escusar-me, dizendo que, sem o Nuno (Brederode Santos), aquilo deixara de ter graça, mas a Alice insistia na ideia, com um poeta amigo, à sua ilharga, a apoiar o projeto.”, escreveu no Facebook o antigo embaixador Francisco Seixas da Costa.

“Embora contrafeito, lá disse que sim, que, passado o verão, ia meter mãos à obra. Confesso que não me apetecia nada, mas devia isso à Alice. Fiz uma primeira lista, abati ao efetivo aqueles a quem a vida já marcava falta e pensei numa coisa lá para outubro. Agora, sem a “sedona” Alice, como o antigo empregado Luís lhe chamava, já decidi: o jantar nº 11 da Mesa Dois não vai avante, camaradas.”, acrescentou.

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Em 2022, por ocasião dos 50 anos do espaço, o Observador visitou o Procópio e recuperou as histórias e memórias deste endereço junto ao Jardim das Amoreiras, em Lisboa, um ícone no Alto de São Francisco que entrava em forçosa fase de transição, agora com a liderança das filhas de Alice Pinto Coelho.

Bar Procópio. As tertúlias da Mesa Dois, os namoros da Mesa Um e o brinde com “Mary Jane” aos próximos 50 anos

Foi de Paris, no começo dos anos 50, que Alice e Luís Pinto Coelho trouxeram a ideia do Procópio, inspirados pelo não menos histórico Procope, que se mantém aberto, ainda que noutra encarnação. Casaram-se em 1969. Tiveram três filhos. Separaram-se em 1974, ano em que Alice continuaria ao leme do Procópio e Luís abriria A Paródia, em Campo de Ourique. A lista de bares icónicos inaugurados pelo decorador cresceu com o Fox Trot, que lançou no Príncipe Real em 1978, e por fim com o Pavilhão Chinês, aberto em 1982. Luís morreria em 2012. Nessa altura, já a filha mais velha, Maria João, se juntara ao fundador bar junto ao Jardim das Amoreiras, para ajudar a renovar o negócio.

“Não estavam habitados a um bar que não fosse de alterne”, contava-nos Alice, com o seu jeito característico, e o eterno cigarro entre os dedos, sobre as origens e o trajeto do bar. Apesar da idade avançada, continuava a frequentar a casa como antigamente.

Procópio. “Não estavam habituados a um bar que não fosse de alterne”

O velório de Alice Pinto Coelho está previsto para esta quinta-feira, na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, missa e cremação na sexta. O Procópio, que nunca mais será o mesmo, reabre no final de agosto.