A Iniciativa Liberal entra no novo ano político de armas apontadas ao Governo, colando Luís Montenegro a António Costa e demarcando-se não só da maneira como a Aliança Democrática governou nos últimos meses, como também das promessas do Executivo na rentrée política do PSD, no Pontal. Este afastamento da IL relativamente a Montenegro vai marcar o discurso de Rui Rocha no arranque do novo ano político e, ao mesmo tempo, a IL já colocou cartazes pelo país a refletir o pensamento do partido a poucas semanas da discussão do Orçamento do Estado. O mesmo acontece nas redes sociais, onde se fazem contas aos atrasos dos planos apresentados pelo Governo.
“Luís Montenegro está a mostrar-se um gestor de situação, como António Costa, sem definição ideológica ou ambição reformista, e já vimos os resultados desse tipo de governação com o PS. A IL rejeita esta forma de governação. Só se obtém prosperidade com aplicação de reformas sérias e ambiciosas e medidas liberais”, afirma Ricardo Pais Oliveira, vice-presidente dos liberais, em declarações ao Observador.
Nas últimas horas, a IL tornou pública uma campanha em várias frentes, onde demonstra um claro afastamento do Governo. No primeiro de três outdoors começa por comparar o PSD ao PS e lançar uma pergunta: “Queriam mudança? Saiu mais do mesmo“; num outro refere que o partido está há “cinco anos a lutar por mais dinheiro no bolso” dos portugueses, ao recordar que apresentou 153 propostas para baixar impostos — um dos temas que tem distanciado os liberais dos sociais-democratas, nomeadamente com a questão do IRS Jovem — e com a promessa de que “a luta continua”. Finalmente, um regresso ao mote da prosperidade, num cartaz com um regador e a seguinte frase: “Quem planta liberalismo hoje, colhe amanhã prosperidade.”
Ao mesmo tempo, nas redes sociais, a IL focou-se no trabalho governativo dos últimos meses, apresentando-se como um “watchdog dos planos do Governo“. Depois de constatar que o Executivo de Montenegro já apresentou planos para várias áreas, os liberais consideram que estes “não têm mostrado grande ambição reformista” e “estão normalmente assentes num conjunto de medidas simples ou em que a solução para o problema é colocar mais dinheiro”.
Com promessas de que a IL será o vigilante do Governo, resume que não foi um bom início e dá o exemplo da Habitação: “O primeiro pano apresentado pelo Governo foi o plano para a Habitação que, talvez por ser o primeiro, estava bem detalhado e com prazos bem definidos, e neste momento já está 43% atrasado face ao que foi proposto”, nota o partido, que acrescenta um gráfico de execução para concluir: “Não basta apresentar planos, é preciso executar bem.”
❓ COMO VÃO OS PLANOS DO GOVERNO?
O governo tem apresentado muitos planos, já apresentou mais de 10 em várias áreas, mas esses planos não têm mostrado grande ambição reformista e estão normalmente assentes num conjunto de medidas simples ou em que a solução para o problema é… pic.twitter.com/ctHRRnRVMG
— Iniciativa Liberal (@LiberalPT) August 23, 2024
Ricardo Pais Oliveira, vice-presidente da Iniciativa Liberal, argumenta, em declarações ao Observador, que “no discurso e nas medidas apresentadas por Luís Montenegro na rentrée do PSD ficou claro que o PSD vai governar no mesmo estilo de António Costa”, justificando que essa tendência é visível na opção de atribuir de “cheques one-shot a segmentos do eleitorado específicos” e na “criação de passes de transportes muito baratos, aumentando a procura sem resolver o problema da oferta”, o que para o liberal apenas configura “gerar mais caos”.
“Não há uma visão estratégica reformista para resolver os problemas do país ou criar um modelo de desenvolvimento mais eficaz, é despejar todo o dinheiro possível nos problemas ou nos segmentos eleitorais mais desejados e deixar andar. É tal e qual o que Costa fez. O PSD em campanha disse uma coisa e a governar faz outra. Os portugueses votaram na mudança e saiu mais do mesmo“, explica o vice-presidente liberal.
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A questão dos impostos, a bandeira mais cara da IL desde a formação do partido, é um dos grandes entraves numa melhor relação com o PSD. O dirigente liberal não entende que o PSD tenha prometido “baixar impostos a todos”, designadamente com um “plano de baixa de impostos na rentrée do ano passado” e depois de chegar ao Governo “não baixa para os maiores de 35 anos”. “Estas pessoas aguentaram as crises do subprime, a troika, a crise das dívidas soberanas, a pandemia, o surto inflacionista e agora continuam a trabalhar para pagar estas medidas. O Governo prometeu e devia baixar o IRS para todos. A IL não aceita esta discriminação etária e vai continuar a lutar para baixar impostos”, insiste, numa narrativa que tem sido alimentada ao longo dos últimos meses pelo partido e que já foi dada como fundamental nas negociações do Orçamento do Estado.
Mais do que isso, Ricardo Pais Oliveira relembra que “Montenegro fez ainda questão de começar o seu discurso a dizer que não é liberal” e remata: “Pois não, como se vê peles medidas apresentadas, está muito mais próximo da prática de governação socialista.” Para o vice-presidente da IL, o Goveno está a investir no “mais do mesmo”, o que significa, sublinha, “manter os problemas de Portugal”. “Mais do mesmo é garantir que o país não cresce, os salários continuam baixos e os jovens continuam a emigrar”, acrescenta.
Tal como o Observador já tinha noticiado, o cenário atual permite que a Iniciativa Liberal se sinta livre para não aprovar o Orçamento do Estado, sendo que a rentrée e as últimas medidas anunciadas pelo Governo deram ainda mais fôlego aos liberais para se afastarem de Luís Montenegro, ao ponto de acabarem a colá-lo a António Costa e a uma governação socialista. A relação que começou como um namoro entre Montenegro e Rocha, quando a possibilidade de queda do Governo de Costa ainda era longínqua, foi tendo altos e baixos, e num dos últimos capítulos os possíveis parceiros acabaram por decidir que a IL ficava fora do Executivo. Agora, sem compromisso, a IL afasta-se mais a cada dia e o Orçamento do Estado será uma prova de fogo na relação.
IL tenta pressionar Governo e sente-se livre para não apoiar Montenegro