Foram 362 dias de “sofrimento”, a viver em más condições, sem luz do sol ou sinais do exterior. Kaid Farhan Alkadi passou os últimos nove meses em cativeiro, depois de ter sido capturado pelo Hamas, nos ataques de 7 de outubro, e levado para Gaza. E foi com incredulidade que Alkadi ouviu, esta terça-feira, vozes em hebraico à porta da sala onde continuava fechado e sozinho — e que momentos depois se viu livre e de regresso a Israel.
Kair Farhan Alkadi tem 52 anos e é natural de uma comunidade perto da cidade de Rahat, no sul de Israel. Trabalhava como guarda numa fábrica de embalagens, e estava precisamente a trabalhar quando foi raptado pelo Hamas. E foi assim, em cativeiro, que esteve até esta terça-feira, quando foi salvo levado para uma clínica israelita, onde foi dado como estando em “condição médica estável”.
Ainda assim, não há consenso, até ver, sobre a operação que levou ao salvamento de Alkadi. As forças israelitas vieram desde logo esclarecer que o refém foi encontrado dentro de um túnel, por comandos de uma unidade de elite da Marinha, como resultado de uma operação “complexa” — mas há dúvidas sobre os contornos dessa operação.
Isto porque, pouco depois do resgate, o The New York Times noticiava que Alkadi terá sido encontrado “por acidente”, de acordo com duas fontes com conhecimento do processo. Na versão contada pelo jornal, este acaso ter-se-ia passado enquanto Israel realizava uma operação em Gaza para encontrarem membros do Hamas dentro de túneis — e nesse processo ter-se-iam deparado com o refém numa sala, sozinho e sem guardas, a cerca de 25 de metros de profundidade.
Mas o exército israelita tem outra versão, contada pelo The Times of Israel. O jornal escreve que não havia uma operação específica para resgatar Alkadi em curso, mas que as forças israelitas já estavam a trabalhar naquela zona há vários dias, assumindo que poderia haver reféns ali presos.
Publicamente, o porta-voz do exército israelita, Daniel Hagari, recusou dar mais pormenores sobre a “corajosa e complexa” operação de resgate para “não comprometer ações futuras”, confirmando apenas que Alkadi estava efetivamente “debaixo do solo”. E veio confirmar que o refém estava já, ao início da tarde desta terça-feira, vivo, de boa saúde e de volta a casa, prometendo que o exército israelita não descansará enquanto não trouxer os mais de 100 reféns que continuam em Gaza para casa, “por todos os meios possíveis”.
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O Haaretz acrescenta que, segundo informações das forças israelitas, Alkadi foi transferido entre localizações diferentes durante o período de cativeiro e chegou a estar preso com outros reféns. No entanto, nos últimos tempos esteve sozinho, no local onde foi agora encontrado — tendo havido especulação na imprensa internacional sobre se isto se deverá ao facto de o próprio ter conseguido escapar até àquele ponto, ou se os raptores o terão abandonado.
Os 362 dias em que Alkadi emagreceu e viu um refém morrer ao seu lado
Nestas horas de liberdade, já se ficaram a saber alguns detalhes sobre o período de cativeiro, nomeadamente através da conversa que Alkadi teve com os autarcas da sua cidade de Rahat. O atual autarca, Talal al-Kernawi, contou que Alkadi voltou “feliz e a agradecer a toda a gente”, como cita o Times of Israel.
“Está muito magro mas muito feliz, e dá para ver a felicidade no rosto dele”, garantiu al-Kernawi, acrescentando que falaram sobre a “alegria e a felicidade” que o país sentiu ao saber da notícia e que Alkadi lhe contou as “condições difíceis” em que viveu. “O que importa é que estou aqui de pé”, terá acrescentado.
First image of rescued hostage Farhan al-Qadi in Israeli hospital.
The look on his brother's face is everything ???? pic.twitter.com/QjFEWqzF7B
— Aviva Klompas (@AvivaKlompas) August 27, 2024
Na conversa com o antigo autarca de Rahat, Ata Abu Medigam, terá dado mais pormenores sobre esses tempos, segundo contou Medigam, citado pelo jornal Haaretz: Farhan contou que um dos reféns que estavam presos com ele durante dois meses “morreu ao seu lado”.
E terá falado também do tempo que passou sem qualquer exposição ao sol. “Ele verificava se os olhos ainda estariam a funcionar — punha os dedos nos olhos para verificar se tinha reflexos”.
Família feliz: “É melhor do que a chegada de um novo bebé”
Já com a notícia de que Alkadi estava livre, a família do refém libertado rejubilou. O irmão de Alkadi falou aos meios de comunicação social hebraicos, à porta do Centro Médico Soroka em Beersheba, contando que o sentimento é “até melhor do que a chegada de um novo bebé”. Viu o irmão “um bocadinho magro”, mas bem de saúde, e disse aos jornais estar muito feliz e entusiasmado.
“Ao início não acreditámos. Mas depois o exército disse-nos que era verdade, ficámos muito animados e muito felizes”, reagiu. “Esperávamos por este momento há muito tempo. Esperamos que todos os reféns venham a ter um momento destes, que possam experienciar o mesmo entusiasmo e alegria.”
Ex-refém pede ao Governo que “trabalhe 24 horas por dia”
Esse sentimento foi de resto transmitido pelo próprio Alkadi ao Presidente israelita, Isaac Herzog, que durante a tarde falou com o refém libertado ao telefone. Segundo conta o Haaretz, o Presidente disse estar “entusiasmado por ouvir a voz” do refém agora libertado: “O nosso irmão voltou a casa”.
Já Alkadi, depois de agradecer, fez um apelo relativo aos reféns que continuam presos em Gaza: “As pessoas lá estão a sofrer. Façam tudo para os trazer para casa. Trabalhem 24 horas por dia, não durmam, as pessoas estão mesmo em sofrimento”.
Segundo o mesmo jornal, Farhan disse ao Presidente de Israel que “nem conseguia acreditar” quando ouviu alguém falar hebraico, antes de perceber que estava prestes a ser salvo.
בשיחה עם פרחאן קאדי.
אנחנו לא שוכחים אף אחד. אנחנו מחויבים להחזיר את כולם, בלי יוצא מן הכלל. pic.twitter.com/6w69lwEp8s
— Benjamin Netanyahu – בנימין נתניהו (@netanyahu) August 27, 2024
Já o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, também falou por telefone com o Alkadi, assegurando-lhe que “toda a nação de Israel está radiante com o seu salvamento” e que continuará a “fazer todos os possíveis para trazer todos os reféns para casa”.