Oksana Kozyna e Oleksandr Chyrkov cresceram no mesmo orfanato em Dnipro, na Ucrânia. Hoje, são atletas paralímpicos a competir nos Jogos Paralímpicos de Paris2024.

Oksana Kozyna nasceu sem o osso da fíbula (na perna). Essa limitação levou os seus pais a abandoná-la, uma vez que não tinham os meios financeiros necessários para cuidar dela. Kozyna acabou por ir parar a um orfanato na cidade de Dnipro, na Ucrânia. Foi nesse orfanato que conheceu Oleksandr Chyrkov. Chyrkov foi atropelado quando tinha apenas 8 anos de idade e esteve acamado durante dois anos. A mãe apenas o foi visitar duas vezes, acabando o menor por também ir parar ao orfanato de Dnipro.

A sua “segunda mãe”, Svetlana Shabalina, professora no orfanato em Dnipro, sempre descreveu os dois atletas como muito autossuficientes: “Kozyna sempre foi muito mandona, já o Chyrkov tinha uma tendência para fazer tudo sozinho”, ao site dos Jogos Paralímpicos de Paris.

O treinador de para-badminton da Ucrânia (o único no seu país), Dmytro Zozulia, recrutou ambos do orfanato em Dnipro, uma vez que o trabalho do treinador implica muitas vezes encontrar pessoas com limitações e perguntar pelo seu interesse em tornarem-se atletas de para-badminton e representar a Ucrânia.

“Não é fácil encontrar pessoas com deficiência na Ucrânia”, diz Zozulia. Chyrkov aceitou o convite do treinador, impondo apenas uma condição: tinham de ir ao McDonald’s primeiro. Com o apoio do Comité Paralímpico da Ucrânia, Zozulia levava Kozyna e Chyrkov aos treinos, às competições e à cadeia de fast food. O treinador disponibilizou-se a oferecer todo o equipamento de treino e, em 2018, foram ao Dubai para a sua primeira prova de acesso aos Jogos Paralímpicos.

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Foi a 24 de fevereiro de 2022 que se deu a invasão russa à Ucrânia. Kozyna preparava-se para embarcar para Espanha rumo a uma competição quando foi acordada pelo barulho e flashes das bombas que começaram a cair. O seu treinador, Zozulia, admite: “Eu nunca chorava. Agora, desde que se deu a invasão, choro todos os dias. É impossível comprar comida, tens um carro mas não podes pôr gasolina para o usar. É o pânico total, é um choque brutal.”

Zozulia apressou-se a tentar refugiar-se da guerra e contactou os seus amigos em diferentes locais do mundo. Vários se mostraram disponíveis, até Zozulia perguntar: “E os meus atletas? Eles também são meus filhos, não os posso abandonar”. A partir daí, apenas França respondeu, pela mão de Christophe Guillerme, presidente do clube de badminton de Wambrechies Marquette, e de um outro apoiante em Paris, que se disponibilizaram a ajudar o treinador, a sua família e quatro atletas paralímpicos a fugir da Ucrânia e a encontrar um sítio para morar e para treinarem.

A guerra teve como consequência a impossibilidade de os atletas competirem. Mas Guillerme disponibilizou-se para pagar os bilhetes de avião e estadia no Canadá para que os atletas pudessem competir e reunir pontos para se qualificarem para os Jogos Paralímpicos de Paris2024.

Kozyna acabou por tornar-se campeã do mundo de para-badminton na categoria SL3, sendo a primeira ucraniana a deter esse título.

No início de 2024, a professora de Kozyna e Chyrkov, Shabalina, foi diagnosticada com cancro. Devido à degradação das condições de assistência nos hospitais ucranianos, Shabalina não podia receber tratamento lá e acabou por ir para Uppsala, na Suécia, para receber tratamento de quimioterapia. Acontece que, na mesma altura, Chyrkov encontrava-se em Uppsala para uma competição e reencontrou-se com a sua “segunda mãe”, acabando por convidá-la a ir aos Jogos em Paris. 

Chyrkov aproveitou, durante os Jogos, para agradecer a todos os combatentes na Ucrânia. “Quero agradecer a todos. É como uma responsabilidade acrescida estar aqui, não apenas pela competição, mas lutar e representar a Ucrânia, em nome do povo ucraniano e poder gritar: Glória à Ucrânia!”

O fisioterapeuta dos atletas, Mykhailo Kyslyi, e o irmão de Kozyna estão na linha da frente de combate das forças ucranianas e fazem questão de enviar mensagens todos os dias a pedir links para acompanhar as provas. “É também por eles que estou aqui”, afirmou a atleta.

Chyrkov acabou por ser eliminado na fase de grupos, mas acompanhou, juntamente com Shabalina, a evolução de Kozyna nestes Jogos. A atleta acabou por perder o seu embate pela medalha de bronze. Kozyna não tinha conhecimento da presença da sua professora do orfanato de Dnipro, e admitiu que o reencontro foi emocionante. “A princípio não a reconheci, mas é a minha segunda mãe. Fiquei mesmo feliz e surpreendida por vê-la ali, à minha frente.” Quando questionada sobre se tinha recebido alguma mensagem do Presidente Zelensky, Kozyna simplesmente respondeu que, “para sermos agraciados por uma mensagem vinda do Presidente, convém ganhar algo primeiro”. 

A história de Kozyna, Chyrkov, Shabalina e Zozulia é uma história de superação, entreajuda, compreensão e, fundamentalmente, patriotismo. Podem ter saído de Paris sem uma medalha, mas saem com um sentido de missão cumprida, superada e orgulho em si mesmos e no povo ucraniano.