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A prometida remodelação de mais de metade do governo ucraniano trouxe uma notícia inesperada: o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, visto como o rosto mais visível do executivo — pelo menos em termos mediáticos –, o diplomata mais importante da Ucrânia e um dos principais negociadores do país em todos os fóruns internacionais, também está de saída.
Confirma-se. Dmytro Kuleba, o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano apresentou a sua demissão
Não é que seja a primeira vez que os rumores da demissão de Kuleba — agora confirmados — correm na imprensa ucraniana. Mas a resposta que tinha sido dada pelo próprio a propósito de uma dessas vagas de rumores, em agosto do ano passado, aguça a curiosidade sobre os motivos da saída, ainda não justificada. Nessa altura, Kuleba assumia que “nenhum emprego é permanente” e explicava: “Eu disse no início que sairia em duas circunstâncias: a primeira é se o Presidente me pedir para o fazer. A segunda é se estiver contra alguma política para o exterior que seja fundamental e não considerar possível trabalhar com ela”.
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Neste momento, não é possível perceber se algum destes cenários se concretizou: o que se sabe é que desta vez Kuleba sai mesmo, tendo a informação sido confirmada pelo presidente do Parlamento ucraniano, que adiantou esta quarta-feira, nas suas redes sociais, que já recebeu a carta de demissão do ministro e que esta será discutida numa das próximas reuniões plenárias pelos deputados.
Ainda assim, a saída de Kuleba prova que os anúncios do Presidente Volodymyr Zelensky — que falou numa mudança que “fortaleceria” o governo e ajudaria a Ucrânia a atingir os seus objetivos — e do líder parlamentar do seu partido, David Arakhamia — que anunciou uma “grande mudança” no governo, com “mais de 50% dos elementos do Conselho de Ministros” a sair — toca até o segundo nome mais conhecido (depois de Zelensky), e um dos mais experientes, do poder ucraniano.
Zelensky prepara remodelação de mais de metade do governo. Novos nomes anunciados quinta-feira
Com 43 anos, Kuleba, que estudou Direito Internacional e soma já uma considerável experiência governativa, trabalhou no Ministério dos Negócios Estrangeiros em dois períodos, de 2003 a 2010 e de 2010 a 2013 (neste último estava responsável por tratar de assuntos relacionados com a imagem da Ucrânia no exterior e com as relações com os Estados Unidos). Voltou a trabalhar no mesmo Ministério, como embaixador para as “comunicações estratégicas”, e foi depois escolhido como representante permanente da Ucrânia no Conselho Europeu. Chegou ainda a ser vice primeiro-ministro com a pasta da integração europeia da Ucrânia, tudo isto antes de assumir a pasta dos Negócios Estrangeiros em março de 2020.
No governo de Zelensky, Kuleba ganhou protagonismo e tornou-se, como lembra esta quarta-feira a imprensa internacional, um elemento central do Executivo e um dos que tinham mais exposição mediática, lidando com frequência com responsáveis de outros países, nomeadamente em cimeiras internacionais. Conforme explica a CNN, era visto como um político “capaz” e um “par de mãos seguro”. Mas a mesma televisão explica que a saída de Kuleba pode não representar um ponto final no seu percurso argumentativo, uma vez que se especula que possa vir a assumir um papel diferente na administração de Zelensky.
Também a Euronews descreve Kuleba como uma “figura chave”, lembrando que o ministro viajava frequentemente até outros países no âmbito do seu esforço para assegurar apoios dos aliados para a Ucrânia e que tem sido o “número dois” do governo, responsável por passar as mensagens do Executivo para o público internacional também através das suas redes sociais.
Ainda este verão, Kuleba apelou em vários meios à ajuda dos países aliados, sempre no sentido de pedir que enviassem mais armas e apoio militar à Ucrânia. Num fórum em Atenas promovido pela The Economist, no qual fez uma participação por videoconferência, em julho, o ministro pedia aos países aliados da Ucrânia que não temessem uma possível “escalada” da guerra e que não se deixassem condicionar por isso:
“Nestes dois anos e meio, nada tem prejudicado mais a nossa causa comum do que o medo da escalada. Ouvimo-lo de cada vez que pedimos um novo tipo de arma de que a Ucrânia precisava desesperadamente para proteger a sua população e infraestruturas críticas. Ouvimo-lo de cada vez que tivemos de tomar uma decisão importante: de garantir o estatuto de candidato à adesão à UE a outros grandes passos políticos”.
E, dizia o ministro na altura, essas decisões acabaram sempre por ser tomadas sem que a tal escalada acontecesse, porque a Rússia promove essa escalada independentemente do que aconteça e porque as suas hipóteses para escalar mais a situação estão “vazias”, argumentava Kuleba, pedindo aos países que acreditassem na “capacidade da Ucrânia de ganhar” e “abandonarem o medo da escalada”: “Putin é que devia ter medo de nós. Kuleba insistia no envio de mais sistemas de defesa aérea Patriot e mísseis “relevantes”.
Já a 29 de agosto o responsável pelos Negócios Estrangeiros esteve em Bruxelas com os seus homólogos e explicou a “urgência” que a Ucrânia sente quanto à necessidade de receber ajuda militar “já prometida”, incluindo os sistemas de defesa aérea. Na mesma ocasião, Kuleba garantiu aos seus colegas de outros países que a Ucrânia estará a trabalhar para “cumprir as suas obrigações” de forma a poder tornar-se um estado-membro da União Europeia.
Remodelação leva a mais cinco demissões
Kuleba não é um caso isolado: no contexto da grande remodelação prometida, nas últimas 24 horas foram conhecidas as saídas de cinco outros ministros, como relatava o jornal Kyiv Independent (Alexander Kamyshin, das Indústrias Estratégicas; Denys Maliuska, da Justiça; Ruslan Strilets, da Ecologia; Olha Stefanishyna, vice primeira-ministra para a Integração Europeia e Euroatlântica; e Iryna Vereshchuk, vice primeira-ministra para a Reintegração).
Na noite desta terça-feira, Zelensky tinha antecipado que este outono será “extremamente importante para a Ucrânia” e que as instituições teriam de “estar montadas de forma a que a Ucrânia atinja os objetivos de que precisa”, sinalizando que essa mudança estaria para acontecer. Tudo isto numa fase delicada e em que a Ucrânia está a sofrer ataques russos de grandes dimensões (ainda esta terça-feira o primeiro-ministro ucraniano anunciou que morreram 49 pessoas, tendo outras 219 ficado feridas, num ataque russo; nesta quarta-feira, houve notícia de mais sete mortos).
Zelensky prepara remodelação de mais de metade do governo. Novos nomes anunciados quinta-feira
Como a CNN recorda, Zelensky parece ter a intenção de ter a sua nova equipa a postos para a sua viagem aos Estados Unidos, que fará ainda este mês, e que deverá incluir uma participação da Assembleia Geral das Nações Unidas e um encontro com o Presidente norte-americano, Joe Biden, para lhe mostrar um novo “plano para a vitória”, que terá quatro fases, segundo revelou.
Zelensky tinha feito outra mudança relevante quando substituiu o antigo comandante das Forças Armadas, Valerii Zaluzhnyi, por Oleksander Syrskyi. No caso de Kuleba, especula-se que possa ser substituído pelo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Andriy Sybiha — que segundo a imprensa ucraniana veria Kuleba como um “concorrente” dentro do governo e pela atenção de Zelensky — ou pelo líder da comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, Oleksandr Merezhko.
Ao Kyiv Independent, Merezhko disse esta quarta-feira que a “grande mudança” era esperada “há muito tempo”. “Acontece antes de tempos difíceis, o outono e o inverno. Talvez esta mudança esteja relacionada com o novo período de desafios para a Ucrânia”, explicou.