“Olivença é portuguesa, naturalmente, e não é provocação nenhuma”. As palavras do ministro da Defesa, Nuno Melo, esta sexta-feira reacenderam um debate de séculos em torno do município de Olivença, objeto de um diferendo territorial entre Portugal e Espanha.

Que cidade é esta?

Olivenza (na grafia castelhana) é uma cidade na zona raiana com um território de cerca de 750 km² e 12 mil habitantes, a 23 quilómetros de Elvas, no distrito de Portalegre, e a 24 de Badajoz, em Espanha. Trata-se de uma cidade reivindicada por Portugal desde o tratado de Alcanizes, em 1297, era então rei de Portugal D. Dinis, mas que Espanha anexou e mantém integrada na comunidade autónoma da Estremadura.

Quando é que Portugal perdeu Olivença?

O pequeno município passou para o domínio espanhol no início do século XIX, ato consagrado no Tratado de Badajoz de 1801, que pôs fim à chamada Guerra das Laranjas, conflito travado entre Portugal e Espanha no contexto da rivalidade entre a França napoleónica e a então Grã-Bretanha. Os termos do tratado foram ratificados pelo Príncipe-Regente de Portugal, D. João, e por Carlos IV de Espanha. As tréguas e os tratados assinados entre Espanha e Portugal, consagrariam a devolução das praças ocupadas durante a campanha militar, mas Olivença revelar-se-ia uma exceção.

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Espanha chegou a prometer devolver Olivença?

Sim. No dia 7 de maio de 1817, aquando da ratificação do Congresso de Viena, já depois do fim das guerras napoleónicas, Espanha reconheceu que Olivença era terra portuguesa e comprometeu-se a retirar-se do território. Mas tal nunca aconteceu e Portugal reclama periodicamente a soberania sobre a cidade.

Uma entrada de 2014 no portal diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) lê-se que, relativamente à questão de Olivença, “pelo artigo 105 do Ato Final, ficou consagrado o direito da Coroa Portuguesa ao território de Olivença e os outros territórios cedidos à Espanha pelo Tratado de Badajoz. Apesar da sua resistência inicial a Espanha acabaria por ratificar o tratado em 7 de Maio de 1817”.

Os oliventinos podem ter nacionalidade portuguesa?

Sim. Embora nos últimos anos, a guerra pelo território seja um assunto que tenha ficado fora da agenda diplomática das relações entre Portugal e Espanha, os oliventinos têm a possibilidade de pedir a nacionalidade portuguesa desde 2014, uma conquista da associação Além Guadiana, extinta em 2019, e também responsável pela dupla toponímia das ruas da cidade, em espanhol e português. Em 2018, o jornal Público dava conta que “o português está presente na toponímia de mais de 70 ruas, praças e avenidas de Olivença”. Ademais, desde 2019 que os cidadãos espanhóis de Olivença com dupla nacionalidade passaram a poder votar nas eleições legislativas portuguesas.

Porque voltou a falar-se de Olivença?

O ministro da Defesa português, Nuno Melo, veio esta sexta-feira relançar o tema para o debate público, dizendo que o assunto “é de hoje” e que é um “direito justo” do qual não faz sentido abdicar. “No que toca a Olivença, o Estado português não reconhece como sendo território espanhol”, sublinhou o ministro português, à margem de uma cerimónia militar em Estremoz. “Aliás, por tratado, Olivença deverá ser entregue ao Estado português”, continuou Nuno Melo.

As relações diplomáticas com Espanha podem estar em causa?

Os sucessivos governos de Portugal têm permanecido em silêncio em relação à questão de Olivença. Mas Nuno Melo lembrou que, quando foi eurodeputado no Parlamento Europeu, defendeu esta questão: “Fi-lo, desde logo, no Parlamento Europeu, em questões colocadas, enfim, mas sabe, a ‘real politik’ é a ‘real politik'”, o que “não invalida a expressão dos direitos” e, quando estes “são justos, deles não se abdica”, argumentou. Na sequência das declarações do ministro, o ministério dos Negócios Estrangeiros recusou comentar. Já Pedro Nuno Santos considera que declaração feita pelo ministro da Defesa “tem impacto sobre política externa” e diz que “responsabilidade” é do primeiro-ministro.

Mais de 200 anos depois, o tema continua a suscitar interesse?

Dir-se-ia que sim. Na cultura, por exemplo, este episódio da história de Portugal inspirou, em fevereiro de 2020, a peça A Reconquista de Olivenza, criação de Ricardo Neves-Neves (texto e encenação) e Filipe Raposo (música), em cena no Teatro São Luiz, Lisboa. O espetáculo, uma reconstituição sui generis da história e da reconquista desse pedaço de terra fundamental para o tão almejado Quinto Império, foi um sucesso junto da crítica e do público, que esgotou todas as récitas, motivando o teatro lisboeta a reprogramar a peça dois anos depois. Este ano, A Reconquista de Olivenza voltou a mostrar-se em junho no Auditório Municipal de Gondomar.