Berlim tem-se consolidado, ao longo dos anos, como vanguardista no que toca às normas e aos hábitos das festas noturnas. O movimento crescente de proibição do uso de telemóveis dentro das discotecas espalhou-se para outras centros da dança eletrónica, como é o caso de Londres, Nova Iorque e até mesmo da famosa ilha de Ibiza. A prática de pôr autocolantes nas câmaras dos telemóveis dos frequentadores de discotecas apareceu para garantir a privacidade e a imersão total na experiência da música e da dança e tornou-se num símbolo de um novo tipo de hedonismo, onde “o que acontece na pista de dança, fica na pista de dança”, explica o The New York Times.

A icónica discoteca Berghain, em Berlim, conhecida pela sua política rigorosa de seleção à entrada, introduziu este protocolo de proibição de fotografias e vídeos como forma de manter intacta a atmosfera da festa, de maneira a existir um sentimento de libertação e expressão individual sem qualquer tipo de restrições. Por trás desta prática, está a ideia de que, ao eliminar os traços fotográficos das festas, os frequentadores desconectam-se e libertam-se das pressões das redes sociais e permitem-se imergir totalmente na dinâmica da festa, da música, dos encontros e das emoções da noite.

Daniel Plasch, codiretor da discoteca berlinense R.S.O., explica ao New York Times que Berlim não é apenas um local de festas: “Outras cidades têm discotecas, mas Berlim tem uma cultura de clubbing. Há algo de unificador e ritualista na pista de dança”, mas sublinha que o ambiente se perde e estraga quando as pessoas usam os telemóveis para tirar fotografias ou gravar vídeos que “nunca mais vão ver”.

A ascensão desta tendência global não ficou restrita a Berlim. Outras discotecas e clubes de renome como o Fabric, em Londres ou o Pikes ou Hï Ibiza, discotecas turísticas notórias pelas suas festas lendárias, implementaram políticas semelhantes.

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A Pikes Ibiza anunciou, em agosto de 2024, o alargamento da política da proibição de telemóveis a todas as suas festas, regra que só era anteriormente aplicada às segundas-feiras, desde abril. Assim, os frequentadores das festas podem dançar sem qualquer tipo de preocupação de serem fotografados ou filmados, sem consentimento, o que vem reforçar o lema do clube: “O que acontece no Pikes, fica no Pikes”.

Qualquer tentativa de violar a regra das “não fotografias e vídeos” resulta em advertências ou mesmo expulsões. O objetivo, segundo um comunicado do Pikes no Instagram, é: “Manter o telemóvel no bolso e a mente na música — e saber que todos à vossa volta estão a fazer o mesmo — abre um mundo inteiro de liberdade, não só na pista de dança, mas em toda a Pikes”.

Estas políticas da era digital refletem uma mudança cultural que se tem amplificado nos últimos anos. De acordo com Téa Abashidze, fundadora da discoteca Basement em Nova Iorque, o objetivo é criar um espaço onde as pessoas possam ter “experiências genuínas e sem distrações”. O ambiente clubístico torna-se, assim, um local onde a liberdade e a autoexpressão florescem sem a intervenção de um telemóvel que publica constantemente tudo o que capta nas suas redes sociais.

Os visitantes estrangeiros que não estão habituados a estas regras da noite, opõem-se a esta política considerando-a opressiva. No entanto, a existência desta norma também acaba por ser um fator diferenciador da cultura de alguns países e até acaba por ser essencial na preservação de uma “cultura autêntica de discoteca” que atrai ainda mais os turistas. Esta nova tendência, também vem servir de marketing e publicidade (ou falta dela) da discoteca, porque vem criar um interesse e uma curiosidade adicional ao consumidor que não faz ideia de como é o tipo de ambiente dentro da festa. Matthias Pasdzierny, professor de musicologia em Berlim, explique que “Quanto menos fotos houver de uma coisa, mais excitante ela se torna”.

Para os “techno clubs”, esta decisão vai muito além de uma mera proibição técnica. Muitos acreditam que as restrições de telemóveis ajudam a preservar o ethos contracultural de festas underground. Stathis Tsitinis, um DJ berlinense e cofundador da festa Power Dance Club, reforça que a explosão de novos frequentadores deste tipo de eventos após a pandemia, que se habituaram a partilhar tudo online, tem contribuído para a necessidade de reforçar a proibição de fotos nos clubes.

O desejo de se desconectar com a realidade, numa era digital em que as pessoas estão constantemente online, de se entregar à experiência física e emocional de uma simples pista de dança, tem vindo a estar cada vez mais em ascensão. Se por um lado os telemóveis oferecem uma conexão instantânea, por outro, a privação das tecnologias vem abrir um novo espaço de liberdade dentro das discotecas: um espaço onde se vive e aproveita o momento ao máximo e sobretudo onde as lembranças ficam apenas para quem as viveu intensamente.

Discotecas como refúgio das comunidades LGBTQIA+

As festas e raves noturnas, especialmente em cidades como Berlim, têm desempenhado um papel fundamental nas comunidades LGBTQIA+, por oferecerem um espaço seguro e inclusivo para a autoexpressão e a liberdade sexual. Em Berlim, esta relação entre os “techno clubs” e a comunidade gay é profundamente simbiótica.

A política de proibição de fotografias e vídeos nestas festas é particularmente importante para as pessoas desta comunidade, que veem nesses espaços a possibilidade de viver plenamente as suas identidades, sem o medo virem a ser expostas. Como mencionado por Stathis Tsitinis, cofundador do Power Dance Club, as festas LGBTQIA+ em Berlim acolhem muitas pessoas que podem não se sentir confortáveis em expor-se no dia-a-dia. Tsitinis destaca que, antigamente, os frequentadores destes clubes conheciam as “leis tácitas” da cena, o que incluía a proibição de fotografar, mas com o aumento do turismo e da popularidade das festas techno, tornou-se ainda mais crucial proteger estes espaços.

KitKat, uma discoteca famosa em Berlim pelo seu ambiente fetichista e “sex-positive”, também aplica esta regra de forma rigorosa e garante que os frequentadores podem explorar a sua sexualidade e identidade à vontade, sem a ameaça de exposição nas redes sociais.

Zandra Hedlund, de 41 anos, uma programadora que se mudou da Suécia para Berlim, disse também ao jornal americano que “Quando as pessoas tiram fotografias ao pé de mim, penso no meu aspeto ou tenho de tentar evitar aparecer nas fotografias”, no entanto, afirma que a esta proibição de tirar fotografias nas festas, ficou ‘mais descontraída’.

Bassiani, na Geórgia, segue o conceito e funciona como um refúgio importante para a comunidade LGBTQIA+, tendo em conta que se trata de um país conservador. Nas secretas “Noites Horoom”, a discrição é vital para proteger os clientes de perseguições sociais e legais. Para poderem frequentar estas festas, os potenciais frequentadores têm de apresentar o passaporte e URL do Facebook para uma verificação de antecedentes, segundo a Mixmag.