A Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN) contesta a decisão do fim gradual da publicidade na RTP, uma medida anunciada pelo Governo esta semana no âmbito do Plano de Ação para a Comunicação Social.

“Preocupamo-nos muito”, resumem ao Observador Ricardo Torres Assunção, secretário-geral, e Filipa Appleton, presidente da APAN. Os dois responsáveis lamentam que a associação, que tem 95 associados que representam cerca de 80% do investimento publicitário do país, não tenha sido consultada na matéria.

“Preocupa-nos, acima de tudo, como é que há uma tomada de posição e uma decisão destas sem nos terem consultado.” O secretário-geral da APAN acredita que o executivo ainda “não conseguiu analisar todas as consequências que poderão vir do corte de publicidade da RTP”. Ricardo Torres Assunção refere ainda que, a terem sido estudados cenários de consequências na publicidade, a análise poderá ter sido feita “superficialmente, porque não têm acesso aos dados de anunciantes e a quanto investem, qual é a forma de pensar”. “Porque não falaram connosco”, vinca novamente.

A medida prevê uma redução gradual de dois minutos por ano até à eliminação total da publicidade nos canais do serviço público em 2027. Atualmente, são permitidos seis minutos de publicidade na RTP por hora, metade do que é permitido nos canais privados. Pelas contas do Governo, a medida terá um impacto de cerca de seis milhões de euros por ano nas receitas da RTP. No ano passado, a publicidade rendeu à RTP 21,7 milhões de euros.

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Quanto valem seis minutos (de publicidade) nas contas da RTP?

Os responsáveis da APAN reconhecem que o mercado de televisão de sinal aberto “já está saturado” em algumas faixas de horário, mas a retirada de cena da RTP como mais um espaço de comunicação “poderá levar a uma inflação de preços” na publicidade. Nesse cenário, Ricardo Torres Assunção admite “desvios de investimento para outros meios, que tenham melhores dados em termos de retorno de investimento”. Mais além, é ainda admitida uma “descapitalização da própria economia portuguesa” se o investimento publicitário for direcionado para outras plataformas, nomeadamente internacionais. “Acho que pode acontecer tanta coisa que não foi tida em conta numa tomada de decisão destas, porque não nos ouviram.”

Filipa Appleton, a presidente da associação, explica que pretendem contactar o Governo para mostrar o ponto de vista dos associados, uma lista onde constam empresas como EuroBic, BPI, Sogrape, Meo, Nos, Vodafone, Sumol+Compal, Super Bock, entre outros.

Após o anúncio feito na terça-feira, a APAN optou por fazer uma “análise cuidada, ponderada” do plano apresentado, evitando reagir “a quente”. “Esta decisão pode ter consequências a vários níveis que nós gostávamos de discutir, que queremos discutir e que estamos abertos para discutir”, realça Filipa Appleton.

Oferta de assinaturas de jornais a 400 mil estudantes arranca ainda este ano. Bonificação de 50% das assinaturas só em 2025

Os responsáveis da APAN consideram que, ainda que nos últimos tempos tenham surgido novos projetos em canais de televisão, é diferente ter espaço comercial em sinal aberto ou no cabo. “O cabo ainda não tem a mesma penetração do free-to-air. Nem o mesmo perfil de cliente de consumo, é diferente, é um perfil mais transversal”, explica Appleton. “Tememos que esta mudança fragilize os outros canais free-to-air portugueses.”

A APAN salienta que são precisos “órgãos de comunicação social para ter uma economia saudável, um país saudável”, que sejam “fortes, independentes e financeiramente saudáveis”. “As marcas fazem parte desse ecossistema porque financiam os órgãos de comunicação social saudáveis. O facto de ter uma transição e uma decisão destas de uma entidade que regula, que é o Governo, sem consultar uma parte muito interessada neste ecossistema, parece estranho”, referem os responsáveis da APAN.

Reestruturação na RTP, incentivos para contratar e assinaturas comparticipadas. O plano do Governo para os media

Ainda que o plano para os media inclua também medidas como a oferta de assinaturas de jornais a estudantes do Secundário e bonificações de assinaturas, a APAN acredita que um eventual aumento de leitores no digital, onde as marcas também anunciam, não possa conseguir compensar a ausência de publicidade na RTP. “Quantos milhões é que veem a RTP? Quantos milhões é que precisavam de assinar [um jornal] para serem impactados como [no espaço publicitário] do Telejornal da RTP?”, questiona o secretário-geral da APAN. “É um público-alvo massivo.”