É um fenómeno que tem vindo a atingir os países desenvolvidos e para os quais os especialistas ainda não conseguiram encontrar uma explicação: estão a aumentar os casos de cancro da mama em mulheres jovens, com menos de 40 anos, a um ritmo de cerca de 3,5% ao ano. Os médicos mostram-se preocupados com a tendência, uma vez que, nestas idades, os cancros são, regra geral, mais agressivos, mortais e difíceis de detetar. “Há um aumento constante da incidência que nos deixa preocupados”, diz ao Observador o diretor do serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, Luís Costa. “Os diagnósticos de cancro da mama em mulheres jovens estão a aumentar e os alarmes começaram a soar“, sublinha o também oncologista Mário Fontes e Sousa.
No entanto, a comunidade médica ainda não identificou as razões para este aumento, havendo apenas algumas hipóteses em cima da mesa. Esta terça e quarta-feira, Lisboa recebe a 1ª Conferência Internacional “Cancro da Mama e a Saúde das Mulheres Jovens”, organizada pela Breast Cancer in Young Women Foundation, que vai juntar cerca de 30 especialistas nacionais e internacionais.
Até há uns anos, a esmagadora maioria dos diagnósticos de cancro da mama registava-se no período pós-menopausa (apenas 1% dos cancros que atingem a mama afetam homens). Essa realidade tem, contudo, vindo a alterar-se, com muitas mulheres mais jovens, dos 20 aos 40 anos, a enfrentarem a doença. Embora a incidência de cancro da mama tivesse vindo a aumentar desde o início do século, ainda que de forma ligeira, foi a partir de 2016 que se registou um aumento mais acentuado, segundo um estudo publicado em janeiro na revista médica JAMA Network Open.
“A partir de 2016, o aumento da incidência tem sido de 3,5% ao ano, em mulheres com menos de 40 anos. É um aumento constante”, sublinha Luís Costa, acrescentando que esse aumento em idades mais precoces se verifica a um ritmo superior ao dos diagnósticos em mulheres mais velhas. Em Portugal, os últimos dados conhecidos, divulgados pelo Registo Oncológico Nacional, remontam ainda a 2020. Nesse ano, foram registados cerca de 7.500 cancros da mama (um número inferior ao real, alerta o oncologista), sendo que mil afetaram mulheres abaixo dos 40 anos, cerca de 13% do total. Mas a realidade portuguesa pode já ser diferente: o grupo privado CUF tem registado, desde 2020, um crescimento dos diagnósticos em mulheres abaixo dos 50 anos, que já representam quase 40% do total de casos.
Médicos ainda não sabem o que está a causar aumento de casos em mulheres jovens
Embora os médicos suspeitem de que os estilos de vida (onde se incluem o sedentarismo, o consumo de álcool ou a alimentação desadequada) e o aumento da idade média da primeira gravidez e o uso de contracetivos orais possam ajudar a explicar a tendência, não há certezas. “Não sabemos as razões”, admite Luís Costa. “Conhecemos os fatores protetores: ter uma maternidade em idade jovem, ter maior número de filhos, não utilização de estrogénios exógenos, a ausência do fator hereditário (que, ainda assim, só explica 10% dos casos), ausência de obesidade”, explica o especialista, ressalvando, no entanto, que “há mulheres jovens, não obesas, que têm cancro da mama” e que “não sabem por que razão o azar lhes bateu à porta”.
O que se sabe é, em idades mais precoces, os cancros da mama tendem a ser mais agressivos, com pior prognóstico e, regra geral, mais mortais. “O tumor da mama tende a ser mais agressivo em mulheres mais jovens. Comparando o mesmo tipo de um cancro da mama, no mesmo estadio, numa idade jovem versus uma mulher em pós-menopausa, o prognóstico é pior. Ainda não sabemos bem porquê”, realça o especialista. Desta forma, a taxa de mortalidade acaba por ser também superior à média — entre 20 a 30% das mulheres morre num período de até cinco anos após o diagnóstico.
“Os tumores, em mulheres muito jovens, são mais vezes diagnosticados em estadios mais avançados”, sublinha médica cirurgiã
“A idade jovem, por si só, constitui um fator de pior prognóstico. Mas, na realidade, o que reconhecemos é que os tumores, em mulheres muito jovens, são mais vezes diagnosticados em estadios mais avançados e são causados por tumores de maior agressividade biológica (como são exemplo os triplos negativos). E, estes aspetos, sim condicionam uma taxa de mortalidade, associada ao cancro, superior”, diz ao Observador a cirurgiã Catarina Rodrigues Santos, coordenadora da Unidade de Cancro da Mama da CUF Lisboa. Outra particularidade dos cancros da mama nas faixas etárias mais jovens é que apresentam um maior risco de recidiva (ou de ressurgimento, em termos menos técnicos). “A esperança de vida destas mulheres, sendo muito mais longa, tem uma maior probabilidade de reaparecimento do tumor ou de outro tumor ao longo da sua vida”, refere a especialista.
Idade do rastreio do cancro da mama vai baixar para os 45 anos
Nas mulheres mais jovens, uma das razões para o cancro da mama ser detetado, muitas vezes, num estadio já avançado é o atraso no diagnóstico. “O diagnóstico é mais tardio. Não há programas de rastreio e, quando as mulheres detetam, muitas vezes já estão a palpar o tumor. Um tumor palpável já tem um volume maior”, sublinha Luís Costa, que considera que, para a comunidade médica, este “é um desafio enorme”. Uma das fases em que o diagnóstico se torna mais complexo é no pós-parto. “Por exemplo, o cancro da mama após o parto é mais difícil de diagnosticar, porque há alterações na mama decorrentes da amamentação“, realça.
Mas como antecipar o diagnóstico? Para a oncologista Catarina Rodrigues Santos, seria importante “implementar o rastreio imagiológico” numa fase mais precoce, sobretudo para as mulheres com história familiar de cancro da mama. “Atualmente, a recomendação do rastreio individual é iniciar aos 40 anos, ou mais cedo se existirem fatores de risco importantes como história familiar próxima ou antecedentes pessoais de cancro de mama”, lembra a especialista. Na semana passada, o governo anunciou que tinha dado indicações à Direção Geral da Saúde para fixar nos 45 anos anos a idade a partir da qual as mulheres devem fazer rastreio ao cancro da mama, baseando a decisão em dados europeus que apontavam para um aumento da incidência em mulheres mais jovens.
Rastreio vai ser alargado até aos 45 anos, mas só metade das mulheres adere
Atualmente, são enviadas cartas-convite às mulheres em idade rastreável, inscritas nos centros de saúde para realizarem, sem custos, uma mamografia. No entanto, a adesão está longe de ser a ideal, adianta Mário Fontes e Sousa. “Não basta alargar o rastreio, é necessário que exista adesão. Em 2023, a taxa de adesão ao rastreio foi de apenas metade das mulheres elegíveis — 51%, equivalente a cerca 420 mil mulheres rastreadas”, critica o oncologista, concluindo que “uma parte significativa dos diagnósticos é feito por auto-palpação, o que é um fator de pior prognóstico”.
Para Luís Costa, não basta reduzir a idade de rastreio. Paralelamente, defende, é necessário apostar na individualização do rastreio, através de testes genéticos. “Devemos apostar em instrumentos simples, como testes que não sejam caros, e que indiquem se uma pessoa abaixo dessa idade [45 anos] deve ou não fazer rastreio como se tivesse 50 anos”, defende o oncologista. “O Hospital de Santa Maria participou no projeto BRIGHT, a nível europeu, e recrutámos 800 mulheres com menos de 50 anos, que fizemos testes que avaliar o risco de cancro mama e encontrámos um grupo de mulheres que tinha um risco mais elevado do que a população em geral”, explica ainda.
Um diagnóstico mais precoce permite não só iniciar o tratamento mais cedo, melhorando o prognóstico das doentes, mas também evitar a toxicidade. “Quanto mais precoce o estadio do diagnóstico, menos invasivos os tratamentos necessários para obter o resultado de cura e menores as sequelas. Isto é tão verdade para os tratamentos sistémicos, como a quimioterapia, como para a cirurgia. Um tumor diagnosticado em fases iniciais tem maior probabilidade de ser tratado com conservação da mama e com preservação dos gânglios da axila”, explica Catarina Rodrigues Santos. Em idades mais jovens, a quimioterapia é mais usada no pós-cirurgia, como forma de prevenir o reaparecimento do cancro, sublinha Luís Costa.