O líder espiritual da Igreja Anglicana, Justin Welby, está a sofrer pressão para se demitir após uma investigação ter revelado que não informou a polícia sobre abusos físicos e sexuais em série cometidos por um voluntário em campos de férias cristãos. Um relatório publicado na semana passada, citado pela ABC News, prova que podia tê-lo feito em agosto de 2013, quando foi informado oficialmente do caso de agressões sexuais cometidas por John Smyth, pouco depois de se ter tornado arcebispo de Cantuária.
Na semana passada, Welby reconheceu responsabilidade por não ter garantido que as acusações fossem investigadas com a “energia” com deveriam ter sido depois de ter tido conhecimento do historial de abusos. Mas garantiu que, mesmo assim, não se iria demitir. “Como disse, não tinha conhecimento ou suspeita das acusações antes de ser informado em 2013 – e, portanto, depois de refletir, não pretende demitir-se”, referiu um porta-voz da Igreja em comunicado.
Nos últimos dias, alguns membros do Sínodo Geral, a assembleia nacional da Igreja Anglicana, criaram uma petição a pedir ao Arcebispo de Cantuária que se demitisse, defendendo que tinha “perdido a confiança do seu clero”. A petição reuniu mais de 6.800 assinaturas até ao final da tarde desta segunda-feira.
“Na sequência de desenvolvimentos específicos em 2012, a partir de julho de 2013, a Igreja Anglicana teve conhecimento, ao mais alto nível, dos abusos ocorridos no final da década de 1970 e no início da década de 1980. John Smyth deveria ter sido denunciado de forma adequada e eficaz à polícia no Reino Unido e às autoridades competentes na África do Sul”, destaca-se na análise independente sobre a forma como a Igreja Anglicana lidou com as alegações de abusos graves cometidos por John Smyth, que entretanto já morreu.
Há ainda uma ligação mais direta de Welby ao caso: estava nos campos de férias, em Inglaterra, quando Smyth abusou de dezenas de crianças e jovens. Apesar de garantir que não era amigo próximo do agressor, admitiu numa entrevista que o agressor era alguém que admirava muito na altura.
Quatro décadas de abusos, uma acusação de homicídio e as mudança de país quando o cerco apertava
O agressor visado pela investigação britânica é John Smyth, um advogado que frequentava campos de férias cristãos evangélicos como voluntário no final dos anos 70 e início dos anos 80. Durante esse período, em Inglaterra, terá abusado de dezenas de crianças e jovens. Quando os crimes foram descobertos, Smyth foi autorizado a mudar-se para o estrangeiro com pleno conhecimento dos oficiais da Igreja.
Entre 1984 e 2001, esteve no Zimbabué e, posteriormente, mudou-se para a África do Sul. Continuou a abusar de rapazes e jovens nos dois países e há provas de que os abusos continuaram até à sua morte, em agosto de 2018, na África do Sul.
Segundo o The Guardian, os abusos de Smyth não foram tornados públicos até um trabalho de investigação jornalística da televisão britânica Channel 4, em 2017, ter dado início a uma investigação da Polícia de Hampshire. A polícia planeava interrogar e extraditar o homem de 77 anos nas semanas que precederam a sua morte.
Numa série de artigos de seguimento do caso, o The Telegraph revelou vários factos em torno do abuso que apontam para a ligação de Justin Welby ao escândalo. Apesar de ter insistido anteriormente que não tinha conhecimento do abuso, o arcebispo admitiu agora que foi avisado sobre o voluntário que abusava sexualmente de crianças. Também negou consequentemente ter estado nos campos de férias onde decorreram os abusos, sexuais e físicos, na mesma época que o agressor, facto que se revelou falso, com relatos de que os dois se conheciam e de que trabalharam juntos.
De acordo com as conclusões do relatório, a ausência de denúncia “representou mais uma oportunidade perdida de levar [o agressor] à justiça e pode ter resultado numa ameaça de salvaguarda contínua e evitável no período entre 2012 e a sua morte em 2018″. “Perderam-se três anos e meio, um tempo dentro do qual John Smyth poderia ter sido levado à justiça e qualquer abuso que estivesse a cometer na África do Sul descoberto e impedido”, acrescenta-se no relatório.
Na jornada do advogado no Zimbabué, em 1992, Smyth foi acusado de matar um rapaz de 16 anos que foi encontrado morto numa piscina de um campo de férias. O caso foi arquivado e foi logo a seguir ao desfecho judicial que o advogado se mudou para a Cidade do Cabo, na África do Sul.
“Apesar dos esforços de alguns indivíduos para chamar a atenção das autoridades para o abuso, as respostas da Igreja Anglicana e de outros foram totalmente ineficazes e representaram um encobrimento”, destaca-se no relatório já citado, onde é destaca a “dor inimaginável sentida pelas vítimas neste caso”. “Viveram com o trauma infligido pelos horríveis abusos de Smyth durante mais de 40 anos”, reitera-se na investigação.