Béatrice Zavarro, a advogada de Dominique Pelicot, garante que o principal objetivo que traçou quando aceitou defender o homem que durante dez anos drogou a mulher e angariou dezenas de homens para a violarem na cidade de Mazan, em França, foi o de “explicar” o lado do agressor. “A sua personalidade foi formada por um trauma a que não conseguiu escapar“, garantiu. Assegurou ainda que Gisèle Pelicot, a vítima, não é sua adversária.
“Tenho de lhe dizer: [Gisèle Pelicot] está nesta situação que não escolheu e eu respeito e reconheço o que sofreu e o seu sentimento de traição. Mas também tenho de explicar que o homem que fez isto não foi o homem com quem ela casou em 1973”, afirmou à saída do tribunal, após ter realizado as alegações finais no julgamento do caso Pelicot, que tem leitura do veredito marcada para 20 de dezembro.
Mais tarde, em declarações ao The Guardian, a advogada francesa relata o momento em que, em abril de 2021, o caso lhe foi proposto depois de o advogado de Pelicot não ter comparecido para o representar em tribunal, com o homem de, na altura 69 anos, a enfrentar acusações por ter filmado por baixo das saias de mulheres num supermercado.
Foi a detenção por este crime que levou à revelação dos abusos de que a sua mulher foi vítima durante uma década, após ter sido descoberto um disco externo com milhares de vídeos e fotografias que registam os abusos. “Naquela altura, eu não tinha a menor ideia de que o caso Pelicot se tornaria tão grande e histórico”, confessou.
Zavarro diz não acreditar que as pessoas “sejam gratuitamente más”. “Há uma explicação para o facto de fazerem as coisas que fazem e há algo de bom em toda a gente”, defendeu ainda, considerando que “não se nasce pervertido”, mas “torna-se pervertido”. Ao longo de três meses de julgamento no tribunal de Avignon, a advogada apontou constantemente como atenuante a infância traumática de Pelicot, que lhe terá danificado irremediavelmente o seu cérebro e causado uma cisão de personalidade.
A advogada recorda que a primeira vez que visitou Pelicot na prisão, ele confessou imediatamente que “tinha drogado a mulher durante anos e que a tinha oferecido aos homens à noite”. Na entrevista, lembrou ainda o momento em que, depois de ter conhecido um assassino na prisão, decidiu tornar-se advogada criminal em detrimento de prosseguir uma carreira na magistratura.
“Falei com esse homem e depois pensei que, em vez de julgar as pessoas, talvez devesse estar a ouvi-las. Por isso, tornei-me advogada”, contou, referindo o desejo que manteve de “defender as pessoas cujas vozes não são ouvidas”.