Não se pode propriamente falar de uma Teoria do Caos mas o efeito foi quase o mesmo com o bater de asas de Ruben Amorim para o United, provocando ondas de intensidades semelhantes em pontos com mais de 2.500 quilómetros de distância entre Lisboa e Manchester. Em Portugal, o Sporting, ensombrado pelas duas derrotas seguidas em Alvalade, viu-se enredado num manto de desconfiança. Em Inglaterra, os red devils, inspirados pelos dois triunfos em Old Trafford, viram-se empurrados por uma onda de entusiasmo. Único problema? O calendário. Por um lado, pela densidade coletiva que obriga a constantes mudanças numa base que ainda está em processo de formação. Por outro, pelas dificuldades do adversário que transporta nesta fase. Se não existem propriamente jogos fáceis para o técnico português, o obstáculo ia agora aumentar.

Amorim convence no primeiro jogo do campeonato em casa. Manchester United goleia Everton (4-0)

Depois de um período de maior irregularidade que hipotecou a possibilidade de capitalizar de outra forma o período de crise do campeão Manchester City, o Arsenal voltou ao melhor que consegue fazer com uma série de três vitórias consecutivas diante de Nottingham Forest, Sporting e West Ham com uma média superior a quarto golos por jogo e era nesse contexto que recebia esta quarta-feira o Manchester United, que regressou aos triunfos na Premier League com uma goleada frente ao Everton. Além da alegria por ver a equipa numa posição que se coaduna mais com o estatuto de um dos maiores clubes do mundo, o técnico português foi elogiado com uma veneração que há muito não se via para os lados de Old Trafford mas, à semelhança do que já se vira em Alvalade, o caminho tomado passou por relativizar o momento que atravessa.

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“O resultado foi bom mas fomos pragmáticos. Não foi bonito mas fomos pragmáticos. Fizemos o nosso trabalho, que era ganhar. Dá para perceber que temos um longo caminho a percorrer. Logo nos primeiros minutos, estávamos a jogar bem mas era o Everton quem controlava o jogo. Depois, os golos apareceram no momento certo e isso mudou o rumo dos acontecimentos. Não nos podemos focar no resultado, temos de nos concentrar na forma como o resultado apareceu. Tal como antes do encontro, temos muito que fazer mas é sempre melhor trabalhar em cima de vitórias. Vamos focar-nos mais no desempenho do que no resultado. Durante o jogo houve uma montanha-russa de performances. Tivemos momentos em que estivemos bem, houve outros em que tivemos de sofrer. Precisamos de tempo para treinar e melhorar mas, como já disse, é melhor fazê-lo em cima de vitórias”, referiu após o triunfo de domingo com os toffees.

“Não foi bonito, mas fomos pragmáticos.” Amorim e a primeira vitória do United por quatro golos desde 2021

“Tenho de repetir: a tempestade vai acabar por chegar… Não sei se usam essa expressão mas vamos ter momentos difíceis. Nalguns jogos vamos ser descobertos. Conheço os meus jogadores, conheço o futebol. Isso vai acontecer. É o nosso processo. O Arsenal é a melhor equipa que vamos defrontar, de longe. O último jogo foi complicado. Sei que ficou 4-0 mas também vi o jogo. Agora tudo é um teste, sem muitos minutos para treinar e ter de gerir o esforço físico de jogadores. Alguns vão ter de sair depois de 60, 70 minutos. Vai ser preciso coragem, não pressionar sempre alto, perceber bem os momentos do jogo, quando ter ou não a bola… Isso vai ser chave”, apontara agora antes do clássico, antes de revelar que não acha muita piada ao novo cântico dos adeptos com o seu nome – mas por ser algo que o deixa numa posição “envergonhada”.

Sendo certo que um triunfo colocava o United apenas a três pontos do Arsenal, uma derrota afastava mais um pouco a equipa das posições de acesso às provas europeias. Certeza? Qualquer que fosse o resultado, o importante seria sempre perceber o ponto de evolução em que se encontra a equipa e gerir a parte física de alguns dos jogadores que iniciaram novas metodologias de trabalho há pouco mais de duas semanas. E foi isso que se viu, no bom e no mau. Até ao 2-0, à entrada do último quarto de hora, o Arsenal não conseguiu criar uma oportunidade flagrante de bola corrida por mérito de um Manchester United que, à semelhança do que aconteceu no Sporting, está a ser construído para ganhar primeiro solidez atrás antes de enraizar poder de fogo na frente. Problema? Os cantos dos gunners. Foi aí que esteve toda a diferença no jogo.

Tal como esperado, Ruben Amorim procedeu uma nova revolução na equipa, com as saídas de Lisandro Martínez, Mainoo (ambos castigados), Casemiro, Diallo, Rashford e Zirkzee para as entradas de Maguire, Ugarte, Mason Mount, Malacia, Garnacho e Höjlund, devolvendo Bruno Fernandes a uma posição um pouco mais recuada no meio-campo. Quis isso dizer que o técnico português continua a fazer testes para perceber o melhor onze? Não, significou apenas que sabia a intensidade e a agressividade que seriam pedidas à equipa no Emirates para ter a tal coragem com bola pedida antes do encontro. Uma coragem que causou logo a abrir um calafrio, com o Arsenal a recuperar a posse em zona adiantada após um passe errado de Onana antes de Martinelli marcar em fora de jogo (4′), mas que se foi vendo nos minutos iniciais entre o maior conforto do United a fazer longas sucessões de passes e um evidente respeito dos visitantes pelo adversário.

Sem exagero, já se pode falar de efeito Amorim. O United está longe daquilo que pode render em posse e sem bola mas começa a mostrar que é uma equipa capaz de controlar de jogos como há muito não acontecia com Erik ten Hag. Aliás, para se perceber a incapacidade ofensiva do Arsenal, os comandados de Mikel Arteta só criaram dois lances de perigo e na sequência de cantos, com Partey a desviar ao primeiro poste de cabeça ao lado (8′) e Gabriel Martinelli a beneficiar de uma segunda bola perdida na área para rematar por cima (25′). Entre tudo isso, até foram os visitantes que tiveram a melhor oportunidade da primeira parte, com Diogo Dalot a receber uma bola ao segundo poste após livre lateral de Mason Mount à esquerda para rematar forte e cruzado a rasar o poste da baliza de David Raya (43′). O intervalo chegava mesmo sem golos.

Ruben Amorim mexeu logo ao intervalo, com a entrada de Diallo para a direita e a passagem de Dalot para a esquerda. No entanto, aquelas que eram as principais premissas da partida mantiveram-se do lado do United com uma diferença no Arsenal: o adiantamento de Rice e Ödegaard, obrigando Bruno Fernandes e Ugarte a ficarem mais fixos no corredor central sem possibilidade de saída. Foi isso que inclinou um pouco mais o jogo para o lado dos londrinos, que foram depois à sua arma preferida para ferirem o adversário: Rice foi marcar um canto à esquerda e Timber apareceu ao primeiro poste para desviar e fazer o 1-0 (54′). Agora, tudo teria de mudar e Saka ainda teve antes um remate perigoso para boa defesa de Onana (56′).

A reação foi em dose tripla, com a troca de Maguire por Yoro para dar outra velocidade ao setor recuado e permitir que a última linha pudesse subir e as apostas em Rashford e Zirkzee no apoio a Höjlund. A equipa ganhou metros, ganhou mais bola no meio-campo contrário e ganhou também a oportunidade de ser feliz no seguimento de um canto, com de Ligt a desviar de cabeça para uma defesa fantástica de David Raya (66′). O United dava sinal de querer algo mais mas voltou a cair da mesma forma, com um canto de Ödegaard ao segundo poste a encontrar Partey para o desvio de cabeça que bateu nas costas de Saliba e seguiu mesmo para a baliza (73′). O encontro estava “arrumado”, sendo que Onana evitou males maiores depois com uma “mancha” a remate de Kai Havertz na área (75′) antes de Merino cabecear ao lado… após canto (79′). Antony ainda obrigou Raya a defesa apertada no final (88′) mas o 2-0 não mais seria alterado no Emirates.