Na passada quarta-feira, dia 4 de dezembro, o CEO da UnitedHealthcare foi assassinado à frente do hotel Hilton na Cidade de Nova Iorque. Foram precisos vários tiros para tirar a vida a Brian Thompson, e o seu assassino conseguiu fugir da cidade antes de a sua identidade ser revelada.
Com “centenas e centenas e centenas de horas” de vídeo e uma “enorme quantidade de provas forenses”, as autoridades demoraram cinco dias a encontrar o primeiro suspeito, que depressa se tornou num “herói” nas redes sociais. Luigi Mangione, agora formalmente acusado pela morte de Thompson, está sob custódia da polícia da Pensilvânia, a aguardar a extradição para Nova Iorque.
1. O crime premeditado mas com muitos deslizes à frente das câmaras
O assassinato de Brian Thompson parecia ter sido uma operação meticulosamente planeada, mas com “demasiados erros” na sua execução. Nas horas seguintes ao crime, começaram a surgir imagens captadas pelas câmaras de vigilância dos vários pontos por onde o suspeito passou nos momentos antes de balear as costas do CEO de uma das maiores seguradoras dos EUA. E foram elas que permitiram chegar a Mangione.
Para se tentar perceber o que aconteceu a 4 de dezembro, é preciso recuar 10 dias e à chegada do suspeito à cidade de Nova Iorque de autocarro. Depois, subiu Manhattan desde o terminal de Port Authority até ao hostel HI New York City. Foi aqui que o suspeito teve o seu primeiro deslize: ao fazer o check-in, o atirador, que se deslocava sempre com uma máscara cirúrgica na cara, baixou-a a pedido da rececionista. Do dia 24 de novembro até dia 30, Mark Rosario de Nova Jérsia, de acordo com o documento de identificação que foi apresentado, esteve hospedado no hostel. O que a polícia descreveu como um “flirt” rapidamente se tornou numa das peças mais importantes do puzzle para identificar o assassino de Thompson.
????UPDATE: Below are photos of a person of interest wanted for questioning regarding the Midtown Manhattan homicide on Dec. 4. This does not appear to be a random act of violence; all indications are that it was a premediated, targeted attack.
The full investigative efforts of… pic.twitter.com/K3kzC4IbtS
— NYPD NEWS (@NYPDnews) December 5, 2024
Dez dias depois, com um casaco preto vestido, uma máscara e a mochila cinzenta, o suspeito deslocou-se até ao local do crime, à porta do hotel Hilton, e esperou que o alvo chegasse. Preparado para uma conferência antes das 7h, Brian Johnson saiu do carro e foi recebido por vários tiros nas costas — o momento foi captado pelas câmaras de vigilância do hotel e posteriormente publicado pela polícia de Nova Iorque (NYPD). A polícia chegou ao local dois minutos depois, conseguindo ainda levar Thompson para o hospital, onde acabou por morrer minutos mais tarde.
These are images of the individual sought in connection to this investigation. If anyone has information as to the identity or location of this individual please contact @NYPDTips at 1(800)577-TIPS. pic.twitter.com/sm2GuEOYk1
— NYPD NEWS (@NYPDnews) December 4, 2024
Do local do crime, o jovem de 26 anos fugiu numa bicicleta pública de utilização partilhada pelo Central Park, onde abandonou a sua mochila, e apanhou um táxi até um terminal rodoviário na outra ponta de Manhattan. A câmara de segurança no interior do táxi captou uma fotografia, que revela mais pormenores sobre a sua aparência — e que eventualmente foram a razão pela sua captura.
????UPDATE: Below are photos of a person of interest wanted for questioning regarding the Midtown Manhattan homicide on Dec. 4.
The full investigative efforts of the NYPD are continuing, and we are asking for the public's help—if you have any information about this case, call the… https://t.co/U4wlUquumf pic.twitter.com/243V0tBZOr
— NYPD NEWS (@NYPDnews) December 8, 2024
2. As provas no local e as buscas no lago
Os esforços para decifrar a identidade do suspeito começaram pouco tempo depois. Seguindo os seus passos, a NYPD conseguiu recuperar “uma enorme quantidade de provas forenses” e “centenas e centenas e centenas de horas” de imagens de câmaras de vigilância.
O primeiro sinal que apontou para um crime “premeditado” e “direcionado” foram os invólucros encontrados no local escolhido pelo atirador para matar Thompson. As balas de 9mm de diâmetro tinham escritas “negar”, “defender” e “depor”, uma menção à frase “negar, adiar, depor” que é normalmente utilizada por advogados e críticos do sector dos seguros para descrever as táticas utilizadas para evitar o pagamento de indemnizações.
A partir desta primeira descoberta, também foi possível verificar que a arma utilizada no momento do crime não tinha um número de série identificável, mas era sim uma “arma fantasma”, de fabrico caseiro, possivelmente com recurso a uma impressora 3D.
A polícia também encontrou perto do local do crime uma garrafa de água e um papel de rebuçado que pertenciam ao suspeito. Um vídeo mostrava o atirador a colocar o lixo na margem do passeio, dando a oportunidade às autoridades para o reaverem posteriormente. Tal permitiu extrair as impressões digitais do culpado, que foram utilizadas na semana seguinte, quando uma pessoa de interesse foi encontrada.
Alleged UnitedHealthcare CEO k*ller, Luigi Mangione, leaves clues on top of trash pile? pic.twitter.com/lT2tx2DgQj https://t.co/5lA8EZgPbj
— IamLegend ???????? (@DarkSideAdvcate) December 10, 2024
A mochila foi descoberta pela NYPD dias mais tarde no Central Park. Dentro, tinha um casaco da Tommy Hilfiger e um conjunto de notas do jogo de tabuleiro Monopólio — informação que não permitiu retirar grandes conclusões sobre o proprietário.
No fim-de-semana seguinte ao homicídio, as autoridades destacaram vários mergulhadores para investigar os lagos no parque mais popular de Manhattan, mas também sem sucesso como foi confirmado no domingo.
Admitindo seriamente a possibilidade de o culpado já ter abandonado o estado de Nova Iorque, a busca estendeu-se a nível nacional.
3. O hash brown do McDonald’s a 300 km do local do crime
Cinco dias depois, e a quase 300 km de distância do Hilton, as autoridades da Pensilvânia receberam uma denúncia sobre um indivíduo com características físicas semelhantes às do assassino em fuga de Nova Iorque. Sentado a ler e a comer um hash brown no McDonald’s de Altoona, um funcionário alertou a polícia para a possível presença de Luigi Mangione no restaurante.
Quem é Luigi Mangione, acusado de homicídio na morte de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthCare?
A polícia chegou rápido ao local e Mangione acabou por ser levado para a esquadra para ser interrogado. Ao ser revistado, as autoridades encontraram “vários documentos de identificação falsificados”, “uma arma com silenciador” e uma “nota manuscrita“. Entre passaportes e cartas de condução de diferentes estados, estava aquela que tinha sido utilizado na estadia no hostel em Manhattan. Mark Rosario, de Nova Jérsia, terá sido o pseudónimo escolhido para fazer o check-in no seu alojamento dias antes de alegadamente assassinar Brian Thompson.
As autoridades conseguiram encontrar também semelhanças na “arma com silenciador” com a que terá sido usada pelo suspeito do crime no dia 4 de dezembro. Segundo a comissária da NYPD, em conferência de imprensa esta segunda-feira, a “arma fantasma”, composta por várias componentes de diferentes origens, “possivelmente fabricada numa impressora 3D“, era “consistente com a arma utilizada no homicídio” do CEO.
Por fim, a “nota”. No papel escrito à mão, Luigi revelava a sua “motivação e a sua mentalidade”, contou a comissária Jessica Tisch, adiantando que “parecia que tinha alguma má vontade para com as empresas americanas”, fazendo a menção às seguradoras, como a de Thompson, que “priorizam o lucro acima dos cuidados de saúde”. Segundo o New York Times, a “nota” continha frases como “Estes parasitas estavam a pedi-las” e “Peço desculpa por qualquer conflito e trauma, mas tinha de ser feito”.
Mangione passou o seu dia a ser interrogado pela polícia da Pensilvânia, até à chegada de mais de uma dezena de agentes da NYPD e do FBI à esquadra onde se encontrava detido. Depressa foi formalizada uma acusação pelo porte de arma e a falsificação de documentos e o suspeito foi ouvido em tribunal.
4. Dores nas costas e o “manifesto” de 262 palavras
Com vários dados a ligar o jovem ao local do crime, desde a possível arma do crime e um documento de identificação que coincide com a suspeita da polícia, o “manifesto” que tinha em sua posse ajudava a clarificar algumas das motivações para o assassinato.
Endereçado à polícia federal, com o objetivo de a “poupar a uma longa investigação”, Luigi revelou, em 262 palavras, as suas motivações e pontos de vista para justificar o homicídio de Brian Thompson. “Peço desculpa por qualquer conflito ou trauma, mas tinha de ser feito”, escreveu Luigi, que explicou as suas várias discordâncias com o sistema de saúde pública dos Estados Unidos da América e a indústria das seguradoras , como a United. “Sinceramente, estes parasitas estavam a pedi-las“, defendeu ainda na nota divulgada pelo jornalista norte-americano Ken Klippenstein.
O primeiro ponto abordado pelo acusado de homicídio é a estrutura do sistema de saúde do EUA, dizendo que país é o mais caro do mundo mas que, no entanto, é apenas o 42.º com maior esperança de vida. Para Luigi, existe uma clara discrepância entre o montante investido e a qualidade disponibilizada nos cuidados de saúde. Apesar de não o referir na sua nota, o jovem foi operado à coluna, depois de problemas crónicos nas costas terem evoluído para dores debilitantes. Não revela se foi este tema que desenvolveu o seu forte sentimento contra o sistema norte-americano, mas a sua presença online revela o seu ceticismo perante a indústria.
Posteriormente, segue-se uma menção direta à United, a maior seguradora do país e, segundo o suspeito, “maior empresa dos EUA em termos de capitalização de mercado, apenas atrás da Apple, Google e Walmart”. A United “cresceu e cresceu, tal como a nossa esperança de vida? Não”, acusou. “A realidade é a seguinte, tornaram-se simplesmente demasiado poderosos e continuam a abusar do nosso país para obterem lucros porque o público americanos permitiu que se safassem”, escreveu ainda.
O problema, defendeu ainda, não é apenas uma “questão de sensibilização” da população, mas sim de “jogos de poder”. Luigi considerou que “muitos iluminaram a corrupção e a ganância há décadas”, mas que os problemas permanecem intactos nos dias de hoje. “Evidentemente sou o primeiro a enfrentá-los com uma honestidade brutal“.
O jovem de 26 anos garantiu ter agido sozinho, referindo que o trabalho de preparação foi “bastante trivial”. Para o fabrico da sua “arma fantasma”, Luigi integrou os seus conhecimentos em “engenharia social elementar, desenho básico em computador” e ainda “muita paciência”. Fez menção para um segundo caderno “em espiral”, onde inclui informação mais detalhada sobre o plano, reforçando a componente mais técnica envolvida para a preparação.
A CNN Internacional teve acesso e divulgou algumas passagens escritas neste caderno, incluindo as intenções de Luigi em orquestrar um ataque “direcionado, preciso e que não põe em risco inocentes”, atingindo o CEO diretamente na “convenção anual dos contadores de feijões parasitários”. Segundo o texto citado, Luigi também terá equacionado utilizar uma bomba, antes de ter descartado a ideia por poder causar danos colaterais.
5. Extradição adiada, declaração de “não culpado” e a fama
A procuradoria-geral de Nova Iorque acusou Mangione de homicídio em segundo grau e outros quatro crimes como o posse de arma não registada e falsificação de documentos oficiais. Estando ainda no estado da Pensilvânia, Luigi não pode ser julgado pelo homicídio — que aconteceu em outro estado — e, presumivelmente por esse motivo, não deu o seu consentimento para ser extraditado para o estado onde alegadamente assassinou Thompson.
Esta decisão deverá atrasar o processo durante “semanas, senão meses” de acordo com advogados citados pela ABC, explicando que Mangione tem 14 dias para apresentar uma moção que justifique não ser extraditado e, do outro lado, 30 dias para a procuradoria requisitar um pedido de extradição dos governadores da Pensilvânia e de Nova Iorque.
Adicionalmente, depois de três dias de sucessivas audiências em tribunal, o advogado de defesa Thomas Dickey, em declarações aos jornalistas, referiu que Luigi se iria declarar “não culpado” das acusações feitas por ambos os estados. Dickey disse ter “informação limitada” sobre o assassinato em Nova Iorque e que “não tinha recebido informação sobre provas que associassem a arma de Luigi com a arma utilizada para o crime”.
“Muitas armas têm o mesmo aspeto. Se trouxesse uma arma e dissesse: ‘Bem, parece-se com isto’, nem sequer sei se essa prova seria admissível. E, se assim fosse, eu diria que não lhe seria dado muito peso”, indica o advogado, alertando também para a interpretação “fora de contexto” dos manuscritos que acompanhavam Luigi no momento da sua detenção.
No entanto, o argumento apresentado por Dickey acabou por não estar alinhado com os factos apresentados pela NYPD. Esta quinta-feira, a polícia divulgou os resultados da análise forense aos invólucros de bala que foram encontrados no local do crime, revelando uma correspondência direta com a “arma fantasma” construída por Luigi. Adicionalmente, as impressões digitais presentes na garrafa de água e no papel de rebuçado deixados perto do Hilton também correspondiam às do suspeito.
Ao mesmo tempo que decorre o processo em tribunal, nas redes sociais, Mangione é agora visto por muitos como um herói e justiceiro, que agiu com as próprias mãos para defender o “bem comum” e a “justiça social”. Já foram até criadas playlists inspiradas no jovem que chegou a ser professor assistente na reputada Universidade de Stanford.
Os apoiantes de Mangione estão também a doar dezenas de milhares de euros para um fundo de defesa estabelecido para apoiar as despesas legais do jovem. Divididos por várias plataformas de angariações de fundos, o fundo de defesa do alegado assassino de Brian Thompson supera os 50 mil euros.