É uma menina. E foi uma prenda do tão especial Dia de Reis para a equipa de resgate espanhola que a encontrou, 15 a 20 minutos depois de ter nascido, de boa saúde, ao lado da mãe. O parto aconteceu na proa de um bote de borracha lotado de refugiados que tentava chegar às ilhas Canárias, ao largo de Lanzarote. E a foto está a tornar-se no novo símbolo da crise migratória.
O nascimento da bebé não podia ter sido mais arriscado, apesar de não ter sido o primeiro. Há relatos de mais, mas nunca antes nenhum tinha sido fotografado. Agora, um bote de borracha lotado com 60 pessoas foi palco de tudo. Porque tudo aconteceu quando ela e a mãe atravessavam a nova e perigosa rota migratória do Atlântico. A guarda costeira espanhola revelou como tudo se passou. E conta que foi um membro da equipa de salvamento quem tirou a fotografia da bebé recém-nascida e da mãe, momentos antes de as duas serem ajudados a sair do barco insuflável juntamente com os restantes ocupantes.
Quando a equipa de resgate espanhola chegou à pequena embarcação, encontrou 60 pessoas a bordo, entre elas 14 mulheres e quatro crianças – incluindo o bebé que nasceu a bordo do precário barco de borracha. A bebé tinha nascido 15 a 20 minutos antes e ainda estava completamente despida, com os ocupantes da embarcação sem meios para a cobrir.
De acordo com Domingo Trujillo, capitão do navio da guarda costeira Guardamar Talía que comandou a operação de salvamento, a mãe conseguiu deitar-se com dificuldade na proa do barco quando entrou em trabalho de parto e com a ajuda dos outros refugiados deu à luz uma menina saudável.
“Tudo o que fizemos foi segurar a criança, entregá-la à mãe e mantê-las quentes para a viagem”, disse Trujillo, citado pelo Telegraph, explicando que um helicóptero foi ativado para levar a mãe e a bebé para um hospital em Lanzarote, onde as duas estão atualmente de boa saúde. Estão a ser tratadas com antibióticos e a ser monitorizadas por uma equipa especializada em pediatria e obstetrícia no Hospital Universitário de Molina Orosa, segundo a Reuters. A agência de notícias avança também que, após a alta hospitalar, a mãe e a bebé serão recebidas num centro humanitário para migrantes, antes de serem provavelmente transferidas para um centro de acolhimento para mães e crianças pequenas noutra ilha.
Mais de 63 mil migrantes chegaram a Espanha de forma irregular em 2024
Espanha aproximou-se, em 2024, do número recorde de chegadas irregulares de migrantes que o país atingiu há seis anos, com 63.970 entradas, um aumento de 12,5% face a 2023, indicou na semana passada o último balanço do Ministério do Interior espanhol.
No ano passado, a maior parte das entradas foi feita por via marítima e dessas a grande maioria, 73% do total, foi feita pela rota das Ilhas Canárias, através da qual cerca de 46.843 pessoas tentaram alcançar território espanhol, mais 17% do que no ano anterior.
Itália, Grécia, Malta e Espanha são conhecidos como os países da “linha da frente” ao nível das chegadas de migrantes irregulares à Europa. A Rota de Imigração das Canárias foi responsável pelas duas primeiras vítimas mortais de 2025, incluindo um menor, no dia em que também chegaram 73 imigrantes à costa de Ibiza e Formentera.
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Milhares de refugiados não têm final feliz. Imagens tornaram-se históricas da crise migratória
Há 1o anos, uma fotografia tornou-se viral pelos piores motivos. É talvez a imagem mais associada à crise migratória e em vez de reportar um final feliz como aquele que esta bebé e mãe tiveram, mostra uma criança de três anos sobre a areia de uma praia turca, sem vida.
Do you think The Independent should have published a picture of a dead Syrian refugee boy? #IainOnLBC pic.twitter.com/JzTBrQnkBS
— LBC (@LBC) September 2, 2015
A imagem de Aylan Kurdi tornou-se icónica. A criança tinha três anos quando morreu, juntamente com a mãe e o irmão, enquanto a família tentava atravessar vários quilómetros através da Turquia até chegar o momento de cruzar o mar Egeu rumo à ilha grega de Kos. Tinham o sonho de chegar à Europa e partir depois para o Canadá, mas a precária embarcação em que seguiam naufragou e eles não tinham coletes salva vidas.
As fotografias do menino, numa posição que facilmente passaria por uma criança a dormir, chocaram muitos e ficaram associadas a um movimento “KiyiyaVuranInsanlik”, as palavras turcas que se traduzem, em português, para “naufrágio da humanidade“, acendendo um debate sobre a regulação migratória e as entradas de refugiados na Europa.
Estas imagens do pequeno Aylan passaram a fazer parte de álbum da crise de migração e pertencem a Nilufer Demir, um fotógrafo da Reuters, que a sangue frio e no exercício da sua profissão registou este desfecho pouco feliz.
Em 2013, as imagens de dezenas de caixões alinhados num hangar do aeroporto de Lampedusa também correram o mundo. Neles estavam sepultados centenas de migrantes africanos mortos num naufrágio ao largo da costa italiana, incluindo crianças, como mostravam os caixões brancos de menor dimensão.