O Governo de Passos Coelho e Paulo Portas pode aprovar amanhã, em Conselho de Ministros, duas leis que prolongam por mais um ano duas medidas extraordinárias que estão em vigor, mas que, terminando no dia 31 de dezembro, podem pôr em risco as contas do próximo Orçamento, que só vai ser aprovado em fevereiro ou março de 2016 face ao atraso da formação do Governo.

Em causa estão os cortes salariais da função pública e da sobretaxa de IRS, medidas que têm sido centrais para manter as contas públicas sob controlo (mais de mil milhões de euros num ano). Tudo seria normal, não fosse o facto de António Costa se estar a preparar para derrubar o Executivo e formar, ele próprio, um Governo com o apoio do PCP e Bloco – com quem está a negociar como vão ficar estas medidas.

1.182 milhões de euros

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Custo anual das duas medidas (corte salarial no Estado e sobretaxa de IRS), estimado pelo atual Governo.

Antecipando-se, a coligação PSD/CDS agendou já o debate na reunião da conferência de líderes parlamentares. Ficou marcado para dia 20, nove dias depois de a direita ter sido empurrada para fora de cena, mas ainda antes de Costa estar em plenas funções como primeiro-ministro (tendo em conta o tempo para o PR ouvir os partido, para a formação do Executivo e para a sua posse). Apanhando o Governo de esquerda a meio caminho, as propostas vindas da direita acabam por lançar uma dúvida: como é que votarão o Bloco e PCP a reposição de medidas de austeridade, que foram muito contestadas pelos dois partidos – mas tendo em conta o acordo que entretanto vão assinar com os socialistas?

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Mas vamos por partes, porque há outra dúvida ainda por esclarecer. PSD e CDS analisaram nas últimas semanas que versão dessas leis poderiam apresentar na Assembleia, face às circunstâncias. Segundo apurou o Observador, a dúvida era se avançaria a versão do programa eleitoral que foi a votos (com uma reposição de 25% dos salários cortados e de 25% da sobretaxa); ou se era melhor apresentar um “meio caminho” com a ideia do PS (que seria de 33%, já que o PS propôs a devolução integral em dois anos). A segunda hipótese teria um sinal – a de aproximação ao PS. Mas facilitaria a vida aos partidos à esquerda, que têm sempre na mão a possibilidade de pegar nos projetos da direita e colocar a versão negociada no Largo do Rato, na Soeiro Pereira Gomes e na Rua da Palma (as sedes dos três partidos).

E é aqui que encaixa a dúvida sobre o que fará a esquerda. Na parte do acordo PS, PCP e BE que é conhecida, os salários da função pública são repostos a cada trimestre de 2016 – o que resultará numa reposição total logo no fim do ano. Quanto à sobretaxa, o que se sabe é que o PS não prescindiu do seu plano de pôr fim à medida em dois anos, de forma a que os orçamentos não fiquem fora de controlo.

Mas o problema não é tanto (ou só) a medida. É que há uma semana, numa entrevista na SIC-Notícias, Jerónimo de Sousa disse claramente não ver necessidade em antecipar passos, preferindo que tudo seja tratado aquando do próximo Orçamento do Estado – se necessário “com retroatividade”. Já o Bloco, como noticiou já o Observador, prefere também ver tudo discutido nessa altura. O problema fica na mão de António Costa, sabendo-se que Mário Centeno já tem estudados os cenários para tentar evitar que o ano de 2016 comece com um problema sério no Orçamento. E que o economista – provável ministro das Finanças do PS – quer mesmo resolver o problema antes do final do ano.