Foi a primeira reunião do grupo parlamentar do PS e a guerra já está instalada. Os costistas acusaram o líder da bancada, Alberto Martins, de “oportunismo” e “deslealdade” para com o grupo parlamentar por ter agendado a discussão de um projeto de deliberação sobre redução de deputados sem ter avisado a bancada e de esse projeto “ludibriar” a opinião pública por não conter uma solução para isso.

Um dos porta-vozes da revolta interna na bancada foi Jorge Lacão, apoiante de António Costa nas primárias do PS e alguém que sempre foi um dos defensores da redução do número de deputados, nomeadamente, desde a revisão constitucional de 1997 que introduziu um novo limite mínimo para o número de deputados (180), e em que este chegou a presidir à comissão eventual de revisão da Constituição. Mas agora, em declarações ao Observador esta manhã de quinta-feira à entrada da reunião do grupo parlamentar, não poupou críticas a Martins e Seguro. Dentro da sala, repetiu as mesmas acusações.

“Sempre defendi a redução do número de deputados se essa solução puder contribuir para uma solução de consenso político e se demonstre que não põe em causa o princípio da proporcionalidade e da coesão do território, de modo a criar-se condições estatutariamente mais fortes para o exercício da condição de deputado”, esclareceu. Mas, insiste, “aquilo que o PS agora apresenta à revelia do grupo parlamentar é uma solução que não tem resposta a estas questões e é vazia de conteúdo. É uma mera declaração de compromisso, sem demonstração de viabilidade técnica, e com uma redução drástica para o mínimo constitucionalmente possível de deputados”.

Segundo Lacão, trata-se de “mero oportunismo” e “um partido com a credibilidade do PS não pode enfrentar este tema desta forma, sem fundamentação”. O deputado considera ainda que alterações à lei eleitoral para a Assembleia da República devem ser decididas “na primeira fase das legislaturas” e “não tem condições para serem feitas em vésperas de legislativas”.

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“Este conjunto de razões leva-me a opor de forma frontal a esta iniciativa”, resume.

Em 2011, quando era ministro dos Assuntos Parlamentares de José Sócrates, voltou a deixar clara a sua posição, numa entrevista que na altura surpreendeu a própria direção do PS por falar num tema que não estava na agenda de prioridades do então líder do partido. Em declarações ao Diário Económico, Lacão pediu para que não se adie mais a redução dos deputados da Assembleia da República porque medida iria permitir um fortalecimento da ligação entre eleitores e eleitos.

“Penso que é preciso fazer alguma coisa para revitalizar a credibilidade dos políticos na nossa sociedade e desde logo fazê-lo com sentido de austeridade no Estado”, explicava nessa entrevista Jorge Lacão, que considerou que esta redução “não é uma questão da menor importância”. O socialista alegava ainda na altura que a alteração devia ser feita o “propósito de fazer a aproximação entre os eleitos e os eleitores, personalizando a possibilidade de os eleitores fazerem as suas escolhas no momento em que votam e não apenas votando em lista fechada”.

Durante a reunião da bancada do PS, de acordo com a Lusa, uma das intervenções mais violentas, segundo deputados que apoiam António Costa, partiu do ex-ministro Alberto Costa, dizendo que as propostas apresentadas por António José Seguro para a reforma do sistema eleitoral, na terça-feira, “envergonham a história do PS”.

A discussão da proposta está prevista para dia 1 de outubro e os deputados lembraram que acontece dois dias depois das primárias do partido, sem se saber o desfecho do ato eleitoral interno. Tanto Vieira da Silva como Ferro Rodrigues lembraram que a proposta de Seguro “é apenas um expediente eleitoral”. Já Pedro Delgado Alves, soube o Observador, lembrou que não foi feito um debate interno sobre o assunto e que a proposta não existe em nenhum documento oficial do partido, nem nas moções de estratégia do atual secretário-geral. O deputado terá ainda dito que a proposta de redução de deputados não consta do “Contrato de Confiança” e que apenas foi abordada em intervenções de Seguro por duas vezes: num discurso a 5 de outubro de 2012, e na Comissão Nacional do PS do Vimeiro em junho passado.

À saída da reunião, Lacão garantia aos jornalistas que a maior parte dos deputados são contra a proposta de Seguro e Alberto Martins comprometeu-se a propor a Seguro que o assunto seja discutido em reunião de Comissão Política.

“Vou propor que o debate possa ser aprofundado na Comissão Política. Quanto à legitimidade deste agendamento, foi assumida por mim, o secretário-geral e António Braga, da direção da bancada”, disse. Minutos depois, Seguro decidia convocar a reunião para dia 30, ou seja, na véspera da discussão no Parlamento.

Ainda no final da década de 90, quando era ministro dos Assuntos Parlamentares António Costa apresentou vários estudos sobre revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República mas sem se comprometer com a redução de lugares. “Costa é favorável à revisão eleitoral, mas é mais céptico do que eu quanto à conciliação dos dois objetivos de aproximação de eleitos aos eleitores e manutenção da proporcionalidade”, explica Lacão ao Observador.

António José Seguro avisou que ia apresentar uma iniciativa sobre alterações ao sistema eleitoral e redução de deputados em maio na sequência do resultado das eleições europeias. Esta semana, apresentou o projeto de deliberação em vez de um projeto de lei, com a justificação de que queria perceber primeiro a vontade dos partidos em alterar a lei e só depois da especialidade é que a solução seria trabalhada em conjunto por todos.