O Banco Central Europeu junta algumas das principais figuras da economia mundial a partir deste domingo, durante três dias, em Sintra, para debater política monetária, numa iniciativa ao estilo da reunião anual promovida pela Reserva Federal dos Estados Unidos no vale de Jackson Hole.

É uma altura crítica para o BCE: o fantasma da baixa inflação, ou mesmo deflação, ameaça a economia da zona euro e da próxima reunião do conselho de governadores espera-se uma tomada de posição forte.

Em público surgiram já notícias de um plano do BCE com várias opções que devem estar em cima da mesa durante a reunião de 05 de junho com os governadores dos bancos centrais da zona euro. Entre elas estarão cortes nas taxas de juro de referência, para novos mínimos históricos, e mesmo um corte nos juros que o BCE paga pelos depósitos para valores negativos.

A ideia é forçar os bancos a emprestarem dinheiro entre eles e às economias. O BCE estará também a estudar novas formas de ajudar a que o financiamento chegue às pequenas e médias empresas, mas a principal medida, o quantitative easing, ainda não parece ser para já.

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O Quantitative Easing (QE) consiste, em termos muito básicos, na injeção de liquidez na economia pelo banco central através da compra de ativos ilíquidos que os bancos têm no seu balanço. Comprando estes ativos, o BCE acaba por meter mais dinheiro na economia e os bancos ficam com os balanços mais livres para fazerem outros investimentos e emprestarem dinheiro às empresas e às famílias.

Quem vem a Sintra?

Só a lista de oradores já é de luxo. Mario Draghi, presidente do BCE, Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Paul Krugman, nobel da economia, Jeroen Djisselbloem, presidente do Eurogrupo, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, Agustín Carstens, governador do Banco Central do México.

Do BCE falarão ainda Vitor Constâncio, vice-presidente, e Benoit Coeuré e Peter Praet, membros do conselho executivo.

A lista de oradores é mais extensa e inclui vários economistas de renome e líderes de alguns dos mais importantes think-thanks, como é o caso do historiador Niall Ferguson, ou Otmar Issing, presidente do Center for Financial Studies.

Falta ainda a lista de participantes, que tiveram de pagar 800 euros para se inscreverem.

Ao estilo de Jackson Hole

“Uma atmosfera tranquila e que acrescentasse um pouco de inspiração às discussões”. A escolha de Sintra para este primeiro fórum foi justificada ao jornal Público pela diretora-geral de comunicações do banco, Christine Graeff, que disse que receberam muitas propostas para escolher o sítio.

Diz a responsável do BCE que foram convidadas as melhores pessoas para discutir os temas escolhidos pelo Banco Central: o “novo normal” da política monetária, a política monetária no novo quadro de regulação, a supervisão bancária e a política monetária, as metas para a inflação, o aumento dos balanços dos bancos centrais, entre outros.

Estas conferências internacionais serão nos primeiros anos em Sintra, com um estilo em muito semelhante ao que Reserva Federal dos EUA organiza desde 1982 no vale Jackson Hole, no Wyoming.

Nos últimos 32 anos, durante o no mês de agosto, os maiores especialistas em economia e finanças do mundo juntaram-se neste isolado vale. Qual a razão deste isolado sítio? As trutas.

As conferências começaram a ser organizadas em 1978 pela Reserva Federal de Kansas City, mas em sítios diferentes todos os anos. No entanto, fora do mundo da análise económica não estava a captar grande interesse. Ainda houve uma tentativa de levar para Vail, no Colorado (uma das estâncias de luxo dos EUA), mas essa foi o maior fracasso.

Os responsáveis dessa Reserva Federal começaram a pensar como poderiam atrair nomes mais importantes e meteram os olhos em Paul Volcker. Estava decidido. Tinham de conseguir que o então presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos fosse à conferência, para atrair mais ‘tubarões’ da área financeira.

Para isso, os responsáveis de Kansas City acenaram com um dos passatempos favoritos do gigante economista: Pesca!

O objetivo era claro: tinham de encontrar um lugar calmo, onde se podiam pescar trutas – e dentro da área de atuação da Reserva Federal de Kansas City. Foi ai que alguém sugeriu Jackson Hole ao responsável pela organização do evento. A reação foi imediata: “nunca ouvi falar”. E assim ficou.

Um fórum mundial

Todos os anos mais de 140 pessoas, incluindo alguns dos principais nomes da economia e finança, juntam-se em Jackson Hole. A ideia é haver um ambiente relaxante para os banqueiros centrais poderem falar mais à vontade com os seus pares de outras instituições e economistas.

Há sexta-feira juntam-se para o tradicional churrasco, com alguns dos mais respeitados economistas do mundo a vestirem chapéus de cowboy, e a alinharem num baile típico.

Curiosidades

Em 1990, nos últimos dias da União Soviética, banqueiros centrais e economistas do bloco de leste foram à conferência para aprender a gerir melhor as suas economias no período de transição. Mas nem tudo correu bem. A delegação comunista enganou-se e viu as condições meteorológicas em Jackson no Mississípi, onde naquela época do ano costuma estar um calor abrasador. Os responsáveis quase morreram ao frio na sua primeira experiência em Jackson Hole.

Polémicas

Nem sempre correram bem para os presentes os dias passados a pescar trutas. Paulo Volcker foi criticado logo no inicio pela forma como geria a Reserva Federal.

Mas o episódio mais recente deu-se com o economista da Universidade de Chicago, Raghuram Rajan. Em 2005, a conferência era uma espécie de despedida do presidente-estrela do banco central americano Alan Greenspan. O economista até ia fazer um discurso a dizer como o mundo da finança tinha ficado mais seguro nos muitos anos que Alan Greenspan esteve à frente da Fed, mas disse que à medida que ia pesquisando, ia-lhe parecendo tudo cada vez mais o contrário.

A pergunta que fazia era esta: o desenvolvimento do mundo financeiro aumentou os riscos? A resposta foi clara: Sim. Falava do problema dos Credit Default Swaps, das obrigações complexas, dos bancos ficarem com uma parte dos instrumentos que vendiam e anotava que havia cada vez mais riscos no sistema financeiro: “O mercado interbancário pode congelar, e podemos muito bem ter uma crise financeira em toda a escala”.

Foram muitos os que o contrariaram: era um tiro na água, queria trazer a forte regulação do passado, era um pessimista clássico. Não passou muito tempo para a crise lhe vir a dar razão.