O incêndio da Lousã tinha, às 17h30 desta segunda-feira, 703 operacionais e 203 meios terrestres. Era, naquele momento, o incêndio com mais recursos no terreno. Mas isso não é garantia de que o incêndio seja extinto em menos tempo. “Não existe correlação entre a quantidade de meios de combate aos incêndios e a duração dos mesmos”, disse ao Observador Paulo Fernandes, engenheiro florestal e especialista em fogo.
O professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro citava um trabalho de investigação em que se estudava o impacto da quantidade de meios disponíveis. Embora com um efeito relativamente pequeno, verificou-se que quanto mais meios, menor a área ardida e menor a velocidade de expansão. Já em relação à duração não há correlação. “Os grandes incêndios terminam quando o tempo muda.”
Além de não ajudarem a extinguir os incêndios mais depressa, a concentração de meios mostra-se por vezes contraproducente. Segundo Paulo Fernandes vê-se com frequência uma concentração de autotanques, a bloquear as estradas, enquanto esperam instruções. Esta concentração de meios parados também é justificada pela dificuldade de coordenação de todas as equipas no terreno.
O relatório da Comissão Técnica Independente ao incêndio de Pedrógão Grande, do qual Paulo Fernandes fez parte, frisou exatamente as dificuldades de coordenação e os problemas na organização das estruturas de combate a incêndios. As pessoas que estão no comando das operações têm falta de formação no comportamento do fogo, em como ler a evolução de um incêndio.
“Em Espanha, o diretor de Extinção, responsável por coordenar o combate a um incêndio, é sempre um engenheiro florestal”, referiu. “E é assim em todos os países com uma abordagem ao incêndio de base florestal: Espanha, Estados Unidos, Canadá, Austrália e América Latina.”
Portugal segue uma abordagem de proteção civil como os restantes países da Europa, em que o foco é mais nos meios utilizados e na defesa das pessoas, do que na forma de combater o fogo propriamente dita. “Temos de ter um sistema que assegure as duas coisas.”
A abordagem portuguesa é mais centrada na proteção civil, mas mesmo assim a Comissão Técnica Independente considerou que é preciso investir mais dinheiro no combate a incêndios. “Apesar de se gastar muito em combate é preciso gastar mais”, disse Paulo Fernandes. “Aumenta-se a quantidade de meios, mas do mesmo tipo de meios. Precisamos de meios diferentes, meios pesados – meios aéreos, bulldozers, etc. – combinados com pessoas com mais competências técnicas, competências na análise de fogo.”
Mais dinheiro, melhor formação, maior coordenação dos recursos. E idealmente todos os operacionais de prevenção e combate a incêndio juntos numa única organização. Esta ideia já constava na Proposta Técnica para o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios apresentada ao Governo em 2006, segundo Paulo Fernandes, que também participou nesta proposta. Mas foi vetada por António Costa, na altura ministro da Administração Interna. “O ótimo nunca será politicamente aceite”, lamentou.
Relatório. Todas as falhas que contribuíram para a morte de 64 pessoas
Como a atual Comissão Técnica Independente não acredita que haja abertura no Governo para voltar a apresentar a proposta de fusão, fez uma proposta diferente no relatório apresentado: a criação de uma agência que dependa diretamente do gabinete do primeiro-ministro, que seja formada por uma equipa técnica altamente especializada e que coordene todas as outras entidades, referiu o engenheiro florestal.
“É uma solução de recurso, mas não é possível conseguir mais do que isto em termos políticos”, disse Paulo Fernandes. “Há um forte lobby da proteção civil e bombeiros que bloqueia mudanças mais profundas.”
Uma estrutura que integrasse os especialistas e operacionais envolvidos na prevenção, combate e planeamento, permitiria ter um sistema mais profissional e mais permanente, com pessoas a trabalhar a tempo inteiro. “Todos os sistemas de combate a incêndios são sazonais, mas Portugal vai dos oito aos oitenta”, disse Paulo Fernandes. Fora da época crítica dos incêndios, os meios de combate são reduzidos a metade. Alargar a época crítica de pouco serve, se não se mobilizarem os meios, como ter pessoas nas torres de vigia. “É fácil decretar coisas, mas se não há planos para implementar…”
Primeiro é preciso apostar na prevenção, gerindo combustível e impedindo ignições. Depois, é preciso aumentar os recursos para o ataque inicial aos incêndios: mais gente para garantir que há menos ignições ou que estas são detetadas mais cedo. “Portugal melhorou a capacidade de resposta inicial em relação ao que acontecia antes de 2006, mas quando temos muitas ignições há fogos que escapam à intervenção inicial.” Por fim, mas de igual importância, é preciso rever a forma como se combate o fogo em Portugal.
Em Portugal, usa-se normalmente água. Mas na Argentina não usam água, porque não têm, disse o engenheiro florestal. “A água é mais eficaz nas ervas e nos matos, mas não em floresta.” E este combate com água acaba por ser um dos responsáveis pela “muito alta” taxa de reacendimentos em Portugal — 10%.
“Nas florestas é preciso abrir faixas ou linhas para servir de corta-fogo”, referiu Paulo Fernandes, embora admita que em fogos tão intensos nem esta estratégia resulte bem. “Não é suposto combater fogos muito intensos, é suposto combater faixas menos intensas. Nas outras zonas é preciso esperar que o tempo mude.”
Paulo Fernandes critica a forma como se combate os incêndios em Portugal. “O que se passa cá é que os bombeiros se concentram a tentar apagar o que não é possível apagar.” Para o engenheiro florestal, os meios concentram-se demasiado na cabeça do fogo, que é impossível de combater, e descuram os flancos e retaguardas. “Quando o vento muda, o flanco mal consolidado torna-se a cabeça do incêndio.”
Alertas meteorológicos: é preciso sensibilizar as pessoas e aumentar a fiscalização nestes dias
O engenheiro florestal reforçou várias vezes a importância de pessoal especializado, capaz de avaliar a progressão do fogo, de interpretar os mapas de risco e a informação meteorológica. E não seria preciso muito para perceber que a aproximação do Ophelia “estava a puxar ar quente e seco do norte de África e que íamos ter uma situação como nalguns dos dias mais quentes de verão”.
”Os mapas de risco mostravam uma situação extrema no litoral. Tudo apontava para uma situação muito difícil, com valores como nunca tinha visto”, disse Paulo Fernandes.
Apesar dos alertas, a população ainda tem uma fraca perceção de risco. “Hoje de manhã, havia pessoas próximo das zonas que tinham ardido ou onde os incêndios estavam ativos, que continuavam a fazer as queimadas dos restos agrícolas que costumam fazer nesta altura do ano”, disse o engenheiro florestal. “Parece que vivem numa realidade paralela, que se desligaram do que se está a passar à sua volta.”
É preciso sensibilizar, mas para Paulo Fernandes só isso não chega. É preciso aumentar a “fiscalização nos dias em que se sabe que vamos ter uma meteorologia severa”. A presença da GNR é um forte dissuasor.
No momento em que este texto é publicado há 47 fogos ativos, mas só durante o fim de semana houve mais de 500 ignições. Se era possível ter feito algo desde o incêndio de Pedrógão Grande? Paulo Fernandes disse que não. “Mantém-se a mesma estrutura e os mesmo procedimentos. Isto é inerente ao sistema, não muda por se mudarem algumas pessoas pontualmente. Não se resolve sequer de um ano para o outro.”