Lincoln no Bardo, o primeiro romance de George Saunders, é o vencedor da edição deste ano do Man Booker Prize, um dos mais importantes prémios literários de língua inglesa. Saunders torna-se assim no segundo norte-americano a levar para casa o galardão, no valor de 50 mil libras (56 mil euros), depois de este ter sido atribuído no ano passado a Paul Beatty, autor de The Sellout (O Vendido). Beatty foi o primeiro escritor de nacionalidade norte-americana a receber o prémio.

Num vídeo divulgado através das redes sociais, Baroness Lola Young, presidente do júri deste ano, explicou que o vencedor se destaca dos outros cinco finalistas “pela sua inovação” e “pela forma como foi escrito”. “Um dos jurados referiu-se a ele como fogo-de-artíficio que ilumina o céu e nos faz repensar a maneira como encarávamos coisas como a morte e o luto e nos faz reconciliar com a nossa própria e com a mortalidade dos outros, principalmente daqueles que amamos“, referiu ainda Baroness Lola Young.

“Podemos ficar um bocadinho desconcertados com a forma como a história é apresentada, o formato e a forma como as personagens falam mas, assim que entramos nela, é como fazer parte de um carnaval com muitas, muitas personagens diferentes”, disse ainda a presidente do júri, composto também por Lila Azam Zanganeh, Sarah Hall, Tom Phillips e Colin Thubron.

“Vivemos tempos estranhos”

O anúncio foi feito ao início da noite desta terça-feira, durante uma cerimónia formal no Guildhal, em Londres, e o prémio entregue pela Duquesa de Cornwall, Camilla Parker Bowles. Dirigindo-se à audiência, Saunders admitiu sentir-se honrado com a atribuição do prémio, agradecendo à mulher, Paula, “uma amiga preciosa, visionária e uma heroína artística”. “Não sei se repararam, mas vivemos tempos estranhos”, disse ainda. “Portanto, a questão central é muito simples: respondemos ao medo com exclusão, projeções negativas e violência ou temos fé e damos nosso melhor para responder com amor e com fé na ideia de que o que parece diferente não é, mas somos nós num dia diferente?”

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Referindo que “esta noite” se celebrou a cultura — “internacional, compassiva, ativista” –, George Saunders disse que tinha perante si uma “sala cheia de crentes no mundo, na beleza, na ambiguidade e que tentam ver o ponto de vista dos outros, mesmo que seja difícil”, citou o The Guardian.

Lincoln no Bardo, o primeiro romance de George Saunders

Nascido em 1958, no Texas, George Saunders começou a escrever relativamente tarde. Licenciado em engenharia geofísica pela Colorado School of Mines, começou por trabalhar como engenheiro e escritor técnico para a Radian International, em Nova Iorque. Foi só mais tarde, já nos anos 90, que se começou a dedicar à escrita. Estreou-se em 1996 com a coletânea de contos CivilWarLand in Bad Decline, o primeiro de muitos. Em 2000, publicou Pastoralia, aquele que é considerado o seu melhor livro. Ou melhor, era.

Professor de escrita criativa na Universidade de Syracuse, em Nova Iorque, tem também colaborado com vários órgãos de comunicação, como a revista New Yorker ou jornal The Guardian. As suas coletâneas de contos, novelas e trabalhos de não ficção, valeram-lhe ao longo dos anos inúmeros galardões, incluindo o PEN/Malamud Award, em 2013, ou o Folio Prize, no ano seguinte.

A sua última coletânea de contos, Dez de Dezembro, foi publicada em 2013 nos Estados Unidos da América e em 2016 em Portugal, pela Ítaca. Lincoln no Bardo, de 2017, foi a primeira tentativa do autor no romance. Considerado por muitos um dos livros mais aguardados do ano, recebeu críticas elogiosas de jornais como o The New York Times e de autores como Zadie Smith, também nomeada para o Booker Prize, Thomas Pynchon e Jonathan Franzen. Misturando ficção e não-ficção, Lincoln no Bardo passa-se depois da morte do filho de Abraham Lincoln, William Wallace Lincoln, e retrata a dor do presidente dos Estados Unidos da América que, de acordo com relatos da época, terá tido uma depressão. Imaginando que Willie, como William Lincoln era conhecido, ficou preso no bardo, uma espécie de limbo para os budistas tibetanos, Saunders criou um enredo onde os mortos parecem incapazes de aceitar a morte.

Além de ser o segundo romance norte-americano a vencer o Booker Prize, Lincoln no Brado, editado pela Bloomsbury Publishing (com tradução portuguesa da Relógio d’Água), é o terceiro vencedor consecutivo publicado por uma editora independente.

A lista dos seis finalistas do Man Booker Prize foi divulgada a 13 de setembro (CHRIS J RATCLIFFE/AFP/Getty Images)

Além de Saunders, estavam nomeados para o galardão os autores Paul Auster (Estados Unidos da América), com 4 3 2 1 (editado pela Faber & Faber, com tradução portuguesa da ASA), Emily Fridlund (Estados Unidos da América), com History of Wolves (editado pela Weidenfeld & Nicolson), Mohsin Hamid (Paquistão), com Exit West (editado pela Hamish Hamilton), Fiona Mozley (Reino Unido), com Elmet (editado pela JM Originals) e Ali Smith (Reino Unido), com Autumn (editado pela Hamish Hamilton, com tradução portuguesa da Elsinore).

Na altura, o júri descreveu os seis finalistas como “originais” e “inovadores”, e capazes de transmitir uma força única que faz com que seja impossível esquecê-los. “Os seis livros são extraordinários e acima de tudo ousados e adoro o que fazem com a literatura. Tentam empurrar os limites relativamente ao que significa um romance e o que um romance diz sobre o mundo atual”, apontou a crítica literária Lilam Azam Zanganeh.

No ano passado, o galardão foi atribuído The Sellout (editado este ano em Portugal pela Elsinore com o título O Vendido), de Paul Beatty. Beatty, foi o primeiro escritor norte-americano a receber o Man Booker Prize, algo que só foi possível depois de as regras terem sido alteradas em 2014. Nesta data, o Booker passou a estar acessível a escritores de qualquer nacionalidade cujas obras tenham sido escritas originalmente em inglês e publicadas por uma editora registada no Reino Unido.