A última vez que António Costa falou em público, antes de anunciar que está disponível para liderar o PS, foi no almoço na Trindade que marcou o fim da campanha às eleições europeias. Nesse almoço, tal como em declarações anteriores, o presidente da Câmara de Lisboa diferia mais de Seguro na forma do que no conteúdo.
Ao longo dos últimos anos, porém, uma diferença tem sido notória nos discursos dos dois socialistas: Seguro resistiu ao máximo a falar sobre José Sócrates e o seu legado; Costa nunca evitou fazê-lo.
As semelhanças, porém, começam pela prática política e na relação com o Governo. Seguro e Costa são, cada um no seu posto, dois sonoros opositores do Governo de Passos. Mas um e outro fizeram acordos com este: o primeiro no Parlamento, o segundo na Câmara.
Um ano depois de o Executivo ter iniciado funções, o então ministro Miguel Relvas chegava a um acordo com o autarca de Lisboa por causa da dívida da Câmara de Lisboa e por causa do Parque das Nações. Em troca do pagamento da dívida de 277 milhões, a autarquia cedia ao Estado a totalidade dos terrenos em torno do aeroporto. Hoje mesmo tem em curso uma negociação para ficar com a concessão da Carris. Já António José Seguro, mesmo resistindo aos consensos, deu acordo ao Tratado Orçamental, à lei dos portos e à reforma do IRC, para citar alguns exemplos.
A diferença: UM DEFENDE O PASSADO, O OUTRO NÃO
No que toca à política interna do partido, o presidente da Câmara de Lisboa nunca teve problemas em falar da liderança de José Sócrates. “A História julgará cada um de nós e, designadamente, José Sócrates. Eu sou amigo dele, não sou daqueles que o consideravam Deus, não o considero agora o Diabo e a História certamente o julgará”, disse numa entrevista à TVI enquanto negociava com António José Seguro um entendimento em Fevereiro de 2013. Já António José Seguro, que substituiu José Sócrates na liderança do PS, preferiu o silêncio sobre o passado desde sempre. Na campanha, por exemplo, enquanto a coligação atacava o ex-primeiro-ministro e este apareceu em público no último dia, Seguro atirava ao Governo. Foi sempre Francisco Assis (e outros dirigentes) quem assumiu as despesas pela defesa do passado.
COSTA QUER ALTERAÇÃO DO TRATADO ORÇAMENTAL
Outra diferença razoavelmente clara diz respeito ao Tratado Orçamental. Numa das últimas entrevistas que deu, António Costa chegou a dizer que a aprovação deste tratado pelos socialistas europeus foi “o último erro que cometeram”. Neste ponto, o autarca vai mais longe do que a linha oficial do partido defendendo, por exemplo, alterações ao Tratado Orçamental. Em público, Seguro nunca defendeu alterações ao Tratado ao qual deu o sim, apesar de ser uma posição defendida por alguns partidos do Partido Socialista Europeu (a família do PS na Europa).
Numa entrevista ao Jornal de Negócios, dada em janeiro, Costa justificava o sim do PS de Seguro: “Provavelmente na altura em que aprovámos o Tratado Orçamental não havia outra solução que não aprovar. Agora, que deve ser uma prioridade uma revisão do Tratado Orçamental, isso é absolutamente essencial”.
RECONCILIADOS POR UM ANO
Faz agora pouco mais de um ano que António Costa e António José Seguro selavam a “união do partido” num congresso em abril, depois do quase ataque à liderança protagonizado pelo presidente da Câmara de Lisboa, em fevereiro. Nessa altura, Costa aceitou ser o número dois da lista de Seguro à comissão nacional do partido – o órgão máximo entre congressos que vai reunir-se este sábado – depois de os dois assinarem uma estratégia conjunta no célebre “documento de Coimbra” que aproximava as posições das duas alas (ver em anexo).
No congresso, António Costa dizia aos jornalistas que as “questões internas do PS estão hoje bem resolvidas”. E assumia a concordância com algumas posições de António José Seguro. Desde a política de consensos, à renegociação do Memorando de Entendimento, à reestruturação da dívida – Pedro Nuno Santos, presidente da federação distrital de Aveiro, distrito no qual se tinha realizado o congresso, tinha defendido que se devia reestruturar a dívida. Dizia Costa que “o PS respeitará os compromissos assumidos, honrará as obrigações para com os credores”, tal como sempre tem defendido António José Seguro.
O ALMOÇO DO CHIADO
Da última vez que Seguro e Costa estiveram em público, no final da campanha às eleições europeias, Costa dizia que as eleições iam ser “saborosas” porque iam ser ganhas pelo PS. E foi na mesma mesa do líder do partido que o presidente da Câmara de Lisboa disse que as eleições tinham de ter uma leitura nacional para lançarem o PS “para ganhar as próximas eleições legislativas”. O que podia ser entendido como um recado ao Governo, pode agora ter outra leitura: era também um recado para António José Seguro.
No mesmo discurso, que durou cerca de cinco minutos, António Costa lembrava o perigo de avanço da extrema-direita na Europa – em tudo semelhante ao discurso oficial do partido durante a campanha – e atirava a Passos Coelho dizendo que ao Governo “dava jeito dizer que o que fez, fez porque era obrigado”. “Todos nós sabemos o que no fundo, no fundo lhes vai na alma”, rematava.
Contra a austeridade, a favor do crescimento
No que os aproxima está, também, a visão que têm das medidas de austeridade e a necessidade de um plano de crescimento. Aquando da aprovação do Orçamento do Estado para 2013, o presidente da Câmara de Lisboa defendia, tal como a posição oficial do PS: “As novas medidas de austeridade vão agravar a recessão porque vão diminuir claramente o consumo interno. Não vão gerar o efeito económico nas empresas que seja suficiente para justificar a diminuição do desemprego e são altamente discriminatórias relativamente ao trabalhador por conta de outrem”.
Já este ano, em março, o autarca foi a Atenas defender um plano de crescimento para os países sob assistência. E este mês, com a apresentação do Novo Rumo, uma espécie de programa de governo de António José Seguro, Costa falou, e foi até dos mais aplaudidos, para dizer que a política de austeridade do Governo se compara à da troika e que o país precisa de investir. Neste dia notou-se, talvez, a diferença de estilo entre os dois. Mais do que o conteúdo, está pois na forma.