Durante um final de tarde, esquecemo-nos da longa (e por vezes lenta) marcha de quem percorre uma passerelle naquele evento a que chamamos desfile de moda. Esquecemo-nos do que é assistir ao vaivém ensaiado sentados na primeira ou na décima fila. Esquecemo-nos do acordo subentendido que estabelece as posições de manequins e público e o estranho ato reflexo de aplaudir no final. Esquecemo-nos disto tudo durante a apresentação da coleção outono-inverno 2018/19 do designer português Hugo Costa, em Paris, que na realidade não é mais ou melhor do que qualquer outra parte do mundo para se refletir sobre a forma como contactamos com a moda de autor. Simplesmente, por uma questão de aura, esta cidade põe-se a jeito.
Nesta quarta-feira, por duas horas e meia, o criador tomou conta de uma galeria na Rue Notre Dame de Nazareth, branca e meio escavacada como tantas outras. A marcar presença na semana da moda masculina de Paris desde junho de 2016, voltou a fugir ao guião clássico de um desfile e bendito seja por isso. Criou aparato. Juntou cabos elétricos, ecrãs, tubos metálicos e lâmpadas florescentes. Não fossem as roupas penduradas aqui e ali, teríamos dado meia volta à procura da morada certa. Deixou meia dúzia de peças num expositor e dois cenários possíveis: uma sala forrada com imagens de uma produção fotográfica feita há poucas horas e uma parede de espelhos, irritantemente básica e irresistível. A roupa era já da coleção “(A)way to Punk”, que o designer se preparava para apresentar. Ainda assim, pediu aos convidados que não fizessem cerimónia, que a vestissem e que se fotografassem com ela.
“As pessoas experimentam, tocam, as pessoas veem”, descreve Hugo Costa no decorrer da apresentação. “Com aquelas peças, sentem que fazem parte deste momento e isso cria uma empatia muito grande com a marca. Até estava com medo que ninguém tivesse coragem de lhes mexer mas a roupa nem para ali”, conta o designer ao Observador. Mexeram eles e mexeram elas, que mantêm o menswear de Hugo Costa debaixo de olho desde o primeiro dia. E se desse lado da galeria foram rios de selfies, a sala não ficou atrás.
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Os modelos começaram a circular sem aviso prévio. A música nunca chegou a subir de volume, da mesma forma que alguns convidados nem sequer chegaram a interromper as conversas. Em vez de desfilarem, os manequins posaram, maioritariamente para iPhones e smartphones. Vista da rua, através das vitrines, a situação mais parecia uma vernissage, daquelas em que nem bebidas faltam. “É um formato muito mais próximo das pessoas. Hoje, toda a gente vive nas redes sociais e isto torna tudo mais apetecível. As apresentações por si têm essa capacidade — demoram mais tempo, podes fotografar 40 vezes a mesma pessoa, podes experimentar ângulos, podes procurar a fotografia espetacular. E é ter o designer por perto e poder conversar com ele. É humanizar a marca, a grande tendência de marketing neste momento”, explica Hugo Costa. É experiência a moda de uma forma diferente, mais íntima, menos distante, acrescentamos nós.
Enquanto tudo acontece, o designer desdobra-se em entrevistas e agradecimentos. Os modelos circulam entre os seis pontos da sala pensados como cenários. Até as próprias caixas de material foram utilizadas como elementos cénicos. Os rapazes posam de pé, sentados, apoiados, pendurados, sozinhos, aos pares e aos trios. Tão depressa fecham a expressão do rosto para a fotografia como se deixam descontrair e cumprimentam o amigo que acabou de chegar. Para Hugo Costa, “o futuro é por aqui”. Fala do formato inovador mas também da própria coleção, ela própria um momento de viragem para a marca.
“É uma abordagem diferente, muito mais assente no pensamento que está na base do punk do que na parte visual. É por isso que não vês aqui metal, não vês couro… Não bate com a nossa estética, mas existe um caráter reacionário na coleção que se estende à marca”, afirma sobre a coleção. As peças, as cores, os acabamentos e o styling dos próprios coordenados — tudo indica que Hugo Costa deu um grande passo em frente e que amadureceu enquanto criador de moda. Ao streetwear, que já se tornou na sua imagem de marca, juntou elementos clássicos. No final, a junção dos dois ficou perfeita. “Estamos a questionar valores, a questionar o streetwear, a questionar o vestuário clássico. Já o fazíamos de forma muito residual, mas agora há um assumir drástico da influência do vestuário clássico”, completa.
“Estás a ver o puto que começa a querer marcar a sua identidade e a transformar-se num anarquista extremo? Ele começa a questionar tudo e nós começámos a questionar o guarda-fatos. A primeira coisa que ele faz é ir ao guarda-fatos do pai, pegar num casaco, abrir as golas e cortá-lo para ficar mais curto. É oversized porque ele é miúdo e o pai é maior”, exemplifica. A coleção traz novas peças para o universo de Hugo Costa: camisas crop que mais parecem terem sido cortadas sem grande preceito, blazers com rachas ao meio, acabamentos que simulam o avesso das peças e outras que são reversíveis. O color block ficou lá atrás. Para o próximo inverno, o criador sugere misturas improváveis: diferentes tons de cor-de-rosa, roxo, azul elétrico e vivos a criarem contrastes. “São cores que eu não utilizava no passado e estou a reagir a isso. É preciso questionar para andar em frente e nós questionámos o que fazíamos, não à procura de uma identidade, mas para melhorar”, continua.
Estar representado por um novo showroom em Paris e ter o lançamento da loja online previsto para fevereiro, aumenta a responsabilidade. É preciso assegurar a conquista de um posicionamento internacional e isso também passa por diversificar o produto. Hugo Costa já andava com ideias de se aventurar no mundo dos óculos e encontrou na Cuscuz a parceira ideal. Para esta coleção, as duas marcas desenharam três modelos em madeira, pintados e lixados para ficaram com um efeito desgastado. “A Cuscuz tem uma coisa que eu gosto muito, o handmade. Por mim, é para continuar”, afirma o criador.
Ainda nos acessórios, a marca Hugo Costa deu um salto também no calçado, com três novos modelos que o designer considera serem símbolos da renovação da marca. Quanto à possibilidade de trazer este mesmo modelo de apresentação a Portugal (Hugo Costa faz parte do calendário do Portugal Fashion, em março), responde com um “a ver vamos”. A verdade é que, passadas as tais duas horas e meia, já nem nos lembrávamos como eram os desfiles de antigamente.
O Observador viajou para Paris a convite do Portugal Fashion.