O último presidente do BESA (Banco Espírito Santo Angola) admite que não foi possível identificar os beneficiários últimos dos clientes cujos créditos foram abrangidos pela garantia soberana de Angola. Rui Guerra explica que identificar todos os clientes e mutuários não quer dizer identificar os acionistas e beneficiários últimos dessas empresas, admitiu o gestor na comissão parlamentar de inquérito aos atos de gestão do Banco Espírito Santo e Grupo Espírito Santo.

Foi uma equipa interna do BESA que identificou os créditos em risco de incumprimento que vieram a ser incluídos na proteção da garantia soberana concedida no final de 2013. Em causa estavam créditos de 5700 milhões de euros, nem todos estavam vencidos, e que foram discutidos com as autoridades angolanas. Rui Guerra admite que os incumprimentos no crédito fossem da ordem dos dois a três mil milhões de dólares.

O saneamento de crédito (write off) do BESA, na sequência da intervenção do Banco Nacional de Angola em agosto de 2014, terá sido da ordem dos cinco mil milhões de dólares, incluindo os ativos imobiliários. Era uma “carteira bem difícil” em termos de recuperação, reconhece o antigo presidente. E as autoridades angolanas sabiam dessas dificuldades. 

O gestor admite igualmente que sem garantia ou outra proteção, a solução seria um aumento de capital. Houve um aumento de capital de 500 milhões de dólares em 2013, mas face à magnitude do que seria necessário seria difícil que os acionistas à data no BESA pudessem investir o valor necessário.

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Rui Guerra explicou que havia diversas situações anómalas: empresas com dificuldade em operar e reembolsar os empréstimos, desconhecimento dos beneficiários últimos, desvalorização das garantias e dos imóveis, são algumas dos exemplos referenciados. Mas desmente ter dito que havia 4,1 mil milhões de dólares de crédito concedido a beneficiários desconhecidos.

Questionado com muita insistência pelo deputado socialista Pedro Nuno Santos, sobre a identidade de alguns desses beneficiários, Rui Guerra invocou a lei do sigilo bancário angolano para não responder. E perante a pergunta: conseguiu identificar o beneficiário último da Vaningo (empresa que tinha relações com o BES)? Rui Guerra argumenta que responder significaria violar o segredo bancário angolano. O presidente da comissão, Fernando Negrão, lembra que esta lei é mais abrangente que a portuguesa e que a sua violação dá pena de prisão.

E a divulgação de dados sobre os clientes numa assembleia geral viola o segredo bancário angolano? Insistiu a deputada do Bloco e Esquerda, Mariana Mortágua. Rui Guerra responde que, segundo o pareceu que recebeu, essa divulgação não violaria o sigilo porque a ata da reunião dos acionistas do BESA não seria pública.

Ora esta ata, onde a gestão de Rui Guerra identifica vários créditos concedidos sem garantia e de alto risco a várias empresas, onde estariam sociedades ligadas ao ex-presidente Álvaro Sobrinho e à Escom, acabou por ser divulgada pelo jornal Expresso em 2014. Foi na sequência desta assembleia-geral, realizada em outubro e 2013, que o BESA e Ricardo Salgado se empenharam na obtenção de uma garantia soberana junto das autoridades angolanas para salvaguardar o risco de incumprimento.

O gestor conhece dois anexos à garantia de Luanda: um com a carteira de crédito e outro com imobiliário, que eram do conhecimento do BESA, dos auditores e das autoridades angolanas. Garante que nunca fez chegar o anexo aos acionistas em Lisboa, ao BES, e aos acionistas angolanos. E admite que o Banco de Portugal também não a terá tido. Rui Guerra disse que não dava informação sobre os clientes do BESA ao BES. Rui Guerra adiantou ainda que o banco estava a preparar a execução da garantia para alguns créditos em meados de 2014, que foi revogada em agosto depois da resolução do BES.

Todas as perguntas sobre a concessão de crédito a clientes como José Guilherme e Escom ficam sem resposta. Guerra avisa que o facto de não responder não permite deduzir que estas entidades sejam clientes do BESA. Nestes dois casos já sabemos que sim.

A recusa em dar informação levou a deputada do Bloco desabafar: “há mais pessoas a assumir que fugiram ao fisco do que a violarem o segredo bancário”. Mariana Mortágua fazia referência aos testemunhos de ex-gestores da Escom, segundo os quais a forma como foram realizados os pagamentos de comissões pelo contrato dos submarinos aos membros da família Espírito Santo, tinha como objetivo pagar menos impostos.

Salgado: nacionalização do BESA seria mais barata do que garantia

Rui Guerra foi ainda confrontado com uma frase atribuída a Ricardo Salgado numa ata de uma reunião da comissão executiva do BES. Segundo a deputada centrista Cecília Meireles, na ata da reunião do dia 11 de julho de 2014, Salgado revelou ter escrito uma carta pessoal ao Banco de Portugal em que alertava para o risco de nacionalização do BESA porque seria mais barato para as autoridades angolanas do que o risco máximo associado à garantia soberana.

O sucessor de Álvaro Sobrinho na liderança do banco angolano explica o aumento na concessão de crédito no seu mandato com o desembolso de créditos já aprovados e ainda com um sistema informático do BESA que contabilizava como novas operações incumprimentos de crédito e de juro. Rui Guerra diz que a concessão de novo crédito foi uma parte insignificante dos mil milhões de dólares de aumento que se registou em 2013. Sublinha ainda que não travou algumas operações relacionadas com imobiliário porque considerou que seria mais prejudicial parar do que manter.

Rui Guerra assumiu a presidência do BESA em janeiro de 2013 e implementou um plano de refundação do BESA. O problema de liquidez quando chegou era grave e foi a prioridade, mas que foi possível sobretudo no segundo semestre reforçar os depósitos e melhorar a situação do banco. Este processo travou em julho de 2014, admitindo o gestor que as notícias que vinham de Portugal afetaram a situação do banco que foi intervencionado pelo BNA em agosto depois de perda da garantia soberana.