Dois anos depois da eleição, Francisco, primeiro papa oriundo do hemisfério sul, fascina pela simplicidade e proximidade, suscita entusiasmo ou curiosidade, mas cria oposições crescentes na Igreja.

Em contraste com a reserva do antecessor alemão, Bento XVI, o argentino Jorge Mario Bergoglio, que foi eleito papa a 13 de março de 2013 e escolheu o nome Francisco, destacou-se pelos gestos espontâneos, sejam eles uma oração junto ao muro de separação entre Israel e os territórios palestinianos ou em encontros com doentes e deficientes.

Dois desafios difíceis mantêm-se no horizonte do papa após dois anos de pontificado: a reforma da Cúria Romana (o governo da Igreja Católica) e a resposta da Igreja aos desafios da família católica num mundo moderno e em plena mutação.

O princípio da reforma da Cúria – modernização, fusão dos serviços, transparência – é grandemente aceite, já que era uma das questões mais prementes do conclave que elegeu Jorge Bergoglio.

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O segundo desafio, a família, apresenta ainda mais riscos para este papa popular, que tem cerca de 19 milhões de seguidores na rede social ‘Twitter’ e parece ser mais apreciado fora do aparelho da Igreja que no coração da instituição.

Francisco, de 78 anos, convocou dois sínodos (assembleias de bispos), um realizado em outubro de 2014 e outro para outubro deste ano, para debater temas delicados como o lugar dos divorciados que voltaram a casar ou dos homossexuais na Igreja Católica.

No sínodo do ano passado ficaram claras as divisões sobre como a Igreja deve enfrentar atualmente os desafios, em especial a situação dos divorciados recasados. Na altura, o papa definiu estes católicos como “excomungados de facto”, devido a todas as ações de que são excluídos pela Igreja.

Depois da decisão dos bispos, que deverá ser conhecida no próximo sínodo, a palavra final cabe ao papa.

Numa entrevista ao jornal La Nacion, em dezembro, Francisco admitiu que “as resistências são evidentes”.

“Mas para mim é bom sinal que sejam evidentes, que não falem às escondidas quando não se está de acordo. É saudável falar das coisas, é muito saudável”, disse.

“A reforma espiritual, a reforma do coração” é a que preocupa Francisco, o que deixou evidente com as críticas sobre “as 15 doenças” que ameaçam a Cúria, como a mundanidade, a corrupção, o afastamento da realidade.

O papa denunciou “o Alzheimer espiritual” e a “fossilização mental”, que ameaçam o alto clero, e pediu aos teólogos que “deixem de ver a humanidade da sua torre de marfim”, e sintam “o cheiro do povo e da rua”.

Particularmente eloquente quando denuncia o tráfico de seres humanos e as guerras inter-religiosas, Francisco é radical no plano socioeconómico e conservador em matéria moral (a família, a vida), sem ser dogmático.

O papa governa de forma autoritária, sozinho, sem cortesãos, e privilegia os contatos múltiplos, sem deixar de trabalhar de manhã à noite, para aproximar a Igreja dos povos, sabendo que, na sua idade, o tempo está contado.

Para o vaticanista Marco Politi, existe um “conflito aberto” no Vaticano sobre questões sérias. A novidade é que as divergências surgiram publicamente, o que não acontecia com outros papas.

Sobre a reforma da Cúria, Politi elogiou a intuição de Francisco, de que o processo devia ter a contribuição de cardeais de todo o mundo. “Outros papas teriam constituído uma comissão que trabalharia em silêncio, durante três ou quatro meses e produziriam um texto”, disse. No entanto, a lentidão do processo “aumenta a incerteza e a desorientação”.

O papa acredita que a humanidade contemporânea vive um drama existencial e que a Igreja deve manter-se próxima e falar para uma sociedade plural.

“Francisco é muito exigente, mas confia muito na força da persuasão. Nisso parece-se muito com Bento XVI, que queria convencer, levar pessoas e estruturas à conversão. A novidade é a grande liberdade de discussão”, afirmou Politi.