A Mazda é um fabricante com uma curiosa história de sucesso. Depois de ter sobrevivido sufocado durante o período em que foi controlado pela Ford, entre 1996 a 2008, pôde finalmente começar a mostrar o que era capaz de fazer a partir de então. A estética passou de impessoal a muito atraente e começaram a surgir inovações técnicas, de que o melhor exemplo é o motor Skyactiv-X, uma unidade que sendo a gasolina consegue funcionar como se fosse a gasóleo, com as vantagens inerentes em termos de consumo e de emissões.

À semelhança dos restantes construtores que comercializam os seus veículos da Europa, também a Mazda tem de respeitar o limite dos 95g de dióxido de carbono (CO2) imposto por Bruxelas, o que implica a necessidade de disponibilizar, juntamente com os modelos equipados com motor de combustão, a gasolina ou diesel, veículos com motorizações eléctricas (e também híbridas plug-in), fundamentais para baixar a média e evitar pesadas multas. Sucede que eléctricos é algo que a Mazda (ainda) não tem, pelo que foi com particular interesse que acompanhámos a apresentação daquele que será o seu primeiro modelo alimentado por bateria, para mais em Portugal, na região entre Sintra e Cascais.

Vender gato por lebre para começar

A apresentação do primeiro eléctrico da Mazda, o MX-30, decorreu de forma mista, pois se por um lado tínhamos exposto o modelo quase em versão definitiva (sem nos ser possível sentar ou mexer em algumas zonas do habitáculo), para conduzir tínhamos um protótipo que era um CX-30 por fora e um MX-30 por dentro. Mas, ainda antes de começarmos a analisar o novo eléctrico, assistimos a uma apresentação por parte dos responsáveis da marca, que tentaram defender as opções que tinham tomado, já adivinhando alguma contestação do nosso lado.

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Em vez de assumirem que não montam um pack de baterias com uma capacidade superior às 35,5 kWh por manifesta falta de espaço na plataforma adaptada do CX-30 – o que acabariam por admitir mais tarde -, os técnicos da Mazda Europa tentaram defender que uma bateria maior, com 95 kWh, faria o Mazda eléctrico emitir mais CO2, ao longo de todo o ciclo de vida, do que uma versão equivalente com motor de combustão. Isto porque, segundo eles, a bateria tem de ser substituída ao fim de 160.000 km (ou 8 anos, correspondente à garantia para manter um mínimo de 70% de capacidade de carga).

Além de assumir que os seus acumuladores vão durar apenas o que está previsto na garantia (salvo raras excepções, a maioria dos veículos eléctricos ultrapassa esta longevidade, especialmente os que possuem packs com refrigeração líquida e células mais sofisticadas), os responsáveis do construtor japonês “esqueceram-se” que há uma série de poluentes libertados pelos motores de combustão (o CO2 nem sequer é um poluente, contribuindo sim para o aquecimento global) que a análise por eles apresentada nem sequer levava em consideração. Simultaneamente, também não tinham em linha de conta o facto de os países europeus estarem a descontinuar as centrais eléctricas a carvão e a derivados de petróleo, substituindo-as por energias alternativas. Como acontece, por exemplo, em Portugal. Se o fizessem, o gráfico que apresentaram aos jornalistas e que pode ver acima, exibiria curvas distintas. Bem diferentes das deste que, convenientemente, se baseia em dados de 2016, substancialmente piores para geração de energia eléctrica do que os valores de 2018 ou 2019.

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Estilo inconfundível

O MX-30 assume exactamente as mesmas dimensões do CX-30, em comprimento (4,395 m), largura (1,795 m) e distância entre eixos (2,655 m), sendo apenas 3 cm mais alto (1,57 m) pela necessidade de alojar o pack de baterias na plataforma. E seria bom que se parecesse ainda mais com o CX-30, um dos SUV deste segmento mais atraentes, o que só não acontece dado a marca ter decidido apresentar uma proposta mais ousada e inovadora. Mantendo um aspecto de SUV, o MX-30 começa por surgir com uma nova solução estética para a frente, com mais recortes e protuberâncias. É indiscutivelmente atraente, mas provavelmente menos eficaz em termos de Cx.

Nas portas também há mexidas, pois em vez das duas portas de cada lado, como forma de aceder ao habitáculo, estão presentes portas normais e de maior dimensão à frente, para as portas traseiras serem muito mais pequenas e tipo “suicida”, ou seja, a abrir ao contrário. Jo Stenuit, o responsável máximo na Europa pelo design da Mazda, argumentou que se tratava de uma colagem ao saudoso coupé desportivo RX8, mas como este modelo sempre teve pouca expressão (não chegou a atingir as 193.000 unidades ao longo de nove anos de produção), acaba por nos lembrar mais o i3, sendo que no BMW esta opção até se justifica por ser 40 cm mais curto do que o MX-30.

O objectivo da Mazda passou por oferecer um eléctrico que fosse diferente dos modelos a combustão, tornando-se assim mais exclusivo, um pouco como a Honda fez com o Honda “e”. Ainda assim, o Mazda EV exibe uma frente muito longa, sem justificação técnica, pois não há motor a combustão com quatro cilindros nem caixa de velocidades convencional para lá instalar. Quem vai a bordo gostaria, certamente, que esse espaço fosse aproveitado para conceber um habitáculo mais generoso.

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Como é por dentro?

Para entrar a bordo para o banco posterior, segundo nos foi explicado, além de abrir a porta da frente e a traseira, é ainda necessário chegar à frente as costas do banco dianteiro. O que significa que o seu ocupante tem de sair, uma solução pouco agradável e funcional, especialmente de Inverno e com chuva.

O espaço no habitáculo parece mais acanhado do que no CX-30, mas o fabricante garante que é o mesmo. A única diferença parece ser na altura ao tejadilho, com o MX-30 a montar os assentos 1 cm mais acima, para incrementar o espaço para as baterias. A mala mantém os 430 litros, idênticos ao CX-30.

O tablier rompe com o que é habitual na Mazda, com linhas mais direitas, segundo o estilista para reforçar a sensação de espaço. O painel de instrumentos vai incluir informações específicas para o controlo do consumo de energia, autonomia, estado de carga e afins, o que não surpreende num eléctrico, com o volante a ter patilhas que permitem seleccionar o nível de regeneração de energia. O ecrã central está colocado em cima do tablier, para a consola ser mais elevada do que é costume, permitindo descansar a mão ou comandar o segundo ecrã, colocado em frente à alavanca da “caixa”, que na prática serve apenas para decidir se queremos andar para frente, para trás ou parquear.

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MX-30 tem 1% made in Portugal

Se há pormenores que ainda não se conhecem sobre o novo MX-30, como o peso e a autonomia exactos, pois nem sequer está em processo de homologação, há outros bem curiosos que já foram anunciados. Um deles diz respeito à incorporação nacional neste modelo da Mazda. Na zona das portas em que apoiamos os cotovelos e na consola central, onde é possível arrumar objectos, o fabricante japonês revestiu tudo a cortiça portuguesa. O que até é fácil de acontecer uma vez que o nosso país supre mais de 50% das necessidades mundiais. Em vez de nos limitarmos às rolhas para as garrafas de vinho, a casca dos sobreiros serve agora também para a indústria automóvel, sendo dada como um exemplo entre os materiais recicláveis, além de ser um excelente isolante, embora neste caso não seja utilizada como tal.

Mas nem só de cortiça vive o MX-30, em termos de materiais recicláveis, uma vez que o tecido que reveste os bancos e algumas zonas das portas e tablier contém 20% do plástico recuperado a partir das garrafas de água enviadas para o lixo. E podemos garantir que, ao tacto, é impossível distinguir este têxtil de qualquer outro dos mais simples.

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Anda bem, mas não vai longe

Depois de esmiuçado o primeiro eléctrico da Mazda, chegou a altura de nos sentarmos a bordo do CX-30 protótipo, que sob as vestes escondia a “alma” do novo MX-30. Com um técnico da marca ao nosso lado, iniciámos um percurso com um pouco menos de 40 km, durante os quais optámos por circular em ritmo de passeio, para ver até onde poderia chegar a autonomia máxima do modelo, que a marca coloca próximo dos 200 km.

A unidade ensaiada ainda não possuía comando para aceder aos modos de condução, nem aos diferentes níveis do sistema de regeneração, mas isso não nos impediu de ficar impressionados com o silêncio a bordo, bem como com a ausência de ruído de rolamento, mais audível num modelo eléctrico devido à ausência do barulho provocado pelo motor de combustão. Para mais, o Mazda possui um sistema de som que simula um motor eléctrico com “esteróides”, ou seja, com uma sonoridade mais presente do que o habitual, para ajudar os condutores que se queixam de excesso de silêncio a bordo. De caminho, este sistema abafa os tais ruídos provenientes do rolamento.

Equipado com um motor de 105 kW, 143 cv, o protótipo revelou-se ágil, movimentando-se com facilidade à mínima pressão sobre o acelerador. Nas subidas optámos por não abusar, pois perseguíamos o consumo mais baixo possível, mas nas descidas “apertámos” um pouco mais com o Mazda, tudo porque o construtor defende que usa a denominação MX porque também o carro eléctrico procura proporcionar um comportamento divertido, à semelhança do MX-5. E a verdade é que o comportamento se revelou previsível e eficaz, sem chegar a ser desportivo, mas com um bom nível de conforto.

Como não havia informação relativa aos consumos, ou sequer à autonomia – para termos acesso a estes dados o protótipo tinha de ter montado o computador a que habitualmente está ligado e que regista tudo o que se passa –, tivemos de calcular o consumo com base na redução da carga da bateria, com o resultado a apontar para 160 km entre recargas. Quer isto dizer que caso se confirmem estes valores, o condutor de um MX-30 vai entrar em desespero a partir dos 120 km, o que é francamente pouco.

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Segundo o construtor, o objectivo da Mazda é propor um veículo eminentemente urbano, confortável e divertido de conduzir, cujos proprietários se satisfaçam com percursos com cerca de 150 km. Em linha, pois, com as propostas da Mini e da Honda.

Se o MX-30 não percorre grandes distâncias entre recargas, só deverá recarregar a 50 kW, em DC. O limite para uma maior potência é imposto pelas células utilizadas, da Panasonic, montadas num pack com refrigeração por ar forçado através de um sistema de ar condicionado, similar ao do Renault Zoe.

Quando chega a Portugal e por quanto?

O novo MX-30 deve chegar aos primeiros mercados europeus em Setembro, onde se inclui o nosso país, sendo proposto por cerca de 35.000€. Este é um valor similar ao que é praticado pelo Nissan Leaf e pelo Mini eléctrico, ambos ligeiramente mais pequenos do que os 4,4 metros do SUV da Mazda, esperando-se que o Honda “e” venha a ser comercializado por um valor mais elevado, uma vez que em Espanha é transaccionado por cerca de 37 mil euros.

A Mazda tem igualmente em preparação uma variante deste MX-30 com extensor de autonomia, basicamente uma versão eléctrica capaz de produzir electricidade a bordo a partir de um motor a gasolina que funciona apenas como gerador. O curioso é que será tipo Wankel (escolha que se deve à quase ausência de vibrações), com apenas um rotor, marcando assim o regresso da Mazda às unidades rotativas, que o fabricante abandonou com a descontinuação do RX-8. Pequeno e sobretudo estreito, o motor a gasolina será montado entre o eléctrico e o desmultiplicador.

Resta saber se o MX-30 com extensor de autonomia virá para a Europa e se será mais acessível do que a versão eléctrica. De recordar que a BMW, que ofereceu de início uma versão similar no i3, que denominava REX, acabou por cessar a sua produção, alegando que o incremento da eficiência das baterias tinha passado a garantir a desejada autonomia.