Quais as variedades de azeitona com maior expressão em Portugal?

As variedades de azeitona com maior expressão no país são a Galega e a Cobrançosa. A Cobrançosa está maioritariamente a norte, sendo uma variedade de Trás-os-Montes. No entanto, pela sua qualidade e capacidade diferenciadora em afinar lotes, permitindo que os azeites estejam estáveis ao longo do tempo, está a espalhar-se por todo o país, explica Edgardo Pacheco, jornalista e autor do livro “Os 100 Melhores Azeites de Portugal”. “Não há ninguém que considere plantar um olival sem Cobrançosa, é como o Arinto no vinho.” A Cobrançosa dá notas verdes, amargas e picantes ao azeites. Já a Galega encontra a sua expressão máxima no sul do país — Alentejo, Ribatejo e Beiras —, embora esteja também ela espalhada um pouco por todo o lado. Dá origem a azeites mais suaves e, considerando a categoria de concursos, a azeites maduros. A Galega, quando bem cuidada e apanhada cedo, “dá azeites muito perfumados, com notas de maçã muito pronunciadas, alguma banana e notas florais”.

Que tipo de azeites existem?

Existem três tipos de azeites, explica Tomás Jónatas, diretor industrial do Santa Vitória Vila Galé e responsável pelos azeites aí produzidos. São eles o azeite virgem extra, sem defeitos e com uma acidez entre 0 e 0,8%; o azeite virgem, com defeitos ligeiros mais notórios para um provador experiente do que para o consumidor habitual, sendo que a acidez vai dos 0,8 aos 2%; e o azeite lampante, com uma acidez superior a 2% e defeitos acentuados.

Este último não está apto para consumo final, tem de passar obrigatoriamente pela refinação — o azeite refinado é depois misturado com azeite virgem extra ou virgem. Na opinião de Tomás, é um tipo de azeite que não deveria existir, ainda que compreenda que é uma fonte de gordura mais barata. É, no entanto, uma opção que adultera o processo de produção do azeite, obtido de forma química, por oposição aos outros dois tipos acima mencionados, obtidos por métodos mecânicos.

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O que é um azeite DOP?

O selo de garantia DOP, Denominação de Origem Protegida, tem que ver com as variedades de azeitonas que são autorizadas e utilizadas em diferentes regiões. Considerando, a título de exemplo, a DOP Alentejo Interior, isso significa que o lote em questão tem de ter no mínimo 60% da variedade Galega, sendo que o restante divide-se entre Cobrançosa ou Cordovil (é possível fazer um DOP com 100% Galega).

Há diferença entre azeite maduro e azeite verde?

Existe uma diferença assinalável entre eles, atesta Edgardo Pacheco. Em matéria de concursos, tendo em conta a análise organoléptica, a categoria “maduro” significa que o azeite em causa não tem, nem no aroma nem no sabor, notas verdes, amargas e picantes. Trata-se, ao invés, de um azeite suave e pouco expressivo aromaticamente — por norma, são azeites oriundos do sul do país, quase sempre com a variedade Galega. Existem ainda as categorias “verde ligeiro”, “verde médio” e “verde intenso”. Cada categoria a concurso tem a mesma dignidade, explica o jornalista.

Azeite português no mundo. O que é que o Alentejo tem?

O que são defeitos e o que são atributos? 

“Ainda estamos, enquanto sociedade, a consumir azeites defeituosos”, diz Edgardo Pacheco, que distingue cinco grandes defeitos: tulha (“nota de prodidão”), mofo, ranço, avinhado e madeira (“nota do caroço”). A tulha, o mofo, o avinhado e a madeira dizem respeito a defeitos pré-embalamento, sendo que o ranço surge após o embalamento. “O ranço é a evolução natural do azeite”, ainda que tal dependa das variedades e do terroir.

“Quando falamos nos atributos positivos, falamos sempre nos amargos, nos picantes, nas frutas e nas notas verdes. Os consumidores não estão habituados a cheirar os azeites, acham estranho que alguém lhes diga que o azeite possa cheirar a tomate, a alcachofras, a ervas aromáticas ou até a maçã… Um azeite, se bem feito, tem notas de frutos: ou verdes ou maduros. Pode cheirar a especiarias doces, como canela ou cravinho.”

Como se prova um azeite?

A prova do azeite tem etapas semelhantes à prova de um vinho. O azeite é colocado no interior de um copo fosco de maneira a que a sua cor seja impercetível — isto acontece porque a tonalidade não é considerada um fator qualitativo, ao contrário das variedades utilizadas e do estado de maturação das azeitonas. Servido num copo fosco e de pequenas dimensões, o ideal é segurar o mesmo com a palma da mão de maneira a passar um pouco de temperatura ao azeite (a temperatura recomendada é 28º graus). Depois, agita-se ligeiramente o copo e levanta-se o vidro que até então servia de tampa e armazenava os aromas no interior. Levantado o vidro, cheira-se o azeite e leva-se o líquido à boca para depois o cuspir, tal como na prova de uma vinho.

“Acredito que devemos consumir o azeite campanha a campanha; sou defensor da data de colheita na garrafa de azeite”, diz o jornalista e autor Edgardo Pacheco (© Ana Martingo)

Quais são os descritores mais comuns na prova de azeites?

Na prova de azeites em que o Observador participou, organizada pelo Vila Galé Clube de Campo, ouviram-se os seguintes descritores: rama verde de oliveira, rama de tomate, banana verde, banana madura ou casca de amêndoa verde. Importante para a prova, além da identificação destes descritores, são elementos como a harmonia entre a boca e o nariz, a complexidade e a consistência do azeite, esta que equivale ao “final de boca” no universo do vinho. “Xixi de gato” era ainda um descritor que se usava em provas — e que ainda hoje aparece na variedade espanhola Picual — que diz respeito à apanha de azeitonas maduras. “A partir do momento em que se começou a apanhar a Picual verde esse aroma desapareceu. Volta e meia aparece nos concursos. Quando aparece o provador tende a miar por brincadeira”, lembra o jornalista.

Que outras comparações podemos fazer com o universo do vinho?

Os azeites não são iguais em todo o mundo, nem em todo o país, esclarece Tomás Jónatas. Funcionam, na verdade, um pouco como os terroirs no vinho, sendo que a ideia das castas autóctones também é comparável. A variedade Cordovil, por exemplo, é originária de Serpa e de Moura, da margem esquerda do Guadiana, e tem comportamentos completamente diferentes se plantadas lá ou noutra zona do Alentejo. “Da mesma forma que as Cobrançosas de Trás-os-Montes são diferentes das do Alentejo”, acrescenta. Esta é uma ideia transversal a todas as variedades.

O azeite pode ser intervencionado tal como o vinho?

Não. Ao contrário do vinho, que pode ser trabalhado por exemplo com recurso a estágio em barricas, entre outros fatores, o azeite deve ser o mais puro possível. Edgardo Pacheco faz até um paralelismo com o mel, que é ainda mais puro. “O azeite é o sumo da azeitona. A única coisa que se faz é esmagar azeitona e, através de um processo mecânico, bater a pasta até sair o sólido e o líquido. Não há processos químicos envolvidos”, afiança. Tomás Jónatas acrescenta que o azeite (no caso dos virgem extra) não tem qualquer intervenção ou adição de produto externo, só água em situações pontuais.

Que mitos ainda persistem?

Ainda persistem alguns mitos, sendo que o mais importante é o da acidez. “As pessoas continuam a tomar decisões em função da acidez. Convém sublinhar que em Portugal referimos a acidez na garrafa, o que não acontece em Espanha ou em Itália”, atesta Edgardo. “Antigamente extraíram-se azeites com níveis de acidez muito elevados, 5 ou 6%. Quando se comiam esses azeites a digestão não era tranquila, daí o ditado ‘estar com os azeites’. Durante muito tempo havia azeites muito defeituosos, mas num intervalo de 0 a 0,8% não é possível perceber a acidez. A acidez no azeite não tem sabor nem cheiro.”

“Os portugueses ainda acham que bom azeite é o que o primo traz da terra”

Outro mito que impede o conhecimento e o consumo de azeites de qualidade, diz, tem que ver com “o mito do azeite do primo que lá vem da terra”. “As pessoas acham que o bom azeite vem do lagar do primo, no garrafão. Atribuem-se qualidades a azeites que são extraídos em lagares com pouca cautela.” Um terceiro mito tem que ver com a fidelidade: “Grande parte dos portugueses parece que faz uma profissão de fé a marcas de azeite durante uma vida inteira.”

O que devemos ter em conta no casamento do azeite com a comida?

É muito simples, basta utilizar o princípio da harmonia que também usamos com o vinho. No caso concreto do azeite, um prato com sabores e texturas delicadas pede um azeite mais suave — um azeite intenso só vai fazer desfavores à refeição. Já um prato mais forte, como cabrito ou borrego assado no forno, pede mais intensidade no azeite. “Uma bola de gelado de baunilha com pingo de azeite de Galega, que tenha notas de maçã ou banana, fica extraordinário. O que o azeite faz ali é perfumar aquele conjunto”, assegura Edgardo Pacheco.

Considerando bacalhau cozido da noite de Natal, o ideal passa por um azeite mais suave do que verde intenso. Se a posta de bacalhau foi assada na brasa é possível subir a intensidade do azeite. Já o arroz de polvo pede um azeite com mais intensidade. 

Qual é a validade do azeite?

“É um assunto discutível. É uma gordura, acaba por não ter grande validade”, começa por dizer Tomás Jónatas. A Casa do Azeite, que apoia o sector, recomenda até 36 meses de validade. O diretor industrial do Santa Vitória Vila Galé assegura que trabalha com uma lógica de 18 meses de validade após a extração do azeite. “É importante que os azeites continuem com as condições organolépticas. Funciona ao contrário do vinho, que tende a melhorar com a idade. O melhor timing de prova e de qualidade do azeite é logo após a extração. Devem ser consumidos azeites da campanha. De um ano para o outro.

Já o autor do livro “Os 100 Melhores Azeites de Portugal” assegura que uma gordura desde que é extraída começa a degrada-se. “Acredito que devemos consumir o azeite campanha a campanha; sou defensor da data de colheita na garrafa de azeite.”