É um “oásis no deserto sírio”. A cidade histórica de Palmira está sob o controlo do Estado Islâmico, que no sábado começou a invadir grande parte do norte da cidade. De acordo com a BBC, os jihadistas já controlam uma base aérea das redondezas, uma prisão e centro de comando.

Palmira é conhecida pelas ruínas históricas, que a Organização das Nacões Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) declarou “Património da Humanidade” em 1980. Fundada no segundo milénio antes de Cristo, a cidade (cujo nome árabe é Tadmur) tem vestígios de semitas, gregos e romanos e é considerado um dos marcos arquitetónicos mais relevantes da história romana, em pleno deserto de Damasco.

Irina Bokova, diretora geral da UNESCO, disse à CNN que Palmira é um “tesouro insubstituível”. “É um sítio que já sofreu quatro anos de conflito, de ataques e que representa um tesouro insubstituível para o povo sírio e para o mundo”, referiu. Um tesouro arqueológico, mas também uma cidade central para o regime de Bashar al-Assad, presidente da Síria, onde estão vários depósitos de armas, um aeroporto e uma prisão militar.

Maria da Conceição Lopes, arqueóloga e professora na Universidade de Coimbra, explicou ao Observador que ao atacar Palmira, o Estado Islâmico sabe que está a destruir não só o património sírio, mas um património universal. “Está a atacar um coração que é de todos”, diz. A professora, que esteve pela última vez na Síria em 2010, conta que quando se atravessa uma parte do deserto sírio – “que é uma coisa muito agreste” – e se avista a cidade de Palmira, se percebe logo que é uma “região para a construção de um aglomerado urbano”.

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“Encontro harmonioso de muitas culturas”

Considerada a “noiva do deserto”, Palmira foi uma das cidades mais importantes na rota da Seda, ligando a Pérsia, Índia e China ao império romano. “Palmira tem uma grande colonata, com 1.100 metros de comprimento, com colunas de mármore brancas altíssimas dos lados, onde chegavam caravanas cheias de mercadoria, vindas do deserto”, explica Maria da Conceição Lopes.

A professora conta que a cidade síria é um símbolo do “encontro harmonioso de muitas culturas” e que é a antítese de tudo aquilo que o Estado Islâmico defende. “É beleza, é história, é turismo”, diz, acrescentando que com esta ameaça, o grupo terrorista está a tentar dizer às pessoas que não voltam “a pôr os pés” em Palmira. “Estão a dizer ‘estamos a destruir aquilo que vos é caro’”, adianta, acrescentando que a lógica do Estado Islâmico é a do “exibicionismo, a do poder pelo poder”.

“Palmira não é só a cidade em si, é a paisagem que a circunda. À volta de Palmira, há uma paisagem lindíssima, com sepulturas que são torres. Só quem lá esteve consegue perceber a qualidade paisagística, a inscrição daquela cidade num contexto paisagístico”, diz.

Na cidade histórica de Palmira, eram adorados deuses da mitologia romana, mas também orientais, fazendo da cidade um ponto de encontro entre estas duas culturas. Segundo o El País, se o Estado Islâmico conseguir tomar Palmira, os danos arqueológicos seriam “inimagináveis”, como se representassem o aqueduto de Segovia, as ruínas de Pompeia ou os fóruns imperiais de Roma, juntos. Não existe nenhuma cidade comparável a Palmira.

O historiador Philip Parker explica que Palmira é uma cidade do deserto, cuja riqueza foi construída na capacidade que detinha de satisfazer as necessidades básicas dos viajantes: descanso e água. Cidade fronteira entre Roma e o Império, era lá que se trocavam não só bens, mas tambem informações.

A equipa da Universidade de Coimbra que estava em escavações na Síria não voltou ao país desde 2010, por causa dos conflitos. O escritor inglês Tom Holland, para quem a destruição da cidade seria uma tragédia não só para a Síria como para o mundo inteiro, descreveu a cidade como sendo “uma extraordinária fusão de influências clássicas e iranianas, misturadas com outras influências árabes”.

O Estado Islâmico tem vindo a perseguir vários monumentos históricos. Em fevereiro, destruiu cerca de oito mil livros da biblioteca pública da cidade iraquiana de Mosul – alguns faziam parte da lista de raridades da UNESCO – e entrou no museu da cidade, destruindo várias estátuas milenares, segundo a agêcia Lusa. Nos meses seguintes, novos alvos: ruínas de Assíria, Hatra e cidade de Jorsabad.