No acórdão desta quarta-feira em que aprova a CES, o Tribunal Constitucional deixa alguns argumentos que permitem ao Governo alimentar expectativas relativamente ao próximo teste, já em agosto: a fiscalização da nova Contribuição de Sustentabilidade, que substituirá em 2015 precisamente a CES.
Neste texto, os juízes não só não falam na reposição total dos rendimentos dos pensionistas, pré-corte, como referem que estes podem apenas manter “algum” nível de expectativa em relação ao futuro. Mais do que isso, para os juízes, apesar do agravamento do corte imposto pela CES (abrange mais pessoas do que a anterior), este não é um esforço “excessivo”. E se se falar em valores, a que será aplicada em 2015, será menos agressiva.
Mas o acórdão nº 572/2014 está longe de dar garantias totais ao Governo: face à votação de 7-6 neste acórdão – pior do que o anterior de há um ano que foi por 8-5 -, basta que um dos juízes mude de posição para que esta seja declarada inconstitucional.
Nas barreiras do TC que o Governo terá de transpor, acresce ainda que a nova medida é “duradoura” e não “excecional e transitória” e esse é um território que tem servido de argumento aos juízes.
Veja-se ponto por ponto:
Que pistas deixam os juízes para um acórdão futuro?
“Este novo elemento [certeza que só vigora em 2014] só pode pesar em favor do interesse público prosseguido com o alargamento da base de incidência subjetiva da contribuição – o equilíbrio orçamental em 2014 – já que os pensionistas atingidos por esse alargamento sabem que, com aquela natureza e finalidade, a contribuição já não será renovada no próximo ano, podendo manter ainda algum nível de expectativas de estabilidade e continuidade que possuíam antes da afetação”.
1 – “Algum” não quer dizer todo – A expressão “algum“, usada pelos juízes, não terá sido escolhida por acaso. Os juízes sabem que depois da CES vão ter de analisar a Contribuição de Sustentabilidade e esta não repõe por completo os rendimentos. No acórdão, os juízes não falam da reposição total do rendimento dos pensionistas. Lembram apenas que o Governo deu a garantia que a CES “cessa definitivamente no fim do corrente ano económico”. A CES, sim. A Contribuição de Sustentabilidade, não.
2 – “Natureza e finalidade” – No acórdão, os juízes justificam a aprovação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade agravada por ser “excecional e transitória” e por o Governo dar a certeza que esta medida com esta “natureza e finalidade”, “não será renovada no próximo ano”. Lembram os juízes que a sua “excecionalidade e transitoriedade” foi sempre garantida por estar incluída nos orçamentos do Estado, apesar de o ser desde 2011.
Ora, nos argumentos do Governo, a CES e a Contribuição de Sustentabilidade diferem exatamente na natureza e na finalidade. A primeira, lembra o TC no acórdão, é de natureza “extraordinária”, a segunda, diz o Governo terá um caráter “duradouro”.
Já quanto à finalidade, a CES teve como objetivo, lê-se no acórdão, “exigir aos beneficiários atuais da segurança social um contributo ao financiamento do sistema num período de emergência económico-financeira”. Nesse período de “excecionalidade financeira” e de “desequilíbrio orçamental que levou à assunção de compromissos internacionais e europeus”, a CES “constitui uma medida de caráter excecional que, entre outras medidas, visa ultrapassar a gravidade daquela situação”. Agora, a situação está ultrapassada com o fim do memorando, pelo que a finalidade da CES, acabou. Mas não da Contribuição de Sustentabilidade.
Para essa, a justificação do Governo, no diploma aprovado e que está em Belém para ser enviado para fiscalização preventiva pelo Constitucional, foi diferente. Começando pelo nome. Para o Executivo, o novo corte da Contribuição de Sustentabilidade justifica-se sobretudo para garantir a “sustentabilidade” do próprio sistema de pensões.
3 – “Não é sacrifício excessivo e desrazoável” – Os juízes fazem contas e chegaram a uma conclusão no mundo da matemática: “Os valores da contribuição a que ficam sujeitas as pensões até agora isentas não atingem, em si mesmo e em montante absoluto, expressão muito avultada“. Até abril estavam isentos deste corte os pensionistas que recebiam pensões entre 1.000 e os 1.350 euros. A partir de então, a CES agravada, acreditam os juízes, apesar de ser mais agressiva do que a anterior, não justificou o chumbo e concluem:
“É de aceitar que a prestação mensal exigida aos beneficiários da segurança social atingidos pelo alargamento da base de incidência da CES, pela temporalização das normas que lhe dão suporte e pelos objetivos que visa prosseguir, não constitui um sacrifício particularmente excessivo e desrazoável, que importe violação do princípio da proporcionalidade constitucionalmente censurável”
E no campo dos valores, a Contribuição de Sustentabilidade, apesar de ser duradoura, tem taxas mais baixas: em vez de 3,5%, a taxa base passa a 2% para pensões até 2.000 euros, de 2% a 3,5% nas pensões entre 2.000 euros e 3.500 euros e de 3,5% para pensões de acima desse valor.
Além disso, 0s juízes até elogiam a nova CES quando comparada com a medida que ela substituiu – a convergência dos sistemas de pensões, que na prática significava um corte de 10% nas pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA). É referido no acórdão que, tendo em vista que o Governo tinha de “colmatar o impacto negativo no orçamento da CGA de 395 milhões de euros”, até teve um “sentido redistributivo”. E porquê? Porque aquele montante passou a sair de dois lados: 174 milhões de euros “provenientes dos beneficiários atuais do sistema de pensões” e 220,8 milhões de euros dos impostos através de “transferências do Orçamento de Estado, o que corresponde a cerca de 56% daquela compensação”.
E é neste ponto que o acórdão do TC pode deixar uma luz para aquela que pode ser a avaliação que vai fazer da Contribuição de Sustentabilidade. É que esta faz a mesma coisa: vai buscar parte aos pensionistas e parte aos impostos. Isto porque a Contribuição de Sustentabilidade faz parte de um pacote alargado que vai buscar dinheiro ao universo alargado dos contribuintes: através do aumento do IVA em 0,25 pontos percentuais (para 23,25%) e aos trabalhadores através do aumento da taxa social única em 0,2 pontos percentuais (para 11,2%).
A favor desta visão, os juízes lembram no acórdão que tendo em conta as características do nosso sistema, “previdencial”, ele é baseado no princípio “contributivo ou de autofinanciamento”. E por isso, para responder a esse princípio, “a generalidade dos contribuintes é convocada, através dos impostos, a contribuir para o financiamento do sistema” e remata:
“Não é excessivo ou desproporcional que alguns dos beneficiários, que nunca foram sujeitos à CES, possam também contribuir para aquele financiamento, sobretudo numa situação de urgência financeira”.