Um “apoio universal” a fundo perdido e sem concurso, no montante de 42 milhões de euros, foi a principal medida apresentada nesta quinta-feira pela ministra da Cultura em “resposta à pandemia” e ao novo confinamento geral. É um valor adicional aos gastos com a Cultura que já estavam previstos no Orçamento do Estado para 2021, explicou Graça Fonseca.
Em conferência de imprensa a partir do Palácio da Ajuda, em Lisboa — transmitida através de plataformas online e onde também esteve presente o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira —, a titular da pasta da Cultura referiu-se diretamente às críticas das últimas horas sobre o porquê do encerramento compulsivo de espaços e eventos culturais no novo confinamento, enquanto por exemplo as cerimónias religiosas mantêm autorização para se realizar.
Argumentou que nos confinamentos de março e abril de 2020 “em momento algum foi suspenso o direito à liberdade religiosa”, porque “não é possível nos termos da Constituição” — no caso da Igreja Católica, a não realização de missas na primeira vaga da pandemia deveu-se a uma decisão própria da Conferência Episcopal, e não das autoridades, notou Graça Fonseca. A governante acrescentou que Portugal “foi dos poucos países” que nos meses de outubro, novembro e dezembro “manteve os equipamentos culturais abertos” com um “esforço extraordinário” dos agentes da cultura.
Ainda para justificar o fechamento da cultura, contra apelos de diretores de teatro, bibliotecas e outros profissionais do setor, Graça Fonseca acabou por acenar com os números de mortos com covid-19 nos últimos dois dias em Portugal, dizendo que “temos de ficar em casa” e que compreende “bem a frustração e o impacto” do confinamento na cultura.
Em auxílio das explicações, o ministro da Economia fez notar que “a ponderação é difícil” quando se decide quais as atividades que têm ou não ordem para funcionar. Defendeu que as escolas ficam abertas devido ao “custo societário” e ao prejuízo aos alunos em caso de encerramento e sugeriu que a cultura tem de fechar porque o grande objetivo é o de “reduzir o número de contágios e de casos que precisam de cuidados hospitalares”. Por explicar ficou a declaração de 3 de novembro da ministra da Cultura, de que “a cultura é segura” e de que até então não havia registo de contágios em cinemas, teatros ou outros equipamentos culturais.
Coube igualmente ao ministro da Economia abordar a polémica surgida nesta quinta-feira acerca da venda de livros nas grandes superfícies, ao passo que as livrarias com porta para a rua terão mesmo de fechar portas e restringir vendas “ao postigo”. Contra o que nesta quinta-feira tinha sido defendido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), Siza Vieira informou que os supermercados e hipermercados ficam impedidos a partir da próxima semana de vender artigos não-alimentares, porque, sustentou, as “medidas de saúde pública não podem ser medidas de distorção de mercado”.
“Não há qualquer razão para impedir venda de livros nos supermercados”
438 euros para 18 mil profissionais
Na conferencia de imprensa, a titular da pasta da Cultura sublinhou que “este é um tempo absolutamente decisivo para fazer mais e melhor”. Anunciou que vai criar um apoio no montante de 438,81 euros por trabalhador, dirigido a todos os que estão registados junto das Finanças com códigos de atividade (CAE) ou de IRS relacionados com atividades culturais, o que pode abranger cerca de 18 mil pessoas.
O apoio de 438,81 euros será pago apenas uma vez, partindo o Governo do pressuposto de que o encerramento de espaços culturais dura apenas um mês, até 15 de fevereiro (embora uma segunda quinzena de confinamento não esteja ainda decidida). Sobre esta medida em particular, Graça Fonseca explicou que ela tem por objetivo “atenuar ou retirar os impactos” do confinamento.
O montante de 438,81 euros corresponde a um IAS (Indexante dos Apoio Sociais). Ao lado da ministra, Pedro Siza Vieira murmurou que “é acumulável” e Graça Fonseca terminou a frase: “É acumulável com os apoios quer do lado da Segurança Social quer no que diz respeito à renovação do lay-off.” O ministro da Economia voltaria a intervir mais tarde para acrescentar: “Este é um apoio complementar, pago apenas uma vez”, porque além dele “os trabalhadores do setor da Cultura podem recorrer aos apoios que estão à disposição de todos os trabalhadores independentes e informais.”
Quanto aos 42 milhões de euros, sob a designação Programa Garantir Cultura, já estavam previstos antes de se decidir o confinamento, ainda que não estivessem inscritos no Orçamento do Estado para 2021. As verbas provêm parcelarmente de fundos europeus, disse mais tarde ao Observador fonte oficial do Ministério da Cultura.
O Programa Garantir Cultura destina-se a:
“Todas as empresas e entidades coletivas do setor da cultura (teatros, salas de espetáculo, produtores, promotores, agentes, salas de cinema independentes, cineclubes, associações)”
e ainda a “todos os profissionais do setor da cultura (artistas, autores, técnicos)”, informou a ministra.
No primeiro caso, as verbas vão para “entidades que explorem salas de espetáculos ao vivo e de cinema independente, e a produtores, promotores e agentes de espetáculos artísticos”. No segundo caso, para “pessoas singulares e entidades de todos os setores artísticos, para programação cultural, que pode abranger apresentações físicas ou digitais, e respetiva remuneração do trabalho artístico e técnico”. Até à hora de fecho desta notícia não tinha sido possível esclarecer junto do Ministério da Cultura como serão atribuídos os 42 milhões, uma vez que não haverá concursos.
Indo ao encontro de uma reivindicação dos últimos dias de vários profissionais da cultura, Graça Fonseca garantiu que o Governo “decidiu renovar” o decreto-lei de 26 de março do ano passado, para que até 31 de março deste ano seja possível reagendar espetáculos agora cancelados e haja lugar, por parte das entidades públicas (desde logo os teatros nacionais D. Maria II, São Carlos e São João), ao pagamento até 50% do trabalho artístico não realizado.
DGartes sem concursos, ICA repesca concorrentes, livrarias e autores com apoios até 300 mil
A intervenção da ministra serviu ainda para anunciar o cancelamento de todos os concursos da Direção-Geral das Artes em 2021, que são adiados para 2022. No entanto, adiantou, está garantido este ano o apoio de 35 milhões a projetos artísticos por parte da DGArtes, sem concursos, na modalidade “Apoios Sustentados”. Os beneficiários serão quer entidades artísticas já apoiadas em 2020, que as que não receberam nada ou apenas parte dos montantes a que se candidataram. Na modalidade “Apoio a Projetos”, serão atribuídas verbas até 8,4 milhões a 368 entidades não apoiadas em 2020. As estruturas artísticas não-profissionais serão apoiadas pelas direções regionais de cultura (Algarve, Alentejo, Centro e Norte), em valores que oscilam entre 70 e 160 mil euros.
No que se refere ao cinema e ao audiovisual, foi decidido do que o Instituto do Cinema e do Audiovisual terá um reforço de 1,4 milhões para atribuir nos próximos meses a obras e projetos que ficaram de fora dos concursos do ano passado. No caso do museus, serão abertas candidaturas em fevereiro destinadas “essencialmente” à programação dos museus públicos no futuro desconfinamento, o que custará 600 mil euros.
No “apoio a autores, editores e livrarias”, Graça Fonseca falou de três medidas. Um “programa de aquisição de livros a pequenas e médias livrarias” para distribuição pelas bibliotecas públicas, tal como aconteceu em 2020 (300 mil euros). Uma “linha de apoio à edição para editoras portuguesas destinada a comparticipar financeiramente o custo de edição dos livros” (300 mil euros). E novo reforço das bolsas de criação literária (12 anuais, de 15 mil euros cada; e 12 semestrais, de 7.500 euros).
A música, por seu lado, não teve direito a quaisquer verbas. A ministra apenas anunciou o “aumento da quota de música portuguesa nas rádios”, fixando-a em 30%, contra os atuais 25%.