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Não é um assunto de agora, mas foi a partir do fim de semana passado que se intensificou: primeiro soube-se que a Microsoft queria comprar o TikTok; depois Donald Trump ameaçou banir a app; na sequência da ameaça as negociações entre as duas empresas foram suspensas; horas depois o presidente dos EUA e o presidente da Microsoft chegaram a acordo — a tecnológica iria seguir as recomendações de Trump e o Tesouro norte-americano ficaria com uma parte do negócio — e as conversas entre as duas empresas foram retomadas.
Na segunda-feira, da Casa Branca, chegou nova ameaça: se não houver solução para a rede social chinesa até 15 de setembro, a app é mesmo banida do país. Nisto, a Microsoft mostra-se confiante com o prazo e as negociações entre as duas empresas continuam, agora com um detalhe: já não envolvem apenas a compra da operação americana da app, envolvem também o mercado canadiano, australiano e neozelandês. Mas não se fica por aqui.
Na quinta-feira, um artigo do Financial Times foi mais longe e avançou que, afinal, a tecnológica americana queria comprar todas as operações do TikTok no mundo (exceto na China). Vai daí, Donald Trump dá mais um passo e faz o que já tinha ameaçado: assina um decreto que proíbe qualquer negociação com a ByteDance(empresa mãe do TikTok) num prazo de 45 dias, ou seja, até meados de setembro.
Foi demasiado confuso? Não se preocupe. Abaixo, em sete perguntas e respostas explicamos tudo o que está em causa naquele que promete ser um dos negócios mais marcantes da indústria tecnológica.
Antes de entrarmos nas negociações, uma clarificação: o que é o TikTok?
O TikTok é uma rede social de partilha de vídeos curtos (até 15 segundos), que pertence à ByteDance, empresa tecnológica chinesa fundada em 2012 por Zhang Yiming, que é, atualmente, o unicórnio (empresa privada avaliada em mais de mil milhões de dólares) mais valioso da história. Segundo o ranking da CB Insights, uma base de dados de investimento em capital de risco, a ByteDance está atualmente avaliada em cerca de 140 mil milhões de dólares (117 mil milhões de euros). Só para ter uma ideia, quando o Facebook foi admitido na bolsa nova-iorquina (IPO) entrou com um valor de mercado de 104 mil milhões de dólares, representado, à data, (2012) o maior IPO da história da indústria tecnológica.
Quatro anos depois de ter nascido, em 2016, a ByteDance lançou a app Douyin — nome sob o qual o TikTok opera no mercado chinês –, lançando a versão ocidental para sistema operativo Android e iOS no ano seguinte. Em agosto de 2018, o TikTok ficou disponível no mundo todo, depois de a ByteDance ter comprado outra app de vídeos, a Musical.ly. Atualmente, estão as duas apps em circulação: a Douyin, na China, e o TikTok no resto do mundo. A liderar a marca TikTok está o americano Kevin Mayer, que antes já tinha sido responsável pelos serviços de streaming da Disney. Além de ser presidente executivo do TikTok, Mayer é também responsável pelas operações da empres mãe, a ByteDance.
Muito popular entre adolescentes, o TikTok foi ganhando terreno um pouco por todo o mundo nos últimos dois anos, apesar de as dúvidas que iam surgindo acerca da sua segurança. Em novembro de 2019, por exemplo, a ByteDance foi processada nos EUA por suspeitas de armazenar e vender dados de utilizadores menores a outras empresas, “pelo menos desde 2014”. No início de 2020, também a empresa de cibersegurança israelita Checkpoint revelou que a app tinha tido, no ano anterior, falhas de segurança graves, que permitiam que os dados pessoais dos utilizadores pudessem ser roubados e manipulados.
Apesar das preocupações em matéria de proteção de dados, com a pandemia de Covid-19 e as pessoas em confinamento obrigatório em muitos países, a app viu crescer o número de utilizadores substancialmente. Em agosto de 2020, eram mais de mil milhões as pessoas que usavam a app, e, em maio de 2020, as estimativas apontavam para que a app já tivesse sido alvo de aproximadamente 2 mil milhões de downloads. Só nos EUA, a aplicação conta com cerca de 80 milhões de utilizadores ativos mensalmente
Porque é que Trump quer banir a app dos EUA?
Porque afirma que está a ceder dados dos utilizadores norte-americanos ao governo chinês, servindo a ByteDance como veículo para que Pequim vigie o que se passa nos EUA, monitorizando e distribuindo propaganda. Já a 7 de julho, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, tinha dito numa entrevista à Fox News que a administração Trump estava a “levar a sério a possibilidade” de restringir o acesso dos utilizadores norte-americanos ao TikTok.
Nessa altura, a Índia já tinha decidido proibir a app, por considerar a aplicação “prejudicial à soberania e à integridade” do país. As acusações eram claras: o governo indiano alegava que o TikTok estava a ser usado para “roubar e transmitir clandestinamente e sem autorização dados dos utilizadores para servidores localizados fora da Índia”. A Austrália está também a considerar adotar a mesma medida. E, a 17 de julho, nova confirmação: segundo o Financial Times, o governo estaria a considerar colocar o Tik Tok numa lista negra, tal como já tinha feito em 2019 com a empresa (também chinesa) Huawei.
De acordo com uma fonte da Casa Branca, além de impedir que os norte-americanos usassem a aplicação, a iniciativa também faria com que o governo chinês parasse de recolher dados de cidadãos através desta app, como Trump acredita que faz. Se esta medida entrar em vigor, a Apple e a Google, que detêm os sistemas operativos móveis iOS e Android, respetivamente, também passariam a estar impedidas de disponibilizar atualizações para a rede social nas suas lojas de aplicações oficiais. Em resposta,a ByteDance tem vindo a negar consecutivamente qualquer envolvimento com o Governo chinês e comprometeu-se a “avaliar mudanças”.
EUA consideram pôr Tik Tok na mesma lista negra em que está a Huawei
Mas agora há uma ordem executiva com um prazo de 45 dias. Como chegámos aqui?
Há muito que as apps chinesas estão debaixo de olho dos americanos — não só do presidente como também das empresas tecnológicas. Mas a decisão de proibir o TikTok ocorre num momento especialmente tenso entre os dois países, estando no origem dessa crispação temas como da guerra comercial e a forma como Pequim lidou com surto do novo coronavírus. No final do mês de julho, a bordo do Air Force One, o presidente dos EUA disse aos jornalistas que não era a favor de um negócio que vendesse o TikTok a uma empresa americana.
“Em relação ao TikTok, vamos bani-lo dos EUA. Tenho autoridade para fazer isso. Posso fazê-lo assinando uma ordem executiva”, afirmou. E menos de uma semana depois, assinou mesmo. Na quinta-feira, Donald Trump assinou um decreto que proíbe todas as transações de empresas americanas com a ByteDance e que entra em vigor daqui a 45 dias, ou seja, a meados de setembro. Para levar avante esta ordem — que também engloba a plataforma WeChat, que pertence outra gigante chinesa, a Tencent –, o presidente evocou motivos de “emergência nacional”.
https://observador.pt/2020/08/07/incendio-de-forte-intensidade-em-mirandela-leva-ao-corte-da-a4-e-da-en15-6/
O Senado norte-americano (controlado pelos Repubicanos) também aprovou por unanimidade, na quinta-feira, um projeto de lei que proíbe o descarregamento e a utilização do TikTok em qualquer dispositivo emitido pelo Governo aos seus funcionários ou membros do Congresso. O projeto de lei ainda terá ainda de ser aprovado pela Câmara dos Representantes , que tem uma maioria democrata, para que Trump o possa promulgar. Mas também os democratas têm mostrado várias reservas em relação à app.
Também Chuck Schumer, líder do Partido Democrata no Senado, tinha aplaudido, em novembro de 2019, a instauração de uma investigação à rede social chinesa. O senador afirmava que este tipo de apps “armazena um conjunto enorme de informações pessoais que são acessíveis a governos estrangeiros, podem representar graves riscos para milhões de americanos”. Ou seja, na luta contra o TikTok as duas alas do congresso e do senado parecem estar unidas.
E o que é o TikTok diz destas acusações?
O TikTok tem vindo a negar consecutivamente as acusações do governo dos EUA e, para acautelar possíveis problemas, a Bytedance já tinha dito que estava a considerar separar o TikTok do resto da empresa, criando um nova estrutura fora da China. Tendo em conta as recentes ameaças de Trump, a diretora-geral da app para os EUA, Vanessa Pappas, veio garantir que a rede social não planeava “ir a lado algum” e que estava orgulhosa dos 1.500 trabalhadores que tinha nos EUA e dos 10 mil empregos que queria criar nos próximos três anos.
Na sequência da ordem executiva assinada na quinta-feira por Donald Trump, a liderança do TikTok emitiu um comunicado de imprensa, no qual sugere que vai processar o governo nos EUA e que resolverá esta questão nos tribunais. Afirmando estar “chocada” com a decisão de Trump, a app tenta deixar claro que “nunca compartilhou dados de utilizadores com o governo chinês, nem censurou conteúdo a seu pedido”.
“Estamos chocados com a recente ordem executiva, que foi assinada sem que tenha havido aqui um processo devido. Durante quase um ano, tentámos envolver-nos com o governo dos EUA, de boa fé, para chegarmos a uma solução construtiva tendo em conta aquelas que eram as preocupações expressas [por Trump]. Em vez disso, o que encontrámos foi que a administração não prestou atenção nenhuma aos factos, ditou os termos de um acordo sem passar por processos legais padrão e tentou inserir-se em negociações que estão a decorrer entre empresas privadas”, lê-se no comunicado.
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Os líderes do TikTok afirmam que deixaram as suas intenções de forma clara ao governo norte-americano. Queriam “desenvolver uma solução” que beneficiasse os utilizadores, criadores, parceiros, funcionários e a comunidade mais ampla nos EUA. E que disponibilizam as diretrizes de moderação e código fonte do algoritmo no seu centro de transparência, “que é um nível de responsabilidade com o qual nenhuma empresa semelhante se comprometeu”.
“Não houve, e continua a não haver, nenhum processo legal devido ou adesão a alguma lei. O texto da decisão deixa claro que houve uma confiança em ‘relatórios’ sem nome sem citações e receios de que a aplicação ‘possa ser’ usada para campanhas de desinformação sem fundamentação de tais medos e preocupações com a recolha de dados, que é o padrão da indústria para milhares de aplicações móveis no mundo todo”, lê-se no comunicado.
A app chinesa vai mais longe e diz que esta ordem executiva “abre um precedente perigoso” para o conceito de liberdade de expressão e de mercados abertos. “Vamos procurar todos os recursos disponíveis para conseguirmos garantir que o Estado de Direito não é descartado e que nossa empresa e utilizadores são tratados de forma justa — se não for pelo governo, então pelos tribunais dos EUA.”
Falando num universo de 100 milhões de americanos, o TikTok reafirma que nunca hesitou no compromisso que tem com a sua comunidade. “Como utilizadores, criadores, parceiros e familiares do TikTok, vocês tem o direito de expressar as suas opiniões sobre os representantes eleitos, incluindo sobre a Casa Branca. Vocês têm o direito de ser ouvidos”, lê-se no comunicado.
O governo chinês também já reagiu e fala em “manipulação política e repressão” por parte das autoridades americanas. Em conferência de imprensa, o porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Wengbin, acusou Washington de “colocar os seus interesses egoístas acima dos princípios do mercado e das regras internacionais”. Os EUA “exercem uma manipulação política arbitrária e repressão, que só podem levar ao seu próprio declínio moral e danificar a sua imagem”, acrescentou.
Governo chinês denuncia “repressão” após medidas dos EUA contra apps chinesas
Como é que a Microsoft entra nisto: há negócio ou não?
Segundo o decreto, os negócios com a empresa chinesa só ficam inviabilizados a partir do prazo de 45 dias, ou seja, por volta de 20 de setembro. Por isso, à partida, ainda podem estar a decorrer. Percebendo a tensão geopolítica e a abertura do TikTok em desmantelar as operações da app, na sexta-feira passada, o Wall Street Journal revelou que a Microsoft estava em negociações para comprar a rede social chinesa, numa negócio que ficaria avaliado em dezenas de milhares de milhões de dólares.
Depois de Trump se ter mostrado cético em relação ao negócio e ter ameaçado (outra vez) banir a app, as negociações foram suspensas. Mas Satya Nadella, presidente da Microsoft, não desistiu e no próprio dia conversou com o presidente dos EUA para tentar encontrar uma solução. Mais tarde, esta gigante tecnológica emitiu um comunicado de imprensa comprometendo-se a ter em conta as preocupações de Donal Trump em relação à rede social.
“A Microsoft aprecia completamente a importância de abordar as preocupações do Presidente. Ele está comprometido em adquirir o TikTok, sujeito a uma revisão completa da segurança e a fornecer benefícios económicos adequados aos Estados Unidos, incluindo o Tesouro dos Estados Unidos”, lê-se na publicação do blogue da Microsoft.
No mesmo texto, a tecnológica confirmou que estava a negociar a compra do TikTok não só nos Estados Unidos, mas também no Canadá, Austrália e Nova Zelândia. “Essa nova estrutura basear-se-á na experiência que os utilizadores do TikTok atualmente mais gostam, além de adicionar proteções de segurança, privacidade e segurança digital de classe mundial”, disse a Microsoft numa publicação.
Mais tarde, o presidente dos EUA impôs uma data limite para se encontrar uma solução para a rede social: 15 de setembro. E, segundo a CNBC, a Microsoft mostrou-se confiante em cumprir com o prazo estipulado e assegurou que conseguia levar o código da app da China para os EUA num ano. Mais: depois de o presidente dos Estados Unidos ter afirmado que um negócio desta ordem teria de envolver também o Tesouro do país — que ficaria com parte do negócio –, também já se sabe que Steve Mnuchin, secretário do Tesouro norte-americano, tem estado “profundamente envolvido” nas conversas entre as duas empresas.
Depois de a CNBC ter avançado que este negócio poderia oscilar entre os 10 mil e os 30 mil milhões de dólares, o Financial Times revela que, afinal, a Microsoft quer mesmo ficar com o negócio todo da aplicação — e não apenas com o mercado americano, australiano, canadiano e neozelandês. Ou seja, inclui a Europa e Índia, contaram cinco fontes à publicação financeira. De fora do negócio ficaria só as operações na China.
Mas o Facebook também já lançou um concorrente, não foi?
Lançou. Há muito que o Facebook tem mantido o TikTok debaixo de olho, porque é uma app que compete diretamente com o Instagram — rede social que a empresa liderada por Mark Zuckerberg comprou em 2012 por mil milhões de dólares. E, na quarta-feira, a maior rede social do mundo lançou o Reels, uma ferramenta do Instagram que copia toda a experiência que o utilizador já tinha na app chinesa.
No Instagram, os vídeos também têm a duração máxima de 15 segundos e os utilizadores têm nas suas mãos o mesmo tipo de ferramentas de edição. Com uma vantagem — chama a si a comunidade de utilizadores que o Instagram já tem, porque, para usar o Reels, não é preciso instalar mais nada.
Instagram lançou ferramenta Reels. Será este um potencial rival da TikTok?
Apesar de só ter sido lançada a 5 de agosto, a Reels já estava a ser testada noutros mercados, como Brasil, França ou Índia, há alguns meses. “No Brasil adoravam as ferramentas criativas mas queriam que tivesse um formato mais permanente do que as Stories”, explicou Tessa Lyons-Laing, uma das diretoras desta ferramenta. Os vídeos podem ser realizados em direto, mas os utilizadores também podem partilhar vídeos antigos. Quem quiser tornar os seus reels permanentes, pode adicioná-los a um dos destaques.
Quando um Reel tiver muito destaque por parte da comunidade, o utilizador recebe uma notificação da rede social, porque “a equipa está responsável por rever os Reels públicos e selecionar os mais divertidos ou culturalmente relevantes”.
Não é a primeira vez que o Facebook copia a concorrência. Depois de várias tentativas falhadas para comprar a app rival Snapchat, em 2016, Mark Zuckerberg lançou na aplicação as stories, publicações que desaparecem em 24 horas, tal como na app rival.
O próprio Instagram também foi uma aquisição que ainda hoje dá que falar. Em 2012, Mark Zuckerberg comprou a rede social por mil milhões de dólares, mas o negócio permanece atual o suficiente para na semana passada ter feito parte das perguntas que o Congresso norte-americano fez ao milionário.
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E agora o que se segue para a Microsoft e o TikTok?
À partida, se as negociações ficarem concluídas (com a Microsoft ou outra empresa grande americana) a experiência que os utilizadores têm com a aplicação deverá continuar a ser muito semelhante ao que é atualmente. Mas, para a Microsoft, há muita coisa que muda, porque, ao comprar o TikTok, a empresa fundada por Bill Gates e Paul Allen em 1975 entra pela primeira vez no mercado das redes sociais, competindo diretamente com o Facebook e a Google, que têm sido acusados de monopólio nos mercados em que operam.
No final de julho, os líderes destas duas tecnológicas estiveram durante mais de cinco horas a serem interrogados pelo Comité Judiciário da Câmara dos Representantes, juntamente com Jeff Bezos (Amazon) e Tim Cook (Apple), no âmbito de uma investigação que está em curso desde junho de 2019. Em causa estão eventuais abusos de posição dominante nos mercados em que operam.
Segundo o Recode (publicação tecnológica americana), o Microsoft tem experiência em comprar empresas de sucesso, como aconteceu quando comprou o videojogo Minecraft em 2014 e a plataforma para programadores GitHub, em 2018. O The Wall Street Journal também já avançou que a Microsoft poderá adquirir a app chinesa com a ajuda de mais investidores americanos, mas não se sabe quais. Segundo a Reuters, este negócio pode ser superior a 50 mil milhões de dólares.
Como escreve o Marketwatck, se a Microsoft conseguir de facto comprar a app chinesa, esta será a aposta mais arriscada da era de Satya Nadella, que lidera a tecnológica desde 2014. Contudo, terá mais a ganhar do que perder. Até à data, a empresa que é a cada mãe do sistema operativo Windows tem evitado estar nos holofotes das polémicas políticas, mas com um negócio desta ordem passará a ter de entrar num campo que não é só empresarial e negociar diretamente com a Casa Branca.