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No passado dia 6 de Setembro cumpriram-se 500 anos sobre a data em que a nau Victoria, comandada por Sebastián Elcano, chegou à vista de Sanlúcar de Barrameda, no estuário do Guadalquivir, de onde zarpara, quase três anos antes. A nau encontrava-se num estado lastimável, tal como os seus 18 tripulantes, atestando a dureza das provações a que tinham sido submetidos ao longo de uma viagem de 86.000 Km em torno do mundo – eram os derradeiros sobreviventes dos cinco navios e 270 tripulantes que tinham integrado a Armada del Maluco, que zarpara de Sanlúcar de Barrameda a 20 de Setembro de 1519, sob o comando de Fernão de Magalhães.

Réplica na nau Victoria, Punta Arenas, Chile

O facto de Magalhães ser português e de a expedição ter sido promovida pela Coroa espanhola e completada sob comando espanhol (basco, se quisermos ser rigorosos) tem suscitado polémica entre historiadores e patriotas portugueses e espanhóis, com cada um dos lados a pretender apoucar o contributo do outro (ver Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir). Como muitos dos numerosos livros sobre a viagem de Magalhães/Elcano são da autoria de portugueses e espanhóis, poderia ser enriquecedor considerar a expedição de Magalhães-Elcano a partir de um ponto de vista “neutro”, o do historiador italiano David Salomoni (investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), de quem a Vogais acaba de publicar Fernão de Magalhães: A primeira viagem de circum-navegação (Magellano: Il primo viaggio intorno al mondo), com tradução de Carlos Aboim Ribeiro.

A capa de “Fernão de Magalhães: a primeira viagem de circum-navegação”, de David Salomoni (Vogais)

A partilha do mundo

Escreve Salomoni que “a racionalidade e a lucidez política com que [o Tratado de Tordesilhas] foi concluído sugerem ao leitor actual uma modernidade inesperada, uma visão geopolítica estendida a horizontes globais […], quase uma antecipação dos blocos Leste-Oeste da Guerra Fria”, mas adverte o leitor para não se deixar cair em “ingénuos anacronismos” (pg. 46-47).

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Na verdade, o Tratado de Tordesilhas (1494), tal como o seu predecessor, o Tratado de Alcáçovas (1479), e as várias bulas papais que enquadraram estes tratados e legitimaram as pretensões territoriais de Portugal e Espanha – a começar pelas bulas Dum diversas (1452) e Romanus pontifex (1455), de Nicolau V –, pouco têm de moderno. São antes resquícios da mentalidade medieval europeia, em que o papa se arvorava em autoridade suprema e universal (ver capítulo “Bulas e tratados para repartir o mundo” em Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir). Na verdade, as explorações de portugueses e espanhóis estavam, nesse preciso momento, a confirmar a caducidade da mundividência medieval eurocêntrica, demonstrando que a Europa fazia fraca figura perante as riquezas, a sofisticação civilizacional e as populosas cidades da Ásia e revelando a existência de todo um continente desconhecido dos europeus e a que as omniscientes Sagradas Escrituras não faziam alusão: a América.

Para mais, vários outros países europeus contestaram a prepotente divisão do globo entre Portugal e Espanha, promovendo viagens de exploração, instalando feitorias e colónias e atacando os navios das Coroas ibéricas. Em 1540, Francisco I de França, dirigindo-se ao imperador Carlos V (Carlos I de Espanha), deixou claro quão absurdo considerava o Tratado de Tordesilhas: “O Sol aquece-me tanto como aos outros e teria todo o gosto em ver o testamento de Adão, para saber como repartiu ele o mundo”.

Nice, 1538: Francisco I de França (à esquerda) e o imperador Carlos V (à direita) selam com um aperto de mão a Trégua de Nice, que pôs termo à guerra franco-espanhola de 1536-38, um dos muitos conflitos entre os dois monarcas. O quadro, de Taddeo Zucari, é uma fantasia amável, já que Francisco I e Carlos V se recusaram terminantemente a encontrar-se frente a frente e o papa Paulo III teve de fazer de intermediário

O repúdio do duopólio luso-espanhol ganhou ainda maior força quando a Reforma protestante levou a que a maior parte da Europa setentrional deixasse de reconhecer qualquer autoridade ao papa. Culminando este processo, em 1609, o livro Mare liberum, do holandês Hugo Grotius, desmontava, mediante detalhada argumentação jurídica, o conceito de “mare clausum” em que assentava a partilha do globo entre Portugal e Espanha (ver capítulo “Amesterdão, 1609: Mare clausum vs. Mare liberum” em Um Portugal vs. Holanda com quatro séculos e outros duelos: Comércio livre e proteccionismo, parte 2).

Na partilha do mundo entre Portugal e Espanha foi dada capital atenção à delimitação na fronteira no Atlântico e João II fez questão, nas negociações que conduziram ao Tratado de Tordesilhas (1497), de a mover 270 léguas (1350 Km) para Ocidente, possivelmente para assegurar que o hemisfério português incluísse o Brasil (ainda que, à data, este ainda não tivesse sido descoberto oficialmente). Na altura, não houve preocupação em definir a localização do anti-meridiano, pois ninguém na Europa fazia ideia da geografia da Ásia Oriental e Austronésia.

O Meridiano de Tordesilhas surge claramente assinalado no Planisfério de Cantino, quase certamente uma cópia clandestina de um mapa português, que Alberto Cantino, um agente do Duque de Ferrara, enviou em 1502 ao seu “patrão”.

Planisfério de Cantino

O Planisfério de Cantino, embora possa classificar-se como “state of the art”, uma vez que compila informação sobre as mais recentes descobertas dos navegadores ao serviço das coroas ibéricas, ainda não assume que a América é um continente (representa-a de forma fragmentária) e é extremamente vago e impreciso sobre a parte do continente asiático a oriente da Índia – assim sendo, não é de estranhar que não represente o anti-meridiano de Tordesilhas. Este só se tornaria num assunto primordial quando os portugueses descobriram que a fonte exclusiva das especiarias mais valiosas – noz-moscada e cravo-da-índia – eram as ilhas de Banda, no arquipélago das Molucas, que se situavam nas paragens do anti-meridiano (ver capítulo “As celebérrimas Ilhas Molucas” em Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir).

O que fazia correr Magalhães?

Um dos aspectos centrais na história da primeira viagem de circum-navegação são os motivos que terão levado Fernão de Magalhães a “trair” o seu país e a oferecer os seus préstimos à Coroa espanhola. Escreve Salomoni: “A ruptura definitiva entre Fernão de Magalhães e D. Manuel I não foi apenas causada pelo falhado aumento da moradia [tença], mas pela definitiva recusa de apoiar o seu projecto de alcançar as Molucas [por ocidente]. Por que razão iria D. Manuel I pôr em risco as já complicadas relações com Espanha tentando abrir uma nova e difícil rota oceânica?” (pg. 53-54).

A questão levantada por Salomoni é pertinente, embora seja por vezes descurada quando se relata o desaguisado entre Magalhães e Manuel I. Com efeito, uma vez que as duas coroas ibéricas tinham acordado, após laboriosas negociações, nas condições da partilha do mundo entre si e certamente tinham despendido dinheiro e movido influências para obter da Santa Sé a ratificação dessa partilha, o projecto que Magalhães apresentou insistentemente a Manuel I era completamente insensato, uma vez que a maior parte da rota proposta se desenrolaria no hemisfério atribuído a Espanha, quando Portugal já tinha em operação uma rota que se desenvolvia exclusivamente no seu hemisfério. Também não se compreende a razão de Magalhães ter recrutado o astrónomo e matemático Rui Faleiro para sustentar a sua proposta junto do rei, pois pouco importava se as Molucas ficavam para ocidente ou oriente do anti-meridiano de Tordesilhas se o caminho para elas se fizesse por águas que o Tratado de Tordesilhas interditava à navegação portuguesa. Mesmo que não houvesse atritos anteriores a ensombrar a relação entre Manuel I e a dupla Magalhães/Faleiro – e havia-os! – é compreensível que o rei português quisesse ver aqueles dois lunáticos pelas costas quanto antes (ver capítulo “Magalhães: A rejeição em Portugal” em Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir).

Já para Carlos V, a proposta de alcançar as Molucas por Ocidente fazia sentido e por isso a apoiou, certamente fiando-se nos cálculos apresentados por Faleiro que “mostravam” que as Molucas ficavam no hemisfério espanhol – embora na audiência com Manuel I tivesse afirmado o contrário. Esta contradição deveria servir para nos deixar de sobreaviso quanto à personalidade e à real autoridade científica de Rui Faleiro

A viagem de Magalhães/Elcano

Tal como fazem outros relatos da viagem da Armada del Maluco, Salomoni assume que um dos principais da missão seria determinar em que hemisfério de influência se situavam as Molucas, mas essa assunção é minada por várias questões. Quão definitiva seria essa medição atendendo ao elevado grau de imprecisão das técnicas de cálculo de longitude então disponíveis? E que autoridade teria uma hipotética medição feita por Magalhães que atestasse que as Molucas eram espanholas se os portugueses que comerciavam com aquelas ilhas retorquissem que as suas medições provavam o contrário? Se Carlos V pretendia mesmo apurar se as Molucas eram espanholas ou portuguesas, não seria mais expedito e eficaz (e muito menos dispendioso para a Coroa espanhola) acordar com o monarca português no envio de uma comissão luso-espanhola de cosmógrafos, cartógrafos e matemáticos numa das naus portuguesas que demandavam regularmente as Molucas?

Detalhe de mapa elaborado em Veneza, em 1544, pelo cartógrafo Battista Agnese, representando o Estreito de Magalhães: “c. deseado” é o Cabo Desejado, assim baptizado por Magalhães por marcar a saída do longo e tortuoso estreito

“O momento da verdade”

Salomoni confere exorbitante ênfase e dramatismo à determinação da longitude das Molucas: “Os últimos anos da vida de Fernão de Magalhães, marcados por dificuldades, perigos, renúncias e ameaças, tiveram como principal objectivo verificar este dado singular” (pg. 127). Porém, esse “momento da verdade” (como lhe chama Salomoni) não teve lugar nas Molucas – onde, aliás, Magalhães nunca chegou. A 17 de Março de 1521, após a extenuante travessia do Pacífico, a armada ancorara junto à ilha de Homonhon, na franja oriental das Filipinas, um arquipélago até então desconhecido dos europeus e cuja posição relativamente às Molucas era, consequentemente, também desconhecida. Assim sendo, mesmo que, por hipótese, fosse possível medir exactamente a longitude de Homonhon, esta nada provaria quanto à longitude das ilhas de Banda (hoje sabemos que a primeira se situa a 125º 44’ E e as segundas por volta de 129º 55’ E).

Salomoni não de deixa atrapalhar pela lógica e escreve: “Chegados a este ponto, Fernão de Magalhães e os seus cosmógrafos sabiam [sic] que estavam nas proximidades do meridiano em que se encontrava a ilha de Ternate [127º 22’ E], uma das jóias das Especiarias. A presença de nativos de índole pacífica, juntamente com a adequação da posição geográfica, tornava as ilhas de Homonhon e Suluan o lugar ideal para proceder ao delicado cálculo da longitude” (pg. 127). Só pode concluir-se que os métodos de cálculo da longitude eram mesmo delicadíssimos, uma vez que podiam ser afectados pelo estado de espírito dos habitantes da região…

Duas páginas depois, o leitor é brindado com este psicologismo de pacotilha: “A possibilidade de um falhanço estava certamente presente na mente de Fernão de Magalhães, mas aquela viagem revelara-se tão plena de desagradáveis imprevistos que talvez, desta vez, os factos pudessem dar-lhe razão” (pg. 129). Terá Salomoni obtido acesso à mente de Magalhães ou será este raciocínio pueril uma “liberdade poética” do autor?

Salomoni escreve que o piloto e astrónomo Andrés de San Martín (que substituíra o cada vez mais intratável e desequilibrado Rui Faleiro antes da partida da expedição) determinou que “Suluan [que se situa muito perto de Homonhon] se encontra a 189º do meridiano de Tordesilhas, por sua vez a 47º a oeste do de Greenwich. O erro desta medida é de apenas 2º 30’, uma precisão que permaneceria inigualada durante mais dois séculos” (pg. 129).

Não é preciso ser-se versado em estatística para contrapor que é impossível avaliar a precisão dos métodos empregues por San Martín apenas com base numa medição – um acerto isolado pode ser apenas uma questão de sorte. O historiador uruguaio Rolando Laguarda Trías estudou as várias medições de longitude realizadas por San Martín ao longo da expedição de Magalhães e concluiu que estas foram, em média, muito mais precisas do que as realizadas pelos astrónomos do seu tempo – um dado crucial que Salomoni omite e que deixa desamparada a sua argumentação em favor da precisão de San Martín. Mas Salomoni incorre ainda noutra falha argumentativa: hoje sabemos (se dermos crédito a Laguarda Trías) que as longitudes calculadas por San Martín eram invulgarmente precisas, mas esse é um conhecimento a posteriori – já Magalhães não tinha meio de comprovar a precisão dessas longitudes.

Magalhães pereceu na ilha de Mactan, a 27 de Abril de 1521, às mãos de filipinos, e San Martín teve destino similar, quatro dias depois, na ilha (adjacente) de Cebu, ainda muito longe das Ilhas das Especiarias. A armada acabaria por chegar às Molucas, a 8 de Novembro, após peripécias várias, mas Salomoni – como outros autores que se debruçaram sobre o tema – não menciona a realização de medições de longitude nesse local: ou seja, faz-se grande alarido em torno de uma medição necessariamente aproximativa, ainda a 1500 Km do destino, e quando se alcança este, o cálculo da longitude parece deixar de ter importância (San Martín falecera entretanto, mas a expedição incluía outros peritos capazes de tais cálculos).

Os cálculos dos astrónomos vs. a política real

Uma prova adicional de que as medições de longitude realizadas por San Martín à chegada às Filipinas tinham uma importância relativa é o facto de Antonio Pigafetta (um dos 18 sobreviventes do Victoria e autor do mais difundido relato da expedição, A primeira viagem em redor do mundo) ter registado nas suas notas que Suluan se situava 162º a oeste do meridiano de Tordesilhas, o que colocaria as Filipinas e as Molucas inequivocamente no hemisfério espanhol. Salomoni atribui a motivações “de natureza política” o contraditório testemunho de Pigafetta, que seria confirmado “pelos 18 sobreviventes no momento da chegada a Sevilha em 1522”. É assim, candidamente, que Salomoni esvazia 1) a sua afirmação de que o principal fito de Magalhães seria apurar rigorosamente a longitude das Molucas e 2) o empolamento dramático com que rodeou a medição da longitude por Andrés de San Martín. A verdade é que todos os envolvidos estavam conscientes de que as medições de longitude eram imprecisas e Espanha insistiria sempre em reclamar a posse das Molucas, apoiando-se em dados falsificados no caso de as coordenadas apuradas pela expedição de Magalhães não serem favoráveis à sua pretensão.

Foi precisamente o que Carlos V fez, propondo a João III (que, entretanto, sucedera a Manuel I) a realização de uma conferência de sábios dos dois reinos, reunida em território neutro, para determinar a quem caberiam as Molucas. Esta conferência, que teve lugar em 1524 e ficou conhecida como “Junta de Badajoz-Elvas”, não chegou a conclusão alguma (como seria de esperar!), e Carlos V aproveitou o impasse para enviar uma segunda e terceira armadas pela mesma rota da Armada del Maluco (ver capítulo “As outras Armadas das Molucas” em Magalhães e a viagem que Portugal tentou impedir).

Nos anos seguintes, os casamentos acordados entre as casas reais portuguesa e espanhola e a alteração de prioridades na política externa de Carlos V levaram a que este, pelo Tratado de Zaragoza, de 1529, abdicasse de reivindicar a sua soberania sobre as Molucas em favor de Portugal, não por reconhecer que a longitude em que se situavam as ilhas colocava estas no hemisfério português, mas a troco de 350.000 ducados de ouro.

Em resumo: aquilo que Salomoni identifica como o “principal objectivo” da vida de Magalhães foi irrelevante na marcha da História. Toda a tensão dramática criada por Salomoni em torno das medições de longitude, que parece não ser mais do que um artifício destinado a dar picante a um livro frouxo e sem novidades de monta.

Mapa-mundo de Battista Agnese (1544), com o trajecto da expedição Magalhães/Elcano assinalado. O mapa foi encomendado por Carlos V, pelo que não é de admirar que as Ilhas Molucas sejam representadas com destaque no extremo ocidental do hemisfério ocidental

Há ainda que referir que a polémica em torno da “posse” das Molucas, quer na época, quer aos olhos dos eruditos e escritores do século XXI, costuma deixar de fora um terceiro actor, nada despiciendo: os habitantes das Molucas. Uma vez que estas ilhas ficavam muito longe da Península Ibérica e o poderio de Portugal e Espanha aí se fazia sentir de forma muito atenuada e intermitente, o comércio da noz-moscada e do cravo-da-índia seria impossível sem a cumplicidade activa dos potentados locais, pelo que o domínio efectivo do comércio com as Molucas resultou, não da capacidade de medir com precisão a longitude, mas da capacidade para firmar alianças sólidas e mutuamente vantajosas com os ditos potentados – e foi neste domínio que Portugal conseguiu marcar pontos decisivos.

Acesso de fervor evangélico seguido de suicídio na praia

O comportamento de Magalhães após chegar às Filipinas é incompreensível: após ter mostrado um foco e uma tenacidade invulgares no trajecto ao longo da costa meridional da América do Sul e através do Pacífico, em vez de rumar de imediato às Molucas, que distavam 1500 Km para sul, para conferir a sua longitude e, eventualmente, embarcar especiarias que permitissem recuperar as vultosas despesas da expedição, Magalhães passou mês e meio a vaguear pelas Filipinas, apesar de estas não terem, obviamente, qualquer interesse comercial para os europeus.

Salomoni também se questiona sobre o bizarro comportamento de Magalhães e pergunta-se “que interesse teria em apoderar-se de ilhas tão pobres, e de ligar estas à Coroa espanhola quando as ricas Molucas estavam tão próximas?”. Mas Magalhães não se limitou a agir como se estivesse desorientado: entreteve-se a promover a fé cristã, a fazer alarde do poderio do rei de Espanha e a imiscuir-se nas quezílias entre tribos locais, o que acabou por conduzir à sua morte, a 27 de Abril, numa escaramuça à beira-mar com habitantes da ilha de Mactan, chefiados por um certo Lapu-Lapu.

Os infames de uns são os heróis de outros: Estátua em Lapu-Lapu City, Ilha de Cebu, um dos vários monumentos que, nas Filipinas, celebram o chefe tribal Lapu-Lapu, “o primeiro asiático a liderar com sucesso uma revolta contra uma invasão estrangeira”

Para Salomoni este é “o momento mais dramático de toda a missão. Depois de ter estabelecido definitivamente [sic] que as Ilhas das Especiarias se encontravam numa latitude [sic] que não permitia inseri-las na esfera de soberania espanhola […], fora também perdido aquele arquipélago que os espanhóis esperavam poder dar ao seu rei e a Deus”.

Além de trocar “longitude” por “latitude”, este trecho é um rosário de falhas de raciocínio:

1) Àquela data, a expedição não estabelecera “definitivamente” a localização das Molucas, uma vez que estava ainda a 1500 Km das Molucas e o cálculo da longitude era falível;

2) Não faz sentido que Magalhães pusesse grande empenho em dar a Carlos V um arquipélago no outro lado do planeta, desprovido de riquezas e habitado por gentes hostis e em embrionário estádio civilizacional, quando quedavam inexplorados no hemisfério espanhol territórios bem mais apetecíveis;

3) Salomoni esquece-se de que, se se presumir que Suluan e as Molucas se situam em longitudes similares, então também as Filipinas pertenceriam ao hemisfério português – por maioria de razão, pois a maior parte deste arquipélago estende-se por longitudes bem a oeste da das Molucas (sobre o destino posterior das Filipinas ver capítulo “Viagem de Fernão de Magalhães” em Quem anda a falsificar a História de Portugal?).

As Filipinas acabariam por cair sob alçada espanhola, mas tal só ganhou forma a partir de 1565, com a chegada de uma expedição comandada por Miguel López de Legazpi (na gravura)

À falta de melhor explicação para o comportamento errático de Magalhães após ter atingido as Filipinas, Salomoni sugere que “na ausência do seu principal objectivo, na confusão e desilusão pelo falhanço, o fervor religioso que habitava o ânimo de Fernão de Magalhães provavelmente prevaleceu. […] Pode ter pensado que talvez a Providência o tivesse conduzido até ali, humilhando as suas aspirações terrenas, para elevar as suas ambições espirituais” (pg. 133). Não existem quaisquer elementos que sustentem uma revelação divina e o despertar de uma súbita vocação evangelizadora em Magalhães, mas compreende-se que Salomoni, tendo-se lançado à empresa de escrever um livro sobre a viagem de Magalhães e não tendo nada a acrescentar a centenas de livros anteriores sobre o mesmo assunto, sinta a necessidade de urdir especulações, por mais desassisadas e infundamentadas que possam ser.

Um pouco mais à frente, Salomoni parece subscrever outra teoria para os devaneios de Magalhães nas Filipinas: “alguns historiadores consideraram que a desilusão pelo falhado sucesso [“falhado sucesso” é um oxímoro estonteante] político da missão, que não pode reivindicar a posse das Ilhas das Especiarias, originou em Fernão de Magalhães uma espiral auto-destrutiva que o conduziu a esta batalha [em Mactan]”, uma tese também endossada por José Gomes Ferreira no descabelado Factos escondidos da História de Portugal, ainda que ela entre em evidente contradição com as teorias conspiracionistas sobre a verdadeira natureza e propósito da expedição tecidas por Ferreira e que fazem de Magalhães um agente secreto de Manuel I (ver capítulo “Viagem de Fernão de Magalhães” em Quem anda a falsificar a História de Portugal?).

A nau Victoria atravessando o Oceano Pacífico (aqui designado como “Mar del Sur”): detalhe de mapa de 1590 por Abraham Ortelius

Que confiança podemos depositar em Pigafetta?

Na escala na Baía de Guanabara, onde hoje se situa a cidade de Rio de Janeiro, escreve Salomoni, “foram muitos os aspectos que atraíram a atenção de [Antonio] Pigafetta, desde os gastronómicos, como as pinhas doces, ou ananases, as batatas e a cana-de-açúcar […]” (pg. 78).

O ananás e a batata são originários da América do Sul, mas a cana-de-açúcar, embora tenha desempenhado um papel crucial na história do Brasil (e ainda hoje seja um do seus principais produtos agrícolas), é originária da Nova Guiné e Índia (ver capítulo “Açúcar” em De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 17: O alimento-dos-deuses e a seda-das-fadas), sendo conhecida na região mediterrânica desde a Antiguidade Clássica. A expansão do Islão implantou a cana-de-açúcar na bacia mediterrânica e, em resultado dos movimentos (inversos) das Cruzadas e da Reconquista, os cristãos europeus herdaram dos árabes o cultivo da planta em Chipre, Creta, Rodes, Sicília e sul da Península Ibérica. A colonização das Canárias (a partir de 1402) e da Madeira (1420), com clima mais favorável à cana-de-açúcar, levou a que esta de tornasse, rapidamente, numa das principais produções destas ilhas. À medida que os portugueses descobriram outras ilhas no Atlântico, a cana-de-açúcar foi também introduzida nos Açores (por iniciativa do Infante D. Henrique), Cabo Verde (onde nunca ganhou expressão) e São Tomé (a partir de 1485).

Que razão tinham, pois, Pigafetta e os seus companheiros para ficarem pasmados com a cana-de-açúcar? Vendo bem, é até duvidoso que em 1519 a cana-de-açúcar já estivesse implantada na região da Baía de Guanabara, uma vez que o início do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil teve lugar em 1516, na feitoria de Itamaracá (Pernambuco), não muito longe do Cabo de Santo Agostinho.

A difusão da cana-de-açúcar para Ocidente

Atente-se na descrição que Pigafetta faz do encontro com os habitantes da embocadura do Rio da Prata: “com uma estatura quase como um gigante […] tinha uma voz semelhante a um touro” e dava “passos tão grandes que nós, mesmo saltando, não podíamos acompanhar-lhe os passos” (pg. 82). Os indígenas encontrados mais a sul, na costa da Patagónia, merecem estas linhas: “Ele era tão grande que lhe chegávamos à cintura” (pg. 97). Salomoni chama, pertinentemente, a atenção para o facto de o relato de Pigafetta estar “contaminado” pelo seu conhecimento da mitologia e de relatos de viagens em terras exóticas e, em particular, “pelas suas leituras precedentes sobre as primeiras explorações e sobre os primeiros contactos entre europeus e índios americanos”.

Não é que Pigafetta fosse um mentiroso compulsivo, acontece é que, no início do século XVI, a distinção entre realidade observada directamente, factos relatados por outrem e pura efabulação, o dever de um cronista para com a objectividade e imparcialidade e o conceito de “fact checking” estavam ainda muito longe de serem integrados na estrutura intelectual de cronistas e historiadores. O mito dos gigantes da Patagónia, por exemplo, persistiria até meados do século XVIII, apesar de, por esta altura, a região já ter sido visitada por largos milhares de europeus – quando chegava a altura de escolher entre relatar o que os seus olhos viam (gente de estatura normal) e perpetuar a lenda iniciada por Pigafetta, os cronistas preferiam a segunda opção.

Um marinheiro inglês oferece pão a um casal de patagões, gravura na edição italiana de 1768 do livro A voyage round the world in His Majesty’s Ship the Dolphin (1767), por John Byron

Assim sendo, todo o cuidado é pouco perante testemunhos de épocas remotas, mesmo que sejam feitos na primeira pessoa. Há factos relatados por Pigafetta que são obviamente falsos, outros que são comprovadamente verdadeiros, outros que coincidem inteira ou parcialmente com outros testemunhos e com o conhecimento actual, e outros cuja veracidade não temos – nem nunca teremos – forma de comprovar. Uma das particularidades mais desconcertantes do relato de Pigafetta é que Elcano “nunca é mencionado nas páginas de A primeira viagem em redor do mundo” (Salomoni, pg. 21), o que levanta uma questão incontornável: como pode dar-se crédito a Pigafetta quando este, por embirração pessoal ou seguindo uma “agenda” que hoje nos escapa, vai ao ponto de suprimir por completo a figura que, embora tenha tido papel apagado no trajecto entre Espanha e as Molucas, chefiou a expedição no regresso a Espanha?

Tabula Novarum Insularam (1540) por Sebastian Münster. Münster atribui o nome de Magalhães ao estreito no sul do continente americano – “Frenum Magaliani” – e adere à denominação dada por Magalhães à extensão de água que os espanhóis tinham começado por designar como “Mar del Sur”: “Mare Pacificum”. Por comparação com o mapa-mundo de Battista Agnese (ver acima), da mesma época, o mapa de Münster é muito mais incipiente e fantasioso – atente-se, por exemplo, no facto de o Japão (“Zipang”) surgir mais próximo da América do que da Ásia

Quem escreve a História?

Se Pigafetta deve ser lido com muitos grãos de sal, Salomoni, embora seja um académico do século XXI, nem sempre merece mais confiança. Afirma ele, na pg. 202, que, após o regresso da Victoria, “ainda no porto de Sanlúcar, Elcano escreveu uma carta ao rei-imperador Carlos V, para lhe dar notícia do seu regresso […]. Na mensagem, o capitão da Victoria anulou em poucas linhas o papel de Fernão de Magalhães, minimizando o seu mérito por ter descoberto a passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico, e depois por ter atravessado aquele mar imenso pela primeira vez na História. Contudo, enfatizou o seu próprio papel na exploração das Molucas”.

Não é verdade: a sucinta carta redigida por Elcano a 2 de Junho de 1522 em Sanlúcar, é objectiva e factual, dá devido mérito a Magalhães (“santa gloria aya”) e às descobertas feitas sobre o comando deste, realça a natureza colectiva do empreendimento (Elcano escreve na primeira pessoa do plural – mas não na forma majestática, entenda-se – e omite o seu próprio nome) e evidencia preocupação com os homens por si comandados, ao solicitar que o rei faça diligências para libertar os 13 tripulantes que tinham sido aprisionados pelos portugueses à passagem por Cabo Verde.

Carta de Elcano a Carlos I, de 2 de Junho de 1522

Pouco depois, Carlos V convidou Elcano a dirigir-se à corte, em Valladolid, a fim de lhe relatar de viva voz as peripécias da viagem, a que se terão seguido explanações perante os peritos da Coroa versados em matérias náuticas, comerciais e jurídicas, e perante o secretário de Carlos V, o flamengo Maximilian van Sevenbergen, mais conhecido pela versão latinizada do seu nome, Maximilianus Transylvanus (e que a tradução portuguesa grafa sistematicamente como “Massimiliano Transilvano”, como se fosse italiano). Deste último encontro brotou a primeira obra publicada sobre a expedição de Magalhães/Elcano, De Moluccis Insulis (“Sobre as Ilhas Molucas”), redigida por Transylvanus e impressa em Colónia em 1523, que “defendia abertamente o projecto imperial espanhol encarnado naquele momento pela figura de Elcano […] e criticava asperamente a conduta de Fernão de Magalhães” (Salomoni, pg. 204-205).

De Moluccis Insulis (1523)

Elcano também terá elaborado um relato da viagem, mas este nunca foi publicado e acabou por perder-se. Pelo seu lado, Pigafetta converteu as detalhadas notas tomadas durante a expedição no livro Relazione del primo viaggio intorno al mondo, que terá sido publicado provavelmente c.1524-25 e que, segundo Salomoni, visava a “reabilitação da memória de Fernão de Magalhães”. A redacção e publicação da Relazione estão envoltas em bruma espessa e não é claro em que medida as versões publicadas e os manuscritos que chegaram aos nossos dias, de que existem variantes em francês e italiano, corresponderão às intenções de Pigafetta. Numa ou noutra versão e com maiores ou menores imprecisões e desvios, o que é certo é que o relato pró-Magalhães de Pigafetta ofuscou o relato anti-Magalhães de Transylvanus e se tornou na principal fonte para os relatos sobre a viagem da Armada del Maluco, sobretudo a partir do momento em que foi publicada, em 1894, uma edição crítica da Relazione que restituirá (tanto quanto possível) o original de Pigafetta.

A Ilha de Timor, segundo gravura incluída no “manuscrito Beinecke”, uma versão em francês do relato de Pigafetta

O papel das mulheres

Elcano não foi o único a ser alvo de uma campanha – razoavelmente nem sucedida – de apagamento. Um dos propósitos assumidos por Salomoni na nota introdutória o livro, foi “dar espaço ao mundo feminino, cujo silencioso contributo nos grandes empreendimentos de descoberta foi ignorado na maior parte das vezes” (pg. 13). Porém, o livro vai avançando sem que se aviste qualquer contributo feminino para as Descobertas, a não ser que se contabilize o trecho em que Salomoni explica por que, quando a Victoria e a Trinidad tomaram rumos diversos em Tidore, nas Molucas, a maioria dos marinheiros preferiu a Trinidad: era “maior, mais tranquilizadora, mais materna” (pg.184).

Só no final do livro surge o sub-capítulo “As mulheres na primeira circum-navegação”, que, todavia, não alberga nenhuma revelação bombástica, para alívio dos leitores mais apegados à tradição, que terão receado deparar-se com a revelação de que Fernão de Magalhães era, afinal, a sua irmã Isabel, vestida de homem e com barba postiça. O autor limita-se a alertar para que, “ao pensar nos protagonistas desta viagem [todos masculinos], não devemos esquecer que as suas vidas eram povoadas por um universo feminino variegado e complexo, feito de mulheres, amantes, mãe, irmãs, filhas, escravas e prostitutas” – Salomoni não menciona as sogras, embora possa imaginar-se que algumas fossem tão insofríveis que pudessem ser factor de peso quando um homem tinha de escolher entre uma viagem por mares desconhecidos e suportar a convivência quotidiana com tal criatura.

Além de lembrar aos mais distraídos (ou misóginos) que já existiam mulheres no século XVI, Salomoni narra as demandas e porfias de algumas viúvas e mães dos tripulantes falecidos durante a expedição para que fossem pagas as pensões a que tinham direito, o que é ilustrativo da secular relutância dos Estados em pagar as pensões que promete aos seus cidadãos. E a isto se resume o espaço prometido às mulheres no início do livro e cujo papel principal parece ser sinalizar o alinhamento do autor com a obsessão pela “igualdade de género” e disposições similares do catecismo “woke” que hoje impera nos media e no meio académico.

Seria preciso esperar mais dois séculos e meio para que uma mulher completasse uma viagem de circum-navegação: foi Jeanne Baret (1740-1807), uma botânica que embarcou na expedição de 1766-69 de Louis Bougainville, disfarçada de homem e na qualidade de assistente do naturalista Philibert Commerçon. Gravura de 1816

Derivas, escolhos e bancos de areia

●“[…] no Índico meridional só surge um remoto e tempestuoso pedaço de terra: a Ilha de Amesterdão” (pg. 18)

É verdade que o Índico meridional não abunda em ilhas, mas há que contabilizar as Cocos (ou Keeling), dois minúsculos atóis. situados 2750 Km a noroeste de Perth, na costa ocidental da Austrália, e 1000 Km a sudoeste de Java e Samatra; as Kerguelen (ou Ilhas da Desolação), 3300 Km a sudeste de Madagáscar; as Ilhas do Príncipe Eduardo, 1900 Km a sudeste da Cidade do Cabo; e as Ilhas Crozet, a 2400 Km a sudeste da costa da África do Sul.

A Ilha de Amesterdão, situada 1300 Km a nordeste das Kerguelen, foi avistada, a 18 de Março de 1522, por Sebastián Elcano, mas este não chegou a desembarcar nem a dar nome à ilha, que só seria reavistada (e baptizada) mais de um século depois, pelo holandês Anthonie van Diemen, em 1633; contudo, seria preciso esperar ainda mais 63 anos para que um pé pisasse pela primeira vez o seu inóspito solo. 90 Km a sul da Ilha de Amesterdão encontra-se a Ilha de São Paulo.

● “[…] a 20 de Novembro de 1519 a armada chegou à proximidades do Cabo de Santo Agostinho […] no nordeste do Brasil. Depois das difíceis vicissitudes enfrentadas […], comandantes e tripulações ansiavam por uma pausa em terra firme para regenerar o espírito e retemperar o corpo. A escala escolhida recaiu na baía em que surge a actual cidade do Rio de Janeiro” (pg. 76)

Embora a redacção deste parágrafo sugira a proximidade entre o Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco) e a Baía de Guanabara, os dois locais distam mais de 2000 Km e, com efeito, a armada de Magalhães só chegou à dita baía a 13 de Dezembro. Ou seja: mais três semanas de mar para quem gastara cinco semanas a navegar das Canárias ao Brasil e “ansiava por uma pausa em terra firme”.

A Baía de Guanabara num mapa francês de 1555

● “[A nau] Santiago era uma embarcação pequena e ágil, adaptada para subir o curso dos rios e, quando muito, enfrentar o mar aberto na presença de navios maiores, mas naquelas  águas agitadas […] era quase impossível de governar” (pg. 95)

Para começar, a Santiago não era muito mais pequena do que os outros navios da armada – 75 toneladas contra 85 da Victoria, por exemplo. Mas o mais desconcertante é a ideia de que a navegabilidade e resistência a ondas, correntes e ventos adversos de uma embarcação seja incrementada na “presença de navios maiores”. É o equivalente a alguém tornar-se automaticamente melhor jogador de ténis na presença de Rafael Nadal.


● “Os estômagos dos marinheiros estavam cada vez mais vazios e os seus membros exaustos. [Magalhães] sabia que não poderia pedir mais se então os esperasse uma desilusão. Era um verdadeiro desafio à sorte. De facto, não havia um precedente capaz de fornecer um pretexto ou uma legítima esperança, nem uma voz ouvida por acaso da boca de algum marinheiro bêbedo nas obscuras estalagens de Lisboa ou Sevilha” (pg.102)

Até um marinheiro bêbedo recomendaria a excisão de florilégios deste jaez.

● “Em 1513, o espanhol Vasco Núñez de Balboa, das costas ocidentais do istmo do Panamá, foi o primeiro europeu a chegar ao […] Oceano Pacífico. A descoberta de Balboa, favorecida pelas temperaturas tropicais, limitou-se a certificar a existência daquele grande mar” (pg. 109)

Balboa toma posse do Mar del Sur em nome da Coroa espanhola, numa gravura de 1897

Serão as explorações mais fáceis e menos meritórias em clima tropical? Salomoni parece pretender enaltecer a travessia das águas frias do Estreito de Magalhães, à custa de desvalorizar a travessia do istmo do Panamá por Balboa – o que equivale a comparar laranjas com maçãs. De qualquer modo, em 1513, atravessar a densa floresta do istmo do Panamá, onde pululavam animais venenosos, tribos hostis e doenças, abrindo caminho a golpes de machete através da vegetação emaranhada, num calor sufocante e húmido e entre nuvens de mosquitos, não é o mesmo que passar uma temporada num resort turístico em Cancún.

● Sobre os contactos de Pigafetta com os habitantes da ilha filipina de Limasawa (Limsava), no final de Março de 1521, escreve Salomoni que “os nativos da ilha eram para ele simultaneamente familiares e desconhecidos. A sensação experimentada deve ter sido semelhante à de alguém que se observa ao espelho depois de ter esquecido a aparência das suas feições” (pg.135). De cada vez que, ao longo do livro, Salomoni se desvia do relato factual e introduz a sua perspectiva é para produzir frases abstrusas, comparações descabidas, especulações espúrias, floreados pseudo-literários e raciocínios periclitantes.