“Carlos, vamos apresentar um candidato próprio”. Na manhã deste sábado, pouco antes de anunciar o candidato a Lisboa na Praça do Município, João Cotrim Figueiredo ligou a Carlos Moedas para o avisar que não iria contar com o apoio da Iniciativa Liberal na corrida à câmara de Lisboa. Os dois entenderam-se, foram conversando ao longo da última semana, mas os liberais não esquecem o “telefonema que nunca chegou”: o de Rui Rio. Não foi a única razão, mas a falta de empenho do presidente do PSD nos contactos com a IL contribuiu para este desfecho. Além das pressões internas para uma candidatura própria, o presidente da IL estava desde janeiro à espera de um contacto de Rui Rio para falar de Lisboa, que nunca ocorreu. “Os mensageiros disseram que ele ia ligar em meados de janeiro. Até agora, não ligou”, lamenta um dirigente liberal ao Observador.
Desde que tinha apresentado a sua candidatura, Carlos Moedas vinha a somar apoios e teve, este sábado, a sua primeira derrota. Quando partiu para a corrida, os números dos partidos que potencialmente o apoiariam no concelho de Lisboa todos somados nas duas últimas eleições nacionais (legislativas e europeias de 2019) mordiam os calcanhares aos resultados do PS e, com a Iniciativa Liberal, até chegavam a ultrapassar os votos socialistas. Mesmo que sejam eleições, contextos e candidatos diferentes esta ‘vantagem’ era um ponto de partida simbólico para o combate político que aí vem. Agora Moedas tem de refazer as contas e enfrentar mais um adversário do espaço “não socialista”. O que levou, afinal, a este falhanço?
As aproximações e recuos da coluna não-socialista à costela liberal
Em meados de janeiro, a meio da campanha presidencial, dirigentes do PSD contactaram a IL para que aguentasse e não lançasse um candidato que o PSD estava a tentar um candidato forte e podiam-se entender. Os mesmos emissários da direção nacional do PSD disseram que Rui Rio ligaria a Cotrim Figueiredo para falar sobre Lisboa. Logo aí, o primeiro sinal de desconforto. “Nem Rio, nem [José] Silvano, nem Morais Sarmento“, lamenta um dirigente liberal. Um vice-presidente do PSD chegou a ligar à IL por causa de uma “autarquia não-urbana onde há interesses convergentes”, mas sobre Lisboa nem uma palavra.
A IL, principalmente o Núcleo de Lisboa, foi avançando com o processo interno de escolha de candidato. No início de fevereiro, o Observador noticiava esse plano da IL de ter candidato próprio em Lisboa: um desconhecido liberal e do grande público, “estilo Mayan”. Mas ficou tudo em aberto.
O segundo grande desconforto da Iniciativa Liberal foi quando na quinta-feira, 24 de fevereiro, soube pela comunicação social que Carlos Moedas era o candidato do PSD. O presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, tinha sido avisado antes e para a IL nem uma palavra. “Não gostámos, claro que não. Alguém acha normal?”, questiona fonte da IL conhecedora do processo. Nessa noite, o antigo comissário europeu ainda ligou a Cotrim Figueiredo, mas só depois da apresentação. A conversa foi simpática, tranquilizadora e continuou tudo em aberto. Do lado do PSD o otimismo era moderado, pois havia sinais de uma “grande divisão interna da IL”, com parte a querer o apoio a Moedas, outra parte a querer uma candidatura própria.
No dia seguinte, João Cotrim Figueiredo dava um sinal de abertura e disse ao Expresso que Carlos Moedas tinha uma “costela liberal”. Sempre com uma ressalva: “Resta saber se pretende incluí-la no projeto para Lisboa”. A porta ainda estava aberta.
Os dois, Carlos Moedas e Cotrim Figueiredo, combinaram reunir-se na terça-feira. A versão é igual de ambos os lados da barricada: não discutiram lugares de vereadores, lugares nas listas, nem qualquer cargo. A conversa que tiveram foi acima de tudo ideológica: Cotrim queria perceber se Carlos Moedas tinha uma visão liberal para a cidade para contrariar uma deriva mais estatizante do executivo de Medina (que perdeu a maioria e se coligou com o BE neste último mandato).
O presidente da IL confirmaria que este não era um ponto da equação na apresentação deste sábado: “Isso não passa em primeiro lugar por ter cargos e muito menos cargos assegurados fruto de alguma negociação de mercearia com o PSD ou com outros partidos.” João Cotrim Figueiredo, enalteceu também a boa relação com Moedas ao longo deste processo, por oposição à ausência de relação com a direção nacional do PSD: “Tivemos discussões profundas com o Carlos Moedas, que aproveito para agradecer, mas não tivemos sequer discussões com o PSD”.
Depois do encontro de terça-feira, Carlos Moedas ainda falou com Cotrim Figueiredo na quarta-feira, antes da apresentação do candidato do PSD. O que o antigo comissário europeu disse no seu discurso foi concertado com a Iniciativa Liberal, mas era suficientemente vago para qualquer um dos desfechos: “[Quero agradecer] à IL o diálogo que já encetamos.”
O fim do sonho da “megacoligação”
Carlos Moedas continuava a somar apoios anti Medina e dava para puxar pela criatividade. “Grande coligação” ou “mega-coligação” eram alguns dos termos. O RIR, partido de Tino de Rans, nunca terá sido opção e, dos pequenos grandes partidos, só faltava fechar a Iniciativa Liberal. Os liberais garantiram dar uma resposta até sábado e ao PSD competia esperar.
No Twitter, no Clubhouse — que têm sido fóruns privilegiados desta discussão entre liberais — e, mais importante, em reuniões internas, a pressão para uma candidatura própria foi aumentando. No Porto, a IL vai apoiar Rui Moreira e, em Braga, Ricardo Rio piscava o olho aos liberais. Começavam, por isso, a escassear as grandes cidades onde a IL podia afirmar-se e concorrer sozinha. O argumento dos pró-candidatura própria era precisamente que a Iniciativa Liberal não podia deixar de concorrer naquele que é um dos seus bastiões: o concelho de Lisboa. Do outro lado, estavam os que temem que o “voto útil” da direita e centro-direita esmague a Iniciativa Liberal e que muitos liberais optem por votar Moedas para expulsar Medina.
O Núcleo de Lisboa, responsável pela escolha do candidato, reuniu na sexta-feira quando decidiu que o candidato seria o gestor Miguel Quintas e que a número dois seria Ana Pedrosa-Augusto, antiga vice-presidente do partido Aliança (e estrela num Congresso do partido, com o detalhe de ser “advogada de Madonna”). Na sexta-feira, pelas 18h00, os jornalistas foram convocados pela IL para estarem na Praça do Município às 13h00 do dia seguinte, o que fazia prever um anúncio com pompa e não uma declaração de apoio a Moedas. Do lado do PSD, parecia claro o que ia acontecer: a IL ia dar uma nega.
Na manhã de sábado, reuniu a Comissão Executiva da Iniciativa Liberal e homologou a decisão do Núcleo de Lisboa. João Cotrim Figueiredo ligou antes a Carlos Moedas e avançou então para a apresentação dos candidatos. Chegou ao fim o sonho de Moedas de unir todo o espaço não-socialista.
Moedas acabaria por reagir pouco depois, no Twitter, desvalorizando não contar com a Iniciativa Liberal: “Para mim nada mudou”. Carlos Moedas diz que respeita “democraticamente a decisão da IL”, mas que o seu “projeto de mudança cresce todos os dias com apoios das mais diversas áreas”. E avisa os liberais que só ele pode derrotar Fernando Medina: “Somos os únicos que podemos derrotar a governação de Fernando Medina. Cada um de nós, lisboetas, tem a responsabilidade desta escolha”.
Como a rutura com os liberais complica as contas de Moedas
O nome de Moedas já foi testado em sondagens internas e, segundo revelam fontes do PSD ouvidas pelo Observador, o antigo comissário europeu pode vir a vencer. Apesar disso, na estrutura social-democrata todos têm consciência de que é uma “missão muito difícil” derrotar Medina. Toda a ajuda seria bem-vinda, num contexto que se antevê complicado. “A máquina do PS não perdoa, basta ver aquele vídeo que puseram a circular contra o Carlos Moedas”, disse uma fonte do PSD ao Observador.
A luta vai ser difícil e, por isso, o apoio da IL era importante. Começando pelas autárquicas de 2017: Fernando Medina estaria 10 pontos percentuais à frente se se juntasse a votação que teve com a coligação então encabeçada pelo CDS. Um detalhe: nessa altura não havia IL, mas também não havia Chega, que pode roubar votos ao espaço não-socialista. Além disso, já passaram quatro anos. Os números mostram, no entanto, o quanto Carlos Moedas teria de pedalar.
Enquanto Fernando Medina teve 42% dos votos em 2017 (tinha o apoio do Livre e também de movimentos de cidadãos), os partidos que agora apoiam Moedas tiveram, todos juntos, apenas 31,81% dos votos, ficando a 10,41 pontos percentuais de Medina. Para isso contribui o péssimo resultado de Teresa Leal Coelho (11,22%), que estará aquém do que o PSD conseguirá, mas também o muito inflacionado (face ao que é expectável na realidade atual) resultado do CDS, que com a líder Assunção Cristas conseguiu 20,59% dos votos.
As eleições de 2019, embora nacionais dão uma perspetiva de como foram as votações dos partidos que podem apoiar Fernando Medina e dos partidos que apoiam Carlos Moedas. Olhando aos resultados das Europeias de maio de 2019 no concelho de Lisboa dos partidos “não-socialistas”, se se incluísse a Iniciativa Liberal e houvesse uma transposição direta de votos, Carlos Moedas atingiria os 34,77% dos votos, ficando ligeiramente à frente de Medina — mesmo contando com os votos do Livre, o único partido de esquerda que ainda não se pôs de fora de um apoio ao candidato do PS — , que se ficaria pelos 33,85%. Sem Iniciativa liberal, a coligação de Moedas ficaria nestas contas — que servem apenas de referência, já que nunca há uma transposição direta de eleitorado para as autárquicas — com 32,73%. Mesmo sem IL, fica perto.
Olhando para as legislativas de 2019, o cenário é o mesmo. Os partidos que podem vir a apoiar Medina (PS e Livre) tiveram juntos 36,53% dos votos no concelho de Lisboa. Isso é uma vantagem de três pontos percentuais relativamente a todos os partidos que apoiam Carlos Moedas, que se ficam pelos 33,11%. Nestas contas, incluir a Iniciativa Liberal, mais uma vez seria suficiente para ultrapassar o somatório de votos dos partidos que podem vir a apoiar Fernando Medina nestas contas: com IL, a soma seria de 37,19% dos votos.
Estas contas podem não representar muito porque as autárquicas têm um cariz muito particular. Por outro lado, Lisboa é das autarquias onde mais se sente a ‘influência nacional’ do voto, por ser a capital, um grande centro urbano e com uma população muito superior. Este tipo de números são, aliás, utilizados pelas estruturas dos partidos quando começam a analisar as chances de vencer uma autarquia. Olham sempre para os resultados das legislativas anteriores no concelho. Por esta bitola, a tarefa de Carlos Moedas é difícil (e mais difícil sem Iniciativa Liberal), mas não é um sonho impossível.