A greve dos médicos ao trabalho extraordinário para além das 150 horas extra anuais vai manter-se “para já” e pelo menos até a Assembleia da República ser dissolvida (se essa for a decisão do Presidente da República), disse ao Observador a médica Carla Meira, uma das porta-vozes do movimento Médicos em Luta, organismo que tem promovido a adesão àquela forma de protesto.
“Para já, a luta mantém-se. Temos de aguardar pela resolução da situação política e pela decisão do Presidente da República”, sublinha a médica. Caso o Presidente da República decida esperar pela aprovação do Orçamento do Estado para 2024, e só depois proceder à dissolução da Assembleia da República — e esse é o cenário em cima da mesa mais provável para Marcelo, como o Observador já avançou —, a “luta vai continuar, pelo menos até dia 30 de novembro”, dia seguinte à aprovação final global do Orçamento para o próximo ano.
“O governo terá, até esse dia, oportunidade de se reunir com os sindicatos e resolver o problema, o governo estará em funções”, diz a médica do Hospital de Viana do Castelo. A votação final global do orçamento está marcada para dia 29 deste mês e, segundo apurou o Observador, Marcelo Rebelo de Sousa só deverá publicar os decretos de demissão de Governo e de dissolução da Assembleia da República depois desse dia, permitindo ao Parlamento aprovar o Orçamento do Estado.
“Temos de saber se o Parlamento vai ser dissolvido imediatamente ou daqui a um mês. Se as coisas mudarem, poderemos suspender a luta”, admite Carla Meira.
Marcelo vai dissolver Parlamento, salva Orçamento e aponta legislativas para fevereiro
A reunião entre sindicatos médicos e Manuel Pizarro, que estava marcada para esta quarta-feira, chegou a ser confirmada pelo Ministério da Saúde, durante a tarde de ontem, mas acabou desmarcada perto das 21h.
Contactada pelo Observador, fonte oficial do Ministério sublinha que, apesar de não ter sido dada uma justificação oficial, o cancelamento do encontro está relacionado com a atual situação política do país, estando a tutela também a aguardar pela comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa ao país, que vai ocorrer na quinta-feira. Não se sabe ainda se a reunião será ou não remarcada.
Sendo assim, e sem conhecer ainda o que Marcelo dirá após ouvir partidos e Conselho de Estado, vai manter-se, pelo menos até esta quinta-feira, o protesto dos médicos às horas extraordinárias para lá do limite anual de 150 horas de trabalho extra, que está a afetar cerca de 30 urgências hospitalares um pouco por todo o país e que já obrigou, nalguns casos, ao adiamento de consultas e cirurgias programas e à redução do número de camas em cuidados intensivos.
SIM admite suspender greve às horas extra nos centros de saúde e apelar ao fim do protesto nos hospitais
Apesar de as negociações entre sindicatos e a tutela estarem suspensas, tanto a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) como o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) mantêm as ações de protesto agendadas. Assim, e pelo menos até Marcelo Rebelo de Sousa se dirigir ao país (o que fará esta quinta-feira, às 20h, logo depois de ouvido o Conselho de Estado), mantém-se a greve nacional de médicos agendada para a próxima semana, a 14 e 15 de novembro, e que foi convocada pela FNAM; e também continua a greve às horas extraordinárias nos centros de saúde, convocada pelo SIM.
No entanto, ao Observador, o secretário-geral do SIM admite que esta greve poderá ser suspensa. “Se houver marcação de eleições, vamos ter de ponderar a possibilidade [de cancelar o protesto às horas extra nos cuidados de saúde primários]“, reconhece Jorge Roque da Cunha.
Quanto à greve às horas extraordinárias para lá do trabalho suplementar anual obrigatório, o presidente do SIM admite que, em caso de dissolução da Assembleia da República, e perante um governo em gestão, o sindicato fará um apelo aos médicos hospitalares para que suspendem o protesto, que está a causar sérios constrangimentos em vários hospitais. “Não faz sentido que, não havendo interlocutor, esses protestos ocorram”, diz o dirigente sindical.
Já a presidente da FNAM garante a estrutura sindical que lidera “mantém o apoio a todos os médicos que entregam as escusas”.
“É uma decisão pessoal dos médicos”, diz Joana Bordalo e Sá à rádio Observador.
Quanto ao processo negocial com o governo, a responsável sublinha que a FNAM vai “aguardar pela decisão do Presidente da República”, para perceber “quem vai ser o interlocutor”. “Depois disso, a Comissão executiva da FNAM vai reunir-se para tomar decisões”, adianta a médica. Ao Observador, fonte da FNAM explica que essa reunião decorrerá já na noite desta quinta-feira.
Joana Bordalo e Sá critica a publicação, no dia em o primeiro-ministro se demitiu e o país mergulhou numa crise política de dimensões ainda indefinidas, de dois diplomas que afetam o trabalho médico e sobre aos quais, sublinha, os sindicatos médicos não deram o seu aval.
“Esta terça-feira foi publicado, de forma unilateral, e sem acordo dos médicos, o diploma das USF e o diploma do novo regime de dedicação plena, que não incorporou as propostas da FNAM e que contém matérias inconstitucionais, como o aumento do limite do trabalho extraordinário e o fim do descanso compensatório depois de um médico fazer uma noite”, elenca a presidente da FNAM.
Na última reunião entre sindicatos e tutela, voltou a não haver acordo entre as partes. O principal ponto que está a bloquear o entendimento é o aumento do salário-base dos médicos: o governo propõe um aumento de, pelo menos, 8,5% para todos médicos, enquanto os sindicatos defendem um aumento de 30% — que, dizem, se trata apenas de uma reposição do poder de compra perdido pela classe na última década –, mas admitem que a medida possa ser implementada em três anos, até 2026, tendo em conta que esse seria o ano em que terminaria a atual legislatura.
Com a demissão de António Costa, e a consequente queda do governo, essa lógica deixa de se aplicar, pelo que, mesmo que as negociações sejam retomadas, deixa de haver uma perspetiva para um compromisso a longo prazo, tendo em conta que a equipa de Manuel Pizarro estará, tal como o restante executivo, em gestão.
As negociações entre os sindicatos e o governo já se arrastam há 18 meses. Com o atual ministro, o processo negocial começou há já quase um ano, a 9 de novembro de 2022