Os 7 discursos de Zelensky desde terça-feira
Dia 23, terça-feira. A Rússia ainda não tinha invadido o território ucraniano e Zelensky encontrava-se com os presidentes da Lituânia e da Polónia, em Kiev.
“Só eu e o nosso exército saberemos quais os passos certos a dar em relação à defesa do nosso Estado. Acredite em mim, estamos prontos para qualquer coisa. Não é segredo para ninguém que o Memorando de Budapeste não está a funcionar. Percebemos claramente que a Ucrânia não faz parte de qualquer aliança de segurança. Iremos proteger a Ucrânia nós mesmos, com o suporte dos nossos parceiros, mas são os ucranianos que estão a morrer. É por isso que a Ucrânia precisa de garantias de segurança, claras, concretas, neste momento”.
No final do encontro com os homólogos lituano e polaco, Zelensky dizia-se certo de que a Ucrânia lutaria, naquilo que ainda era uma hipótese, sozinha contra a Rússia. “São ucranianos que estão a morrer”, dizia Zelensky ainda no abstrato, um dos pontos do discurso do presidente ucraniano que mudou radicalmente até esta sexta-feira. Neste momento Zelensky já diz que “Quando os mísseis matam o nosso povo é a morte de todos os europeus”.
“É muito importante ter o apoio de outros parceiros. Considerando que temos neste momento 150 mil militares russos nas fronteiras, a ocupar territórios temporariamente, acredito que a Rússia devia estar entre os países que nos devem dar garantias de segurança. Não é segredo que convidei repetidamente o Presidente da Rússia para se sentar à mesa de negociações e conversarmos, porque se trata de uma matéria de diálogo e não de condições”.
A insistência na via do diálogo ainda não desapareceu das intervenções do Presidente ucraniano. Zelensky apela ao suporte Europeu, e antes da invasão russa ainda frisava que “a Rússia devia estar entre os países” com obrigação de dar garantias de segurança à vizinha Ucrânia. Horas mais tarde os militares russos entrariam em território da Ucrânia.
Dia 24, 12:28h. Zelensky falava num briefing no seu gabinete depois de uma reunião de urgência e da invasão russa
“Os nossos militares precisam de apoio, o nosso foco principal é o apoio que eles precisam da parte da nossa população. Temos um exército de pessoas poderosas, a nossa população também é um exército poderoso, por isso apoiem os nossos militares. […] O inimigo já sofreu grandes perdas e serão ainda maiores. Vieram para a nossa terra, a Ucrânia está sob ataque a norte, leste e a sul e via aérea. Hoje, o exército e a solidariedade nacional são a base do Estado ucraniano”
Horas depois da invasão russa, Zelensky falava pela primeira vez ao país com o foco essencialmente nos cidadãos ucranianos. Numa tentativa de mobilizar a população falava “no exército poderoso” que a população ucraniana é e na necessidade de “apoiar os militares”.
“O futuro do povo ucraniano depende de cada cidadão. Todos que têm experiência em combate podem juntar-se à defesa da Ucrânia e dirigir-se aos centros apropriados. O ministério da Administração Interna chamará também os veteranos de guerra na defesa do Estado”
Antes mesmo de declarar a lei marcial — e consequentemente impedir a saída do território ucraniano de todos os homens entre os 18 e os 60 anos — Zelensky apelava a todos os cidadãos “com experiência em combate” para se juntarem à defesa do país. A esta hora, ainda era um Presidente que falava de camisa e casaco de fato, com uma expressão fechada e de preocupação.
Dia 24, 14:13h. Menos de duas horas depois da declaração anterior ao país
“Esta manhã entrou para a história, para uma história completamente diferente para o nosso país e para a Rússia. Cortámos relações diplomáticas com a Rússia. A Ucrânia está a defender-se e não desistirá da liberdade, independentemente do que Moscovo pensa. Para os ucranianos a independência e o direito de viver nas suas terras de acordo com os seus valores é o seu bem maior. A Rússia atacou de forma traiçoeira e auto-destrutiva o nosso Estado pela manhã, tal como a Alemanha nazi fez durante a II Guerra Mundial”.
Com o avançar dos militares em terreno ucraniano, Zelensky voltou a dirigir-se aos ucranianos duas horas depois da primeira declaração, no primeiro dia da invasão, para comunicar que o país tinha “cortado relações diplomáticas com a Rússia”. Falando no direito de viver na Ucrânia de acordo “com os seus valores” e no bem maior que isso é para a população, Zelensky comparou a invasão russa com a expansão da Alemanha nazi na II Guerra Mundial.
Dia 24, 18:01h. Na terceira intervenção do dia, Zelensky aparece já sem fato, para pedir ajuda internacional
“O que ouvimos hoje é o som de uma nova Cortina de Ferro a baixar e a fechar a Rússia para longe do mundo civilizado. A nossa tarefa nacional é fazer com que essa cortina passe na casa dos russos e não na nossa. […] Estou em contacto permanente com os líderes de países parceiros e organizações internacionais. A Rússia já começou a receber as primeiras sanções de um pacote maior, o mais poderoso da história mundial. […] Políticos e líderes locais, ajudem as pessoas, garantam uma vida normal no terreno, tanto quanto possível. Todos devem cuidar dos seus entes queridos, vizinhos e de tantos quantos precisem. O dever dos jornalistas, um dever importante, é defender a democracia e a liberdade na Ucrânia.”
Com o passar das horas, Zelensky volta a dirigir-se ao país para deixar claro que estava em “contacto permanente com os líderes de países parceiros e organizações internacionais” e apela aos ucranianos que possam ajudar a “garantir uma vida normal, tanto quanto possível”. Ao contrário das intervenções anteriores, Zelensky passa a aparecer com sem fato, com uma expressão cada vez mais cansada e o semblante mais carregado. As comunicações ao país são sempre feitas alegadamente na residência oficial do Chefe de Estado, com o mesmo cenário de fundo e apenas uma bandeira do país à direita na imagem.
“Falei hoje com muitos líderes: Reino Unido, Turquia, França, Alemanha, União Europeia, Estados Unidos, Suécia, Roménia, Polónia, Áustria e outros. Se vocês, caros líderes europeus, mundiais, líderes do mundo livre, não nos ajudarem hoje, amanhã a guerra baterá à vossa porta.”
E depois de frisar os contactos mais gerais e apelar à ajuda internacional, Zelensky passa à estratégia de alertar a comunidade internacional: aquilo que está a acontecer na Ucrânia pode estender-se para outros países.
Dia 25, 01:10h. Zelensky fala no fim do primeiro dia de ataques
“Sei que há muita informação falsa a circular, particularmente aquela que dá conta que abandonei Kiev. Fico na capital, fico com o meu povo. Durante o dia realizei dezenas de conversas internacionais, geri diretamente o nosso país. Vou ficar na capital, a minha família, os meus filhos, também estão na Ucrânia, não são traidores. A minha família não é traidora, mas não direi onde estão neste momento. De acordo com a informação que temos, o inimigo marcou-me como alvo número um. A minha família é o número dois. Querem destruir a Ucrânia politicamente destruindo o chefe de Estado.”
Já na madrugada desta sexta-feira, o Presidente ucraniano falava ao país para dizer que sabe que é “o alvo número um” de Putin e que, tanto ele como a família, são o objetivo dos russos. Já com a lei marcial decretada, Zelensky usa a palavra “traidor” para dizer que não sairá da Ucrânia, numa declaração que serve também o propósito de atingir os ucranianos que possam ter optado por sair do país e não ficar para ajudar a combater os militares russos.
“Não importa quantas conversas tive com lideres de países diferentes hoje, ouvi várias coisas. A primeira delas é que teremos apoio. Sou grato a cada Estado que irá ajudar a Ucrânia no concreto, não apenas em palavras. Mas há outra coisa: fomos deixados sozinhos na defesa do nosso Estado. Quem é que está pronto para lutar connosco? Honestamente, não vejo nenhum. Quem está disposto a garantir a adesão da Ucrânia à NATO? Sinceramente, todos estão com medo.”
Com a invasão russa e a falta de militares de países terceiros em território do país, Zelensky opta por colocar isso em evidência no último discurso que faz já na madrugada do primeiro dia da guerra.
“Hoje perguntei aos 27 líderes da Europa se a Ucrânia será aceite na NATO. Perguntei diretamente, têm todos medo e não respondem. Nós não temos medo de nada. Não temos medo de defender o nosso Estado. Não temos medo da Rússia, não temos medo de falar com a Rússia, não temos medo de dizer tudo sobre garantias de segurança para o nosso Estado. Não temos medo de falar sobre o nosso estado neutro. Não estamos na NATO neste momento, mas o principal é saber que garantias de segurança temos. Que países nos darão? Precisamos de falar sobre o fim desta invasão, sobre um cessar-fogo.”
Zelensky ainda tenta deixar em aberto a hipótese de uma entrada na NATO, frisando que “neste momento” o país não integra a Aliança. Apela a que lhe sejam dadas respostas sobre essa integração e as garantias de defesa que a Ucrânia tem. O líder da Ucrânia diz que os 27 homónimos na Europa “têm medo” e recusam responder, mas quer garantias de segurança dos países que integram a União Europeia. No último discurso do dia Zelensky colocou mais pressão sobre os líderes europeus, já em busca de respostas concretas, mas a tónica haveria de ser mais carregada ainda no segundo dia da guerra contra a Rússia.
Dia 25, 07:27h. Zelensky fala na manhã do segundo dia, visivelmente mais abatido, cansado e de olhos inchados.
“Dizem que a área civil não é um alvo, mas é mentira. De facto eles não distinguem em que áreas operam. Houve explosões terríveis no céu esta manhã sobre Kiev, bombardeiros, atingiram uma casa, houve um incêndio. Tudo isto lembra o primeiro ataque desse tipo à nossa capital, que ocorreu em 1941. Esta manhã estamos a defender o nosso Estado sozinhos, como fizemos ontem. As forças mais poderosas do mundo estão a assistir ao longe. As sanções de ontem convenceram a Rússia? Ouvimos no nosso céu e vemos na nossa terra que é insuficiente. As tropas estrangeiras estão a tentar ainda ser mais ativas no nosso território. Só a solidariedade e a determinação dos ucranianos podem preservar a nossa liberdade e proteger o Estado.“
À semelhança do que tinha feito no dia anterior, Zelensky recupera momentos da história da humanidade para tentar fazer paralelos com a situação atual. Depois de falar na invasão da Alemanha nazi, esta manhã recuperou a Batalha de Kiev, em 1941, quando Hitler atacou a capital ucraniana. Depois, o Presidente ucraniano frisa que as sanções anunciadas no dia anterior não tiveram qualquer efeito nas ações militares russas e diz que as tropas se tornaram ainda mais ativas neste segundo dia da invasão. É um presidente visivelmente mais agastado aquele que surge na primeira comunicação ao país do dia.
Dia 25, 13:07h. A meio do segundo dia da invasão, Zelensky volta a falar ao país unicamente para pressionar a Europa
“O chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, disse ontem que a invasão da Ucrânia pela Rússia é algo que a Europa não vê há 75 anos. E é verdade, mas não é toda a verdade. Esta não é apenas a invasão da Rússia na Ucrânia, este é o início da guerra contra a Europa, contra a unidade da Europa, contra os direitos humanos elementares na Europa e todas as regras de convivência no continente. Contra o facto de os Estados europeus se recusarem a dividir, sim, as fronteiras à força.”
Se até aqui o assunto central era a Ucrânia, a partir deste discurso à nação, Zelensky passa a tratar o assunto como um ataque à Europa como um todo. Diz o Presidente da Ucrânia o ataque ao seu país é o início da guerra contra a Europa e a unidade do continente, numa tentativa de conquistar maior apoio da UE.
“As cidades ucranianas sofrem bombardeamentos pelo segundo dia. As colunas de tanques e ataques aéreos são semelhantes aos que a Europa já viu há muito tempo, durante a II Guerra Mundial e disse “nunca mais” a uma situação dessas. Mas é isso! Outra vez, agora. Em 2022. 75 depois do fim da II Guerra Mundial. Acredito que vocês veem, todos vocês, toda a Europa. Mas não vemos o que é que vão fazer. Como é que vão proteger-se quando ajudam a Ucrânia tão lentamente?
Numa crítica à tomada de posição da Europa, que Zelensky diz ter deixado a Ucrânia isolada a fazer frente aos russos, o Presidente do país acusa os 27 de serem “lentos” na resposta. Mais uma vez, Zelensky recorre à II Guerra Mundial para tentar mobilizar os europeus em prol da Ucrânia.
Gostava de destacar o que é que já aconteceu. E somos gratos por isso, são sanções setoriais. Os Estados Unidos, o Canadá, o Reino Unido, a União Europeia, a Austrália, a Nova Zelândia decretaram sanções setoriais contra a Rússia, em particular aos maiores bancos. Contra o acesso da Rússia às tecnologias ocidentais. Mas os tanques russos ainda estão a disparar contra edifícios residenciais nas nossas cidades. Os carros blindados ainda estão a atacar, inclusivamente civis, cidadãos ucranianos comuns. A Europa tem força suficiente para parar esta agressão. O que é que vão esperar mais os Estados europeus? O cancelamento de vistos aos russos? Cortar o SWIFT? Isolar completamente a Rússia? Retirar embaixadores? Embargo ao petróleo? Fechar espaço aéreo? Hoje, tudo isto devia estar em cima da mesa, porque se trata de uma ameaça para todos nós, para toda a Europa. Ainda podem parar a agressão, mas é preciso agir sem demora.”
Ciente que esta sexta-feira se reuniriam os países da NATO e da União Europeia para decidir o pacote de sanções à Rússia, Zelensky apresenta os pedidos da Ucrânia poucas horas antes do início das reuniões: cancelamento de vistos aos cidadãos russos, colocar a Rússia fora do SWIFT, embargar o petróleo ou fechar o espaço aéreo europeu a aviões russos, por exemplo. Num pedido de última hora, colocando tudo em cima da mesa e frente às câmaras de televisão, Zelensky apela a uma “ação sem demora”.
“Quando caem bombas em Kiev é Europa, não apenas Ucrânia. Quando os mísseis matam o nosso povo é a morte de todos os europeus. Pedir mais proteção para a Europa, mais proteção para a Ucrânia, como parte do mundo democrático. Enquanto as instituições europeias não têm pressa para impor decisões realmente fortes todos os europeus nas várias capitais podem vir à nossa embaixada e oferecer ajuda. Exija dos governos maior assistência financeira e militar à Ucrânia, porque esta ajuda também é uma ajuda para si já que é uma ajuda para toda a Europa, está a ajudar-se a si mesmo”.
Sem rodeios, Zelensky muda totalmente a agulha que estava centrada na população ucraniana para a população do continente europeu. Não quer estar sozinho a enfrentar a Rússia e muda totalmente o discurso que teve no dia anterior à invasão russa. O foco agora é a população europeia e o dano que os russos podem causar a esse nível. Colocando as coisas num plano transnacional Zelensky pretende aumentar a solidariedade entre Estados e as hipóteses de receber reforço militar para combater as tropas russas.