A qualquer momento nos próximos meses uma luz brilhante vai despontar no céu. Será como se uma nova estrela tivesse surgido onde antes nada existia e vai resplandecer tão intensamente como a Estrela Polar. Da mesma forma como surgiu, vai desaparecer aos nossos olhos sem deixar qualquer rasto e só daqui a 80 anos voltará a ser visível. É a ‘nova’ T Coronae Borealis (T CrB), uma explosão num sistema a uma distância de 3.000 anos-luz e que se repete a cada oito décadas.
Este ano voltará a ser visível depois de ter brilhado no céu pela última vez em 1946. A expectativas são elevadas, com a NASA a descrever o fenómeno como “uma oportunidade única na vida”. São centenas os observadores, entre amadores e profissionais, de olhos postos na eminente erupção da T CrB, que se estima estar a ser monitorizada a uma média de “uma vez a cada 12 minutos, a cada hora, todos os dias”.
“Este é um evento emocionante a que qualquer pessoa poderá assistir durante alguns dias simplesmente ao caminhar ao ar livre numa noite clara e sabendo onde procurar”, começa por explicar ao Observador Bradley Schaefer, professor da Universidade Estatal do Luisiana que tem investigado este fenómeno. Mas isso só explica em parte o entusiasmo que leva muitos a monitorizá-lo tão atentamente. É que, explica o investigador norte-americano, “pela primeira vez sabemos onde é que uma nova vai explodir e conseguimos apontar o local onde isso vai acontecer“.
Na agência espacial norte-americana já está tudo a postos para observar o aguardado fenómeno, incluindo com recurso ao telescópio Fermi. Este poderá mesmo ser o primeiro a detetar o início da explosão, antecipa também ao Observador a astrofísica Elizabeth Hays, uma das cientistas envolvidas no projeto Fermi. “Estamos muito entusiasmados. A T CrB será uma das fontes mais brilhantes que o Fermi vê em todo o céu. As únicas mais brilhantes são aquelas que estão muito próximas de nós, como o Sol, a Lua e a própria Terra”, destaca.
A T CrB e uma história que se repete
O sistema T Coronae Borealis continua a ser um grande enigma para os cientistas. Sabe-se que se trata de um sistema binário, composto por duas estrelas. Uma delas é um anã branca, o remanescente de uma estrela que esgotou todo o seu combustível nuclear. Esta orbita em torno de uma outra, uma gigante vermelha, uma estrela nos estágios finais da sua evolução que se torna instável e se vai expandindo periodicamente, libertando parte dos componentes que formam a sua atmosfera.
Estas duas estrelas estão tão próximas que, à medida que a gigante vermelha vai libertando as camadas exteriores, esta matéria vai sendo atraída pela anã branca e acaba por se acumular na sua superfície. Com o tempo, a atmosfera densa desta estrela aquece até ao ponto de provocar uma reação termonuclear descontrolada. É esta explosão à superfície da anã branca que se designa por nova. Quando é uma só explosão, o fenómeno é conhecido como uma nova clássica, algo relativamente frequente no Universo. Quando se repete, como é o caso da T CrB, estamos perante uma nova recorrente.
A T CrB é, segundo a NASA, apenas uma de cinco novas recorrentes na nossa galáxia. A próxima erupção vai acontecer, segundo as previsões da agência norte-americana, entre março e setembro deste ano. Fará com que o sistema de estrelas, normalmente com uma magnitude de +10 — na escala usada pelos astrónomos para definir o brilho das estrelas significa que é muito escuro para ser visto a olho nu — salte para uma magnitude de +2 durante o fenómeno. Ficará visível a olho nu por vários dias e durante um pouco mais de uma semana com binóculos. Depois disso, desaparecerá.
Antes disso, os observadores atentos poderão encontrar a T CrB junto à constelação Corona Borealis (em português, Coroa do Norte), um pequeno arco circular que fica junto das constelações de Hércules e Boötes, como mostra a figura abaixo produzida pela NASA. Para encontrá-la, a agência norte-americana aconselha a procurar como referência no céu os pontos marcados como M13 e M92, junto a Hércules, e o M3, não muito longe de Boötes. A T CrB será como uma peça que não encaixa no mapa de estrelas.
As erupções anteriores permitiram perceber que a T CrB se comporta de forma “única” no processo antes e depois da sua erupção, refere Bradley Schaefer. Este é marcado por um estado pré-erupção em que o T CrB atinge uma magnitude de brilho elevada, mas ao qual se segue-se um período de uma quebra súbita. Esta diminuição repentina foi observada claramente em 1946 pelo cientista Leslie Peltier, que começou a monitorizar a T CrB nos anos 20 a partir da sua casa, e teve a perceção de que essa atividade marcava uma explosão iminente. A atividade anterior desta nova também permitiu perceber que depois da erupção há novo estado de magnitude de brilho elevado, semelhante ao pré-erupção, e um outro pico, chamado máximo secundário. As causas de todos estes fenómenos, que parecem ser “únicos” da T CrB, permanecem, não obstante, um mistério.
A oportunidade para desvendar os mistérios da T CrB
A erupção eminente da T CrB está a deixar muitos na comunidade cientifica entusiasmados e motivou grandes preparativos. São vários os grupos e organizações a monitorizá-la e um dos maiores é a American Association of Variable Star Observers (AAVSO), uma organização norte-americana sem fins lucrativos. Foi nesta página que, no ano passado, Bradley Schaefer publicou um artigo a anunciar que a fase de pré-erupção da nova T CrB tinha começado entre março e abril de 2023 e que uma nova erupção seria visível muito em breve.
Este tem sido um tema de investigação recorrente na sua carreira e que o levou a publicar no Journal for the History of Astronomy um artigo a anunciar a descoberta de duas erupções há muito perdidas da T CrB: em 1217, vista por monges alemães, e em 1787, pelo astrónomo inglês Francis Wollaston. Depois dessas apenas são conhecidas a de 1866 e 1946. “Não houve nenhuma nova mais brilhante desde a T CrB, em 1946. Nenhuma! A T CrB é atualmente a nova mais brilhante vista por gerações de observadores”, sublinha Bradley Schaefer agora que a “história está prestes a repetir-se”.
Que sinais apontam para os avistamentos da T CrB em 1217 e 1787?
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As erupções mais conhecidas da nova T CrB aconteceram em 1866 e 1945. Mas com um ciclo de 80 anos, é seguro pensar que o mesmo fenómeno terá sido visível muito tempo antes.
Há dois registos históricos que apontam nesse sentido. Um deles surge num catálogo publicado em 1789 pelo reverendo Francis Wollaston. Nas suas anotações, o astrónomo relata a posição de uma estrela precisamente em cima do local da T CrB. A descoberta desta teve por base observações em pelo menos quatro ocasiões e com recurso a telescópios de diferentes dimensões, poucos dias antes de 28 de dezembro de 1787.
O outro é de 1217 e tem por base o relato de Burchard, o responsável da abadia de Upsberg nessa época. Numa crónica, o abade descreveu ter avistado uma fonte que “brilhou com grande luz” e se prolongou durante “muitos dias”. Descreveu este fenómeno como um “sinal maravilhoso” — palavras que nunca teria usado caso estivesse a referir-se a um cometa.
Estas hipóteses são discutidas por Bradley Schaefer num artigo de 2023 publicado no Journal for the History of Astronomy que pode consultar aqui.
A erupção deste ano será sem dúvidas a mais estudada de sempre e será observada pela primeira vez com recurso ao telescópio Fermi da NASA. Lançado em 2008 e capaz de detetar raios gama — a forma de luz mais energética –, o telescópio já viu desde o início da sua missão cerca de 20 novas. Foi através deste telescópio que foi possível comprovar, pela primeira vez, há quase dez anos, que uma nova emite raios gama. “Antes do Fermi, nunca tínhamos visto emissões de raios gama vindas de novas. Agora, vemo-lo uma ou duas vezes por ano. Esta será, provavelmente, a mais brilhante que veremos“, reforça também Elizabeth Hays.
Com base em observações de outras novas, é possível ter ideia que a T CrB deverá libertar uma energia de entre dez mil a 100 mil vezes a potência do nosso Sol. “É muita [energia], mas não dura”, diz a cientista, explicando que as estimativas indicam que o fenómeno será visível através do Fermi durante vários meses, no máximo até seis. Durante esse tempo, importa à NASA olhar para a forma como os raios gama emitidos pela T CrB mudam ao longo do tempo, com que rapidez ficam mais brilhante e a que velocidade diminui a sua intensidade depois disso.
Bradley Schaefer, que elaborou um curva de luz da T CrB com estimativas desde 1942 até à noite passada, está particularmente interessado em compreender os fenómenos que marcam o período antes e depois da erupção e sobre os quais os cientistas pouco sabem. “Há uma variedade de ideias a circular, mas nenhuma delas faz mais do que afirmar o óbvio. Esperamos compreender realmente o pré-erupção, por que existe a queda pré-erupção, por que existe o estado elevado pós-erupção e por que existe a erupção secundária. Não sabemos. E talvez as observações deste ano nos possam ajudar a compreender”, refere. As tarefas são muitas e o tempo é chave. “Se não resolvermos isso agora, teremos que esperar mais 80 anos para encontrar uma solução”, brinca.