Ambos são socialistas, ambos foram (no caso de José Luís Carneiro, ainda é) ministros de António Costa e ambos são considerados candidatos fortes à liderança do PS. Ainda assim, lendo com atenção as moções de orientação estratégica que Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro apresentaram esta quinta-feira na sede do partido, encontram-se vários pontos que distinguem os dois candidatos — da postura em relação ao maior legado de António Costa (a política de contas certas) ao pensamento sobre alianças com outros partidos.
José Luís Carneiro quer seguir a política orçamental de Medina (que o apoia) sem hesitações, Pedro Nuno Santos defende uma redução da dívida mais lenta. Carneiro olha para a esquerda e para a direita e só promete assegurar condições de “governabilidade”, Pedro Nuno deixa clara a sua fidelidade à geringonça, em caso de necessidade. Carneiro aposta em novos pactos para a Habitação, a Saúde e a Justiça, Pedro Nuno acena aos funcionários públicos com a tão desejada recuperação do tempo de serviço congelado durante a crise.
Em certos pontos, os candidatos encontram-se: ambos querem um referendo que permita avançar finalmente com a regionalização, ambos escolhem tópicos como o Ambiente e as alterações climáticas como prioridades. E ambos respeitam o legado de António Costa, embora em graus muito diferentes e com formas diferentes de olhar para o futuro. O Observador foi ler as moções ponto por ponto e explica todas as semelhanças e diferenças das duas moções de estratégia — a começar, desde logo, pelos nomes que os candidatos escolheram para as pôr por escrito.
Os coordenadores
Pedro Nuno Santos entregou a coordenação de contributos para a sua moção de orientação nacional nas mãos de Alexandra Leitão, ex-ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e também uma das vozes socialistas que o candidato integrou no grupo de “pensadores livres” do PS. Isto foi quando se sentou pela primeira vez na cadeira do comentário televisivo e disse que não estava ali para ser porta-voz do Governo de que fizera parte. Também Alexandra Leitão passa por lá, todas as semanas na CNN, e sempre muito crítica do Executivo de António Costa de onde saiu com desagrado – tanto que foi convidada pelo líder socialista para ser a líder parlamentar e fez questão de dizer publicamente que preferia funções executivas àquela que ele lhe oferecia, recusando.
Tem sido apontada a vários cargos e até ao de secretária-geral do PS, que nunca teve uma mulher nas funções. Em entrevista ao Público foi questionada sobre essa ambição e não a descartou: “Acho que ainda tenho uns anos à minha frente de vida política e, portanto, veremos. É uma hipótese.” Por agora diz estar “muito empenhada na candidatura do Pedro Nuno Santos”. O seu nome também surgiu recentemente, entre a esquerda, para liderar uma futura candidatura presidencial por essa frente. Em entrevista ao Observador admitiu que é um assunto que lhe desperta interesse.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui e o terceiro episódio aqui.]
Já José Luís Carneiro foi buscar o seu coordenador diretamente ao Governo, tendo chamado para esta missão o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas. A estratégia de Carneiro para contrariar a esmagadora onda de apoio a Pedro Nuno Santos nas estruturas do partido tem passado por anunciar os apoios de figuras com peso dentro do PS e de governantes, provando que tem colegas do Executivo ao seu lado. Neste caso, Moz Caldas é o secretário de Estado de Mariana Vieira da Silva – uma ministra associada à ala moderada do partido, que seria a sucessora preferida de Costa se tivesse vontade de se candidatar.
No anúncio do apoio a Carneiro, Moz Caldas explicou a decisão precisamente por ter “testemunhado as qualidades pessoais e políticas” do candidato de perto, além de acreditar na sua capacidade de “liderança, mobilização e execução”, mesmo em pastas exigentes (incluindo, presumivelmente, a Administração Interna, que Carneiro assumiu sem falhas e polémicas, apesar de ser habitualmente uma pasta problemática). E lembrou os resultados eleitorais que Carneiro já conquistou a nível autárquico ou como deputado para garantir que consegue recolher “reconhecimento popular” e “estabelecer pontes, unir pessoas” – um dos pontos que a candidatura mais faz questão de sublinhar, apresentando Carneiro como um candidato que prioriza o diálogo e os consensos.
Governabilidade e alianças
É um dos pontos de maior clivagem entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro. Se o primeiro é conhecido por ser adepto da geringonça, o segundo vai avisando que o PS não deve, por princípio, condicionar a sua atuação nem “abdicar da sua autonomia estratégica” para priorizar entendimentos com os antigos parceiros de esquerda.
Carneiro faz mesmo questão de frisar que o “socialismo em liberdade” custou a construir e que o PS foi “penalizado nas urnas” sempre que abdicou da tal autonomia estratégica. A definição do que o PS deve ser, defende o candidato, é outra: um “partido charneira” que é fiel às suas alianças e “contribui para a estabilidade e para a governabilidade do país”.
Aqui, Carneiro parece voltar ao mesmo princípio que sugeriu logo na primeira entrevista que deu como candidato – admitindo que poderia viabilizar um Governo do PSD para garantir a exclusão do Chega de acordos de poder. Depois, foca – a negrito – aquela que sabe que deve ser a sua mensagem central em tempos de campanha: “Quanto maior é a força eleitoral do PS, mais garantida fica a governabilidade”. Ou seja: por agora, não convém colocar cenários de derrota em cima da mesa – o PS tem de captar a maior quantidade possível de voto útil para garantir que ganha e governa sem amarras. O que fica assegurado é que os socialistas devem, para assegurar o seu “papel histórico”, conversar tanto com esquerda como direita – nenhum dos lados do espetro fica, aqui, priorizado – e procurar “consensos alargados em áreas estratégicas” para o país.
Para Pedro Nuno Santos, acordos desta natureza só mesmo em questões de regime, ou seja, apenas em temas de soberania e de política externa. A sua preferência vai sempre para a esquerda, para os partidos com que já geriu conversações, durante a geringonça, a que já somou também o Livre. Na moção diz mesmo que 2015 produziu “uma alteração histórica” que não quer que se perca, recusando o argumento que vem do adversário quanto à perda de autonomia do PS com os entendimentos à sua esquerda.
Na moção, Pedro Nuno defende que essa abertura à esquerda garantiu ao PS o “lugar de partido central no sistema político e na defesa da maior construção coletiva da nossa democracia, o Estado Social”. Tenta acertar no centro do alvo de Carneiro, abatendo o argumento da perda de autonomia e também o do risco de radicalização.
A relação com o legado de Costa
Ninguém quer (ou pode) renegar o passado a que pertenceu tão recentemente – no caso de um dos candidatos, José Luís Carneiro, ainda pertence. A herança da governação Costa é pesada, para o bom e para o mau, mas ambos os candidatos à sua sucessão fazem por levar ao colo cuidadosamente o legado que deixa no país.
José Luís Carneiro avisou que pretendia apresentar-se como o verdadeiro herdeiro do costismo e, na sua moção, parece querer cumprir a promessa. O candidato escreve 61 vezes a palavra “continuar”, nos mais variados contextos, prometendo prosseguir e renovar iniciativas lançadas por Costa, como os acordos de rendimentos ou dos salários para a Função Pública, negociados na concertação social. E dedica mesmo um capítulo específico ao elogio da era Costa, a quem atribui um “legado sem precedentes”, com destaque para os resultados da política de contas certas – redução do défice e da dívida à cabeça.
Nesse trecho da moção, Carneiro dedica-se a elencar de uma vez todas as conquistas do costismo, incluindo pelo meio algumas medidas que foram da sua responsabilidade enquanto Secretário de Estado das Comunidades ou Ministro da Administração Interna. E acaba por defender que cabe ao PS “reafirmar a relação de confiança que sempre manteve com o povo português e garantir a continuidade da sua governação”, uma governação “de resultados e contas certas”. A ideia é fazer com que a economia portuguesa tenha um “porto seguro” para temos conturbados e incertos – exatamente a mesma expressão que Costa tinha usado para falar deste Orçamento do Estado.
No caso de Pedro Nuno Santos, a tentativa é de descolagem, mas com muito pudor. Logo no arranque do texto da moção o candidato tenta um equilíbrio difícil, comprometendo-se ao mesmo tempo com um “PS de continuidade e de renovação” – muito na linha do que tem feito em campanha, pouco interessado em apresentar próximos de Costa na sua frente de ataque, ao contrário do que tem feito o seu adversário. E a sua proposta tenta seguir essa via: cada capítulo começa sempre pela descrição dos feitos e dos resultados conseguidos pelo PS na área concreta a que se refere, com os respetivos elogios, e só depois avança com a sua proposta.
O legado que parece mais empenhado em escudar é mesmo o da geringonça. Aparece logo no início da sua moção de orientação nacional, quando fala na “alteração histórica” que o líder que está de saída conseguiu conquistar em 2015 e afirma que esse “é um legado do ciclo de liderança de António Costa que deve ser protegido”.
Justiça e democracia
A Justiça é tema sensível para o PS nesta altura em que o seu Governo cai devido a um processo judicial. Os dois candidatos têm tentado manter o tema afastado da campanha interna, mas sabem que as suas propostas políticas nessa área estarão debaixo de lupa.
José Luís Carneiro já tinha adiantado a intenção de avançar com uma “reflexão” que culminasse numa reforma do setor da Justiça. Desta vez, chama-lhe “Compromisso para a Justiça” e promete envolver nesse processo agentes judiciais, academia, partidos e sociedade civil, num dos muitos pontos da moção em que se retrata como um candidato propenso ao diálogo e à concertação. Quanto a possíveis resultados desse “compromisso”, Carneiro prioriza entendimentos que garantam uma maior rapidez na Justiça, onde se devem evitar os complexos “megaprocessos” e reforçar a especialização dos tribunais e a revisão dos prazos judiciais, mas também o reforço da “prestação de contas” do lado do Ministério Público.
Neste capítulo, onde inclui várias reformas com o objetivo de “aprofundar a qualidade da democracia”, o ministro da Administração Interna promete ainda apresentar propostas para a reforma do sistema eleitoral nos primeiros seis meses da próxima legislatura. E quer recuperar a ideia de regulamentar o lóbi, uma iniciativa que já fez caminho até à Assembleia da República por várias vezes e nunca chegou a ser aprovada, assim como a criação da “pegada legislativa”, para que se perceba onde e como nascem os projetos de lei – um tema particularmente quente na sequência da polémica que rodeia a criação do data center em Sines.
Pedro Nuno Santos é mais comedido nas ideias nestas áreas e a sua proposta para a Justiça cinge-se a defender um “amplo debate a propósito do sistema de seleção, formação e governo dos magistrados e da magistratura, assim como dos demais agentes da Justiça, refletindo as preocupações da sociedade civil”. Depois também prevê a necessidade de garantir maior celeridade no setor e também “valorizar as carreiras, formação e conteúdos funcionais dos oficiais de Justiça, conservadores de registo e oficiais de registo” e na necessidade de ter uma justiça mais célere — pedindo reflexão sobre a “excessiva privatização da Justiça”.
Nesta área, onde Pedro Nuno Santos vai mais longe é mesmo na defesa da “introdução do direito de queixa constitucional (ou recurso de amparo), de modo que as pessoas e empresas possam aceder diretamente ao Tribunal Constitucional“.
Sobre o lóbi e regras para a relação entre empresas privadas e o Estado, o candidato nada diz na moção, embora tenha falado nisso publicamente na última semana. Na entrevista que deu ao podcast “Perguntar não ofende”, revelou ainda estar a estudar o assunto, embora avise: “Se faz sentido haver regras transparentes e bem definidas sobre como se relaciona um investidor privado e um Governo, também não se deve estar a legalizar uma prática que é um crime, nomeadamente o tráfico de influências”.
Saúde
Mais uma proposta de Carneiro, mais um pacto, desta vez na Saúde: chama-se “Compromisso Plurianual para a Saúde” e é suposto incluir planos de investimento em infraestruturas e equipamentos e “dignificação” dos profissionais. O atual ministro quer investir na formação de médicos para combater as falhas visíveis no SNS, mas também apostar numa “otimização” da prestação de cuidados nesta área, privilegiando as Unidades de Saúde Familiar modelo B.
Carneiro já tinha, de resto, explicado que a sua aposta passaria por uma maior articulação com o setor social. É assim que surge a sua proposta para garantir, com a ajuda das instituições do setor social, o reforço de 50% na capacidade de consultas, cirurgias e exames de diagnóstico – assim como o programa “Voltar a Casa”, para permitir o regresso a casa de 300 idosos que estão em hospitais por falta de retaguarda familiar.
Já Pedro Nuno começa logo por definir o que distingue o SNS dos “demais prestadores de saúde”: é que o seu único objetivo é “melhorar a saúde da população”. O seu pé atrás face aos privados salta à vista, aliás, quando critica o aumento da oferta do setor privado. “Quando a classe média deixa de recorrer ao SNS, este perde sustentação política e, em última instância, financeira”, argumenta o socialista que defende o reforço dos “instrumentos de regulação das relações entre o setor público e o setor privado”, bem como a existência de “critérios claros” para a participação dos privados no sistema nacional de saúde.
Agora, defende Pedro Nuno, caberá a um eventual novo Governo concluir as reformas que Costa colocou em marcha, mas “avaliá-las” e “alterá-las” se for necessário. Também prevê uma “valorização” dos profissionais de Saúde, depois de nos seus comentários na SIC ter chegado a defender que o Governo deveria procurar a “paz” com os médicos, com quem tem estado a negociar aumentos salariais, e envolver as Finanças no assunto.
Pensões
O tema ganhou gás esta semana, depois de o líder do PSD ter vindo prometer aumentar o Complemento Solidário para Idosos, de forma a garantir que nenhum pensionista chegue a 2028 com menos de 820 euros mensais de rendimento. Os candidatos socialistas uniram-se no ataque a Montenegro, pedindo mais explicações, mas de caminho juntaram propostas para o mesmo apoio mensal para idosos de baixos recursos.
Na sua moção, Carneiro compromete-se a continuar o caminho que foi sendo trilhado na era Costa, no sentido de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, ainda que não avance com planos concretos nesse sentido. Além de trabalhar para assegurar essa “sustentabilidade” do sistema, a ideia é continuar a “valorizar as pensões” que já existem, para que os pensionistas mantenham níveis de vida semelhantes aos que tinham quando trabalhavam.
Numa recente entrevista à SIC detalhou que a sua ideia passa por alterar o Complemento Solidário para Idosos, propondo-se a mexer na condição de recursos e também no modelo de atribuição, que quer que passe a ser automático. Não disse muito mais, explicando apenas que o problema na condição de recursos é que faz depender “o apoio dos rendimentos dos filhos e, por vezes as condições de vida dos filhos estão desligadas da condição de vida dos mais idosos”.
Já Pedro Nuno Santos também avança, na sua moção, com alterações ao Complemento Solidário para Idosos. Aproxima-se de José Luís Carneiro e, tal como ele, diz que “importa rever os critérios de acesso ao Complemento Solidário para Idosos, numa perspetiva de cidadania e emancipação, reconhecendo de modo pleno o direito individual de acesso”.
Dívida pública
As contas certas foram a grande marca dos governos Costa e esse princípio será, no que depender de José Luís Carneiro, para continuar sem hesitações nem desvios. É essa a promessa que o candidato deixa, lançando farpas a quem duvida da necessidade de reduzir a dívida. Não é que Pedro Nuno Santos o faça, mesmo discordando do “ritmo” a que isso deve acontecer; mas Carneiro tem feito questão de lembrar a famigerada declaração em que Pedro Nuno, nos idos de 2011, ameaçava pôr “as pernas dos banqueiros alemães” a tremer com a ideia de não pagar a dívida portuguesa.
Ora Carneiro quer distanciar-se em toda a linha de qualquer dúvida sobre a importância da redução da dívida e, ao contrário de Pedro Nuno, acredita que “continuará a ser possível” garantir um equilíbrio entre esse objetivo, o crescimento e o investimento. “Não compreender a necessidade de reduzir a dívida pública”, lê-se na moção, é “não compreender o risco que recai sobre a economia portuguesa”, nem compreender que se esse montante não for reduzido haverá menos dinheiro disponível no futuro para investir noutras prioridades. Por aqui, a redução da dívida – presumivelmente num ritmo semelhante ao que foi adotado nos governos Costa – continua a ser uma prioridade de topo.
A frase de 2011 tem perseguido o candidato socialista, que a remete para esse passado e para o encontro partidário reservado onde foi apanhado no famoso “ponham-se finos”. Agora jura fidelidade a esse compromisso, embora deixe claro que tem dúvidas quanto ao ritmo a que ele tem acontecido. Por um lado, admite que a “estratégia de descida da dívida é essencial”, por outro diz que “não pode ser vista como uma prioridade isolada”. Pedro Nuno acredita que “uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o Governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas”. Já o tinha dito no seu espaço de comentário de curta duração e agora deixa-o plasmado na sua proposta política para o partido.
Trabalho
Na área do Trabalho, Carneiro e Pedro Nuno Santos mantêm uma linha de pensamento semelhante à que enfureceu os partidos à sua esquerda durante os tempos de geringonça: não apresentam uma intenção de mexer a fundo nas leis laborais.
No caso de Pedro Nuno a questão ganha outro relevo, tendo em conta que é com os partidos à sua esquerda que conta compor uma maioria que lhe permita governar o país. É que em 2019 foi a recusa do PS em alterar as leis laborais, no sentido que a esquerda pedia e em recuar no alargamento do período experimental ou na caducidade da contratação coletiva, que deitou por terra uma reedição da geringonça. Agora, o socialista que coordenou no Parlamento essa frente de esquerda aparece a dizer que “é preciso evitar a tentação de fazer alterações sucessivas à legislação”. Para este candidatos, foram feitas “reformas importantes” na legislação laboral, “mas é preciso garantir que a lei é cumprida”. Reduz o que há a fazer ao “reforço dos meios da inspeção do trabalho, tanto do ponto de vista dos meios humanos, como da modernização da atividade inspetiva”.
Já o pouco que José Luís Carneiro admite fazer nesta matéria concentra-se especificamente em melhorar as condições dos trabalhadores das plataformas digitais. E volta a apostar na continuidade ao recuperar os acordos que António Costa assinou para o reforço dos rendimentos no privado e para os aumentos na Função Pública, pretendendo reforçá-los, em diálogo com os parceiros sociais. Também promete uma subida do salário mínimo, que quer aproximar do montante praticado em Espanha nos próximos quatro anos, embora ainda não avance com números.
Impostos
A julgar pelas moções, este não parece ser um tema central para nenhum dos dois candidatos. A proposta política de José Luís Carneiro é, para já, quase omissa em matéria fiscal, tendo apenas uma proposta de dedução fiscal dos juros de empréstimos à habitação (atualmente só é possível para empréstimos contraídos até 2011). Quanto à de Pedro Nuno Santos resume-se ao reconhecimento do aumento da carga fiscal. E ainda que explique que é “mais influenciado pelo crescimento das contribuições sociais (que cresceram 53%, fruto do aumento do emprego) do que dos impostos diretos (cresceram 33%) ou dos indiretos (cresceram 39%)”, também diz que é preciso mudar alguma coisa. E aponta para os impostos indiretos, referindo que é essa “que mais impacta no rendimento disponível das famílias com mais baixos rendimentos. Ao mesmo tempo, devem ser encontrar “formas de reduzir a fatura fiscal da energia, de modo a combater a pobreza energética”, acrescenta ainda nesta área. Sobre IRS, nada é dito.
Economia e empresas
No caso de Pedro Nuno Santos é no modelo económico que surge a proposta mais significativa, com o candidato à liderança a apostar na “transformação do perfil produtivo da economia nacional”. É através desta mudança que, diz, vai ser possível “pagar salários mais elevados e ter capacidade para oferecer oportunidades atrativas para os jovens qualificados”. E a sua alteração passa por “intensificar a sofisticação e complexidade dos bens e serviços produzidos”, ao mesmo tempo que definiu como prioridade na sua estratégia de políticas públicas o “investimento na ciência e investigação e na transferência desse conhecimento para as empresas”. Ainda que elogie que as exportações tenham chegado a metade do PIB, diz que “é necessário que elas ganhem uma maior intensidade tecnológica”. É isso que vai permitir às empresas nacionais “competir com concorrentes que produzem bens e serviços mais sofisticados, de tirar proveito das oportunidades criadas pelo avanço tecnológico, de aumentar os níveis de produtividade, e de pagar melhores salários”.
Também defende a intervenção do Estado nesta matéria que quer mais notória ao nível do investimento em infraestruturas, uma área que conhece bem, já que foi ministro do setor até ao início deste ano. “O país carece de investimento em todos os modos de transporte: ferroviário, rodoviário, marítimo-portuário e aeroportuário”, refere o texto da moção que defende como “necessário manter um ritmo crescente e previsível de investimento, sem quebras abruptas”. Propõe mesmo uma “nova estratégia para as empresas públicas”, na coordenação do investimento e construção de clusters industriais, com um regime jurídico diferente do que foi “criado em 2013 durante o programa da troika introduziu um regime apertado de controlo financeiro sobre as empresas públicas.”
Já no caso de José Luís Carneiro, a grande aposta na frente económica é o novo programa Mais PME, que pretende apoiar o financiamento das pequenas e médias empresas. O programa tem três eixos: baixar o custo de financiamento na componente em que o Estado pode intervir, assegurando custo zero nas garantias públicas junto da banca – “pode corresponder a uma redução de um terço do custo de financiamento das PME”, assegura a moção; estabelecer um prazo máximo de 90 dias (e, no futuro, apenas 30) para os reembolsos dos projetos apoiados por fundos comunitários; e “redirecionar” para as PME uma parte dos fundos europeus, de forma a apoiar a sua modernização.
Educação
É uma área em que Pedro Nuno Santos avança com uma promessa de peso e com impacto junto dos professores, respondendo a uma das suas maiores reivindicações da classe nos últimos anos. É uma reivindicação que colocou os professores na rua contra António Costa por diversas vezes, chocando sempre no seu argumento de que foi o seu Governo que fez o relógio da contagem do tempo de serviço, que estava congelado, voltar a andar, mas que “não é possível pôr o relógio a andar para trás”. Está plasmado na sua moção o compromisso com uma “recuperação faseada do tempo de serviço congelado” das carreiras da Administração Pública, onde se incluem os professores.
Já na quarta-feira passada, quando o Parlamento votou a proposta de alteração do PSD que devia a reposição integral do tempo congelado, o deputado socialista tinha entregado uma declaração de voto a explicar que tinha votado contra por uma questão de disciplina de voto, mas que concordava “genericamente” com a proposta do PSD.
No caso de Carneiro, não há promessas nem referências à questão da contagem do tempo de serviço dos professores: o que se sabe é apenas a promessa que o candidato deixou, numa das primeiras entrevistas, de “avaliação da alegada injustiça relativa” que representaria o tempo que ficou congelado e “uma estimativa” dos custos da recuperação desse tempo, que, recordou, exigiria uma despesa permanente. Nesta área, a aposta de Carneiro passa por descentralizar mais competências para os municípios, reforçar a formação dos professores e a sua autoridade e “condições de trabalho”.
Carneiro promete ainda criar uma rede de escolas de ensino profissional e manter a estratégia de “alargar o ensino superior a novos públicos” (a ideia é chegar a uma taxa média de frequência do ensino superior de 6 em cada 10 jovens com 20 anos até 2030).
Habitação
É uma área que Pedro Nuno Santos tutelou e onde agora surge a defender um aumento da oferta pública de habitação. Reconhece o que foi feito — e pelo qual também responde — mas diz que esse esforço “não se pode nem limitar nem no tempo nem no quadro de investimento do Plano de Recuperação e Resiliência”. “O investimento na requalificação, no alargamento e na diversificação do parque público deve ser um desígnio duradouro”, defende na sua moção.
Houve uma entrevista, no podcast de Daniel Oliveira, em que Carneiro fez questão de fazer pontaria a Pedro Nuno e disparar contra a falta de investimento na área da Habitação nos seus tempos de ministro. Agora, o candidato também defende que é preciso aumentar “muito significativamente” o parque público de habitação acessível, a construção de nova habitação e a reabilitação urbana, colaborando com os setores privado e cooperativo, que se devem juntar num “grande Pacto Nacional para a Habitação”. Para acelerar estas soluções, o socialista quer priorizar “a construção a partir de soluções com preparação industrial, como a construção modular ou soluções pré-fabricadas”, e reanimar as cooperativas. A ideia também passa por facilitar o uso de imóveis devolutos – uma ideia que nos tempos de Costa foi tão polémica que acabou por ser incluída apenas de forma muito suavizada nas novas leis para a Habitação.
TAP e aeroporto de Lisboa
Nem uma palavra na moção do ex-ministro que esteve na renacionalização e na reestruturação da companhia e que estava também a liderar o processo de privatização, sendo interrompido pela sua saída, também por causa da mesma TAP. É uma ligação umbilical e tensa, mas nem assim (ou por isso mesmo) Pedro Nuno Santos faz menção ao tema, nem de forma indireta.
Os moldes da privatização vão cair nas mãos do próximo Governo – depois do recente veto político do Presidente da República –, mas tudo o que se sabe de Pedro Nuno é que não quer que seja vendida a maioria do capital a privados, com o Estado a manter a sua influência dentro da companhia aérea portuguesa. É uma “cicatriz” na qual ainda parece ser cedo para tocar.
Já Carneiro, que já criticou diretamente os “impactos muito negativos” da gestão de Pedro Nuno no dossiê TAP, tem menos problemas em falar do assunto e diz que a associação da TAP a um grupo internacional que crie complementaridades, “num quadro de privatização”, é “importante”. Isto assumindo que se mantêm como prioridades a garantia das necessidades estratégicas do país e do hub em Lisboa.
Carneiro defende ainda que cabe ao PS “desfazer o mito mediático de que a TAP é um sorvedouro de dinheiro público”, lembrando que a companhia aérea recebeu altas injeções de dinheiro durante a pandemia e depois “regressou aos lucros” e é hoje “muito bem gerida”. Também se refere a outro dos temas mais delicados para Pedro Nuno – a localização do novo aeroporto de Lisboa – dizendo que esta é uma “decisão central” que deve respeitar a metodologia que foi acordada com o PSD. “O país não pode hesitar e adiar de novo esta decisão. Em função dos relatórios produzidos pela Comissão Técnica Independente, o governo decidirá e deve fazê-lo rapidamente”. Pedro Nuno também achou que o país não podia “adiar”, mas nessa altura fez aprovar o famigerado despacho que António Costa acabou por revogar menos de 24 horas depois.
Europa
Carneiro arranca a sua moção defendendo que o PS deve colocar a Europa numa posição de “maior centralidade” no seu programa político, aproveitando desde logo para fazer uma referência velada aos méritos de António Costa nesta frente: “O país e o PS dão cartas na Europa e participam de pleno direito na consolidação e aprofundamento do projeto europeu”. Carneiro acredita que o país não poderá nunca ser um “ator passivo” no contexto europeu e deve, de resto, fazer um esforço no sentido contrário: tentar aumentar a presença de funcionários nas instituições europeias e aprofundar a estrutura da coordenação de assuntos europeus no Governo são dois dos objetivos que estabelece. Um PS liderado por Carneiro também defenderá a criação de um “instrumento orçamental permanente” inspirado na execução do Plano de Recuperação e Resiliência.
No caso de Pedro Nuno a referência à União Europeia tem uma leitura adicional, para lá da expressão do europeísmo socialista. É que entre os partidos à esquerda com quem quer preservar ligações estreitas, o candidato tem também críticos do projeto europeu e até defensores de corte com os tratados europeus. Assim, aproveita a moção para deixar uma declaração sobre estas matérias (incluindo também o compromisso com a NATO), ao defender a continuidade da “linha de política externa que o partido ajudou a definir após o 25 de Abril, e que inseriu Portugal simultaneamente no espaço europeu e no espaço atlântico”.
E com as eleições Europeias já marcadas no calendário (9 de junho), Pedro Nuno Santos promete “honrar a sua vocação de partido pró-europeu e empenhar-se-á, com os seus congéneres europeus, em apresentar pessoas e ideias que permitam prosseguir o caminho rumo a uma Europa mais inclusiva, solidária, sustentável, num ambiente internacional imprevisível e de constante mudança.”
Regionalização
A história da regionalização nunca concretizada (mas prevista na Constituição) é longa e ambos os candidatos recuperam a mesma promessa – tal como António Costa, que chegou a prever que em 2024 chegaria o tempo de voltar a “dar a voz ao povo” sobre a divisão do país em regiões administrativas, caso o processo de descentralização estivesse a correr bem. José Luís Carneiro volta ao mesmo tema eternamente adiado e defende que o PS deve “suscitar e liderar um amplo debate nacional” que leve à convocação de um novo referendo sobre a regionalização.
Na moção, Pedro Nuno Santos escreve que “é necessário prosseguir, monitorizar e avaliar em tempo útil e com indicadores qualitativos e quantitativos o procedimento de integração dos serviços desconcentrados do Estado nas CCDR, o que permitirá retirar importantes lições para um processo participado de regionalização”.
Coloca a regionalização como fruto de “um amplo consenso político e social”, mas diz que o “passo que se seguirá será o de avaliar o movimento de descentralização”. Depois de entregar a moção, em declarações aos jornalistas à porta da sede nacional do PS, o candidato disse que “é fundamental dar cumprimento à Constituição” assumindo como “compromisso claro a realização do referendo para a regionalização”.
Ambiente
Quanto à emergência climática e à proteção do Ambiente, Carneiro defende que o país continue alinhado com o Pacto Ecológico Europeu. Neste tópico a ideia passa sobretudo por continuar as iniciativas lançadas do tempo de António Costa ou até antes, incluindo a aposta nas energias renováveis e nos modos de mobilidade suave. O candidato defende também que não se “esqueçam” as “possibilidades” que a aposta no hidrogénio representa, para ajudar a reduzir as emissões de carbono. Para isso pretende “continuar a promover e mobilizar investimento e público e privado” nessa área, assim como no desenvolvimento de infraestruturas de fornecimento de hidrogénio aos consumidores finais.
É também um tema importante para Pedro Nuno Santos, que assume a intenção de “mobilizar toda a energia social para este desafio coletivo, acelerando reformas na transição energética e climática e antecipando em 5 anos a neutralidade carbónica para 2045”. E um dos capítulos onde pretende apostar é o da mobilidade sustentável, tendo a ferrovia – que tutelou no Ministério e que se tornou a menina dos seus olhos – como “pilar fundamental” desse seu objetivo. Coloca o comboio de alta velocidade como como “espinha dorsal” do desenvolvimento de uma rede transeuropeia de transportes.