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Home of Zeb and Bobbi Jo Stinnett in Skidmore, Missouri.
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A casa de Bobbie Jo Stinnett, em Skidmore, no estado de Missouri, onde foi assassinada

Larry W. Smith/Getty Images

A casa de Bobbie Jo Stinnett, em Skidmore, no estado de Missouri, onde foi assassinada

Larry W. Smith/Getty Images

A história de Lisa Montgomery, a única mulher (há 12 anos) no corredor da morte dos Estados Unidos

Em dezembro de 2004, Lisa Montgomery matou uma mulher grávida e retirou-lhe o bebé, que sobreviveu. Está há 12 anos no corredor da morte. A execução ainda pode ser travada por Joe Biden.

Há meses que Lisa Montgomery dizia ao marido que estava grávida, mesmo apesar de não poder ter mais filhos — tinha feito uma laqueação das trompas, engravidar seria praticamente impossível e o marido sabia-o. Era algo a que até já estava habituado: a mulher, então com 36 anos, tinha um histórico de contar que estava grávida, mesmo não estando, a qualquer pessoa que lhe aparecesse à frente. Só que, no dia 16 de dezembro de 2004, Lisa Montgomery ligou-lhe a dizer que tinha entrado em trabalho de parto enquanto estava às compras e acabara de ter a criança numa clínica. Era um verdadeiro milagre de Natal.

Contaram aos quatro filhos dela, de outro casamento, anunciaram o nascimento da criança aos familiares e amigos. Mas, no dia seguinte, a polícia bateu à porta. Vinha deter Lisa Montgomery por suspeitas de ter matado uma mulher grávida de oito meses e ter-lhe cortado a barriga para tirar o bebé que agora ostentava como seu. A mulher de 36 anos foi detida e o bebé foi-lhe retirado e entregue ao verdadeiro pai.

Lisa Montgomery Police Booking Photo Lisa Montgomery Police Booking Photo

As fotografia tiradas pela polícia da cidade de Wyandotte, quando Lisa Montgomery foi detida

Getty Images

As suspeitas, já de si consistentes, acabariam por confirmar-se. Montgomery confessou os crimes e acabou condenada à pena mais severa que existe no sistema judicial norte-americano: morte. Ao longo de mais de 10 anos, os seus advogados esgotaram todas as hipóteses de recorrer da decisão em todas as instâncias possíveis. A mulher, agora com 52 anos, sofre de uma doença mental grave — a sua equipa de advogados garante que nem sequer é possível perceber se Lisa Montgomery tem noção de que está no corredor da morte. A doença, segundo explicaram psiquiatras durante o julgamento, é resultado de anos de agressões violentas dos pais, que lhe terão deixado graves danos no cérebro. E também de abusos sexuais por parte do padrasto e por amigos que lhe pagavam para abusar sexualmente da enteada.

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12 de janeiro de 2021. Apesar dos pedidos dos advogados, era esta a data agendada para a injeção letal de Lisa Marie Montgomery — a única mulher atualmente no corredor da morte dos Estados Unidos. Só que a execução foi adiada devido a um erro e agora a nova data, ainda a definir, será marcada apenas para depois da tomada de posse de Joe Biden, que se opõe à pena de morte. Será Montgomery salva pelo novo presidente dos Estados Unidos?

Fez-se passar por criadora de cães para marcar um encontro com a vítima

Lisa Montgomery conheceu a sua vítima na internet. O nome dela era Bobbie Jo Stinnett e tinha 23 anos. Começaram a conversar online num fórum para donos e criadores de cães da raça rat terrier. Montgomery, que se apresentava sob o pseudónimo de Darlene Fisher, apercebeu-se de que a mulher com quem falava estava grávida e partilhou que também ela estava à espera de um bebé. As conversas deixaram de ser tanto sobre cães e passaram a ser mais sobre as gravidezes. Stinnett não sabia que apenas a dela era verdadeira.

Montgomery conheceu a sua vítima na internet. O nome dela era Bobbie Jo Stinnett e tinha 23 anos. Começaram a conversar online num fórum para donos e criadores de cães da raça rat terrier.

Não havia razões para suspeitar e, por isso, quando Montgomery sugeriu marcar um encontro na casa de Bobbie Jo Stinnett sob o pretexto de querer comprar um rat terrier, a mulher de 23 anos não pensou duas vezes, descreve o relatório do FBI. Assim, no dia 16 de dezembro de 2004, menos de duas semanas antes do Natal, Montgomery percorreu quase 300 quilómetros desde a sua casa, em Melvern, no estado do Kansas, até Skidmore, no estado de Missouri. No dia anterior, tinha mandado uma mensagem a Stinnett a dizer que estava ansiosa pelo encontro.

Momentos antes de Lisa Montgomery chegar à casa da sua vítima, Stinnett recebeu uma chamada. Era a sua mãe, Becky Harper, a pedir-lhe que a viesse buscar ao trabalho. Mas a filha explicou-lhe que não podia porque estava à espera de umas pessoas interessadas em comprar os seus cães. E desligou a chamada logo depois: “Oh, eles já estão aqui. Tenho de ir”, detalha o FBI. Foi a última vez que Becky Harper falou com a filha.

Montgomery estacionou o seu Toyota vermelho, muito sujo, à porta da casa, por volta das 12h30, de acordo com o depoimento de um vizinho. Deixou a sua aliança no carro — talvez para não a manchar de sangue, explicou um psiquiatra forense ouvido em tribunal — e saiu. Na casa da vítima, antes de cometer o crime, brincou com os cães no quintal, relata o The Huffington Post.

Foi então que a mulher de 23 anos foi surpreendida pelas costas, quando Montgomery, que conhecia por Darlene Fisher, lhe colocou uma corda à volta do pescoço e estrangulou-a até à morte. Depois, usou uma faca de cozinha para cortar a barriga da vítima, retirando de lá o feto. Stinnett estava grávida de oito meses.

Vítima foi encontrada pela mãe. Bebé foi entregue à família e Montgomery confessou: “Algo fora do normal aconteceu”

Foi a mãe de Bobbie Jo Stinnett que a encontrou, cerca de uma hora depois do homicídio, num cenário de verdadeiro horror. Harper ligou de imediato para a polícia e descreveu os cortes que a filha tinha na barriga. As tentativas dos paramédicos de a reanimar foram em vão. Era evidente que a mulher de 23 anos tinha sido estrangulada — ainda se notavam as marcas da corda — e que o seu feto tinha sido retirado. Mas duas perguntas ficavam por responder: quem tinha feito isto e onde estava o bebé?

Home of Zeb and Bobbi Jo Stinnett in Skidmore, Missouri.

Lisa Montgomery combinou um encontrou com a vítima na sua própria casa, onde acabaria por acontecer o crime

Getty Images

No cenário do crime havia uma pista importante: foi encontrado um cabelo louro preso nas duas mãos da vítima. E se Stinnett não era loura, aquele cabelo só podia pertencer ao assassino. Chegar a Lisa Montgomery não foi, de facto, difícil. Uma análise ao computador da vítima foi suficiente para encontrar várias conversas entre ela e pessoas interessadas em cães. Uma delas, sob o pseudónimo de Darlene Fisher, tinha marcado um encontro exatamente à hora em que o crime aconteceu.

Não havia nenhuma Darlene Fisher em Skidmore e, por isso, a polícia teve de alargar a sua investigação — o que também não foi difícil. Através do endereço de IP do computador através do qual Stinnett recebia aquelas mensagens foi possível chegar à morada aproximada da casa da suspeita e a um número de telefone que pertencia a Kevin Montgomery, o marido de Lisa. Com a morada da alegada homicida, ainda que não completamente exata, a polícia começou a a contactar os vizinhos daquele bairro. Alguns deles deram-lhe uma informação que praticamente confirmava o crime: o casal tinha acabado de ter um bebé, uma menina, e Lisa tinha passado a manhã a mostrar a criança pelo bairro.

O próximo passo foi falar com o marido de Lisa Montgomery. Kevin explicou à polícia que no dia 16 de dezembro chegou do trabalho por volta das 17h00 e que recebeu uma chamada da sua mulher a dizer que tinha acabado de ter um filho. Pôs os outros filhos no carro e apressou-se a ir ao encontro da mulher no local que ela lhe indicara: o parque de estacionamento de um restaurante em Topeka, capital do estado do Kansas. Lá chegados, encontraram a mulher dentro do seu carro com um bebé nos braços. O que Kevin e os filhos não sabiam é que aquele bebé tinha sido fruto de um crime. E que, minutos antes, naquele mesmo carro, Lisa tinha cortado ela própria o cordão umbilical da recém-nascida, limpando também a criança com lenços, para reforçar a tese de que tinha dado à luz numa clínica.

Kevin pôs os outros filhos no carro e apressou-se a ir ao encontro da mulher no local que ela lhe indicara: o parque de estacionamento de um restaurante em Topeka, capital do estado do Kansas. Lá chegados, encontraram a mulher dentro do seu carro com um bebé nos braços.

Descoberto o caso, a bebé, Victoria Jo Stinnett, foi transportada para o hospital para ser observada pelos médicos e acabou por ser entregue aos cuidados do seu pai, Zeb Stinnett. Não restavam dúvidas e Lisa Montgomery foi detida nem 24 horas depois de cometer o crime. De acordo com o relatório do FBI, a mulher confessou ter estrangulado Stinnett e removido o seu filho. Admitiu também que mentiu ao marido quando lhe disse que tinha dado à luz uma criança. Naquele dia, quando saiu de casa, “algo fora do normal” aconteceu e, depois, o crime “ocorreu”, disse aos investigadores, segundo relata o The Huffington Post.

Doenças mentais, abusos sexuais e agressões físicas em criança. Montgomery terá sido vítima de tráfico de seres humanos

A defesa de Lisa Montgomery assentou em dois aspetos: a pseudociese de que sofria e os danos cerebrais decorrentes de espancamentos e abusos sexuais quando era criança. Durante o julgamento, os advogados de defesa afirmaram que a homicida sofria de pseudociese, uma doença mental que faz com que uma mulher acredite que está grávida, mesmo não estando, e tenha mesmo sinais físicos de gravidez. Um famoso neurocientista, Vilayanur S. Ramachandran, testemunhou em tribunal e explicou que o abuso sexual enquanto criança a predispuseram a doenças do foro psicológico. Ramachandran defendeu que Montgomery tinha uma doença mental grave quando cometeu o crime e que era incapaz de avaliar a natureza dos seus atos.

De acordo com os seus advogados e testemunhas, Lisa Montgomery sofreu anos de abusos na infância tão graves que se assemelharam a tortura. Abusos esses que fizeram com que mais tarde fosse diagnosticada com transtorno bipolar com características psicóticas, transtorno de stress pós-traumático complexo, epilepsia do lobo temporal e disfunção cerebelar, detalha o The Huffington Post. “Lisa Montgomery estava psicótica à hora do crime. Ela sempre aceitou as suas responsabilidades. É uma pessoa que sentiu um grande remorso, assim que se medicou adequadamente e teve pleno contacto com a realidade”, disse uma das suas advogadas, Amy Harwell, ao mesmo jornal.

Funeral Held For Woman Murdered In Stolen Fetus Case

O funeral de Stinnett aconteceu no dia 21 de dezembro

Getty Images

Filha de pais alcoólicos, Montgomery era a mais nova de duas irmãs. A sua mãe foi ouvida em tribunal e disse que estava arrependida por não ter impedido os abusos de que as filhas foram vítimas e por ela própria as ter agredido. Contou até que as primeiras palavras que Montgomery disse em criança foram: “Não me batas”. A irmã da homicida relatou que a mãe lhes batia com qualquer coisa que tivesse na mão e que o padrasto fazia o mesmo, mas com “tendências sexuais”. De acordo com o The Huffington Post, ainda criança, Lisa Montgomery acabaria mesmo por ser abusada sexualmente pelo padrasto, numa divisão da casa que ele construira para o efeito. E não só: mais tarde, também amigos do padrasto começaram a abusar sexualmente dela a troco de dinheiro.

No entanto, o procurador afastou todas estas hipóteses e afirmou que Montgomery planeou este crime com bastante antecedência. Isto porque, na tese da acusação, a mulher teria cometido este crime porque receava que, se o seu seu ex-marido, Carl Boman, descobrisse que estava a mentir acerca da susposta nova gravidez, usaria isso contra ela, num eventual processo de guarda dos quatro filhos do casal.

Advogados dizem que é difícil perceber se Montgomery sabe que está no corredor da morte

A 22 de outubro de 2007, o júri deliberou durante quatro horas para depois considerar que Lisa Montgomery era culpada pelo homicídio, escreveu o The New York Times. A 26 de outubro, numa nova sessão, o júri recomendou ao juiz Gary A. Fenner que aplicasse pena de morte. A mulher foi condenada à pena máxima em abril de 2008. Seguiram-se anos de recursos e tentativas por parte dos advogados de reduzir a pena de morte para prisão perpétua e, 12 anos depois, foi agendado o dia para a injeção letal: 8 de dezembro de 2020. A data estava marcada e Montgomery seria a primeira mulher a ser executada pelo governo dos Estados Unidos desde 1953: em prisões estaduais, foram executadas 16 mulheres desde 1976, mas por via de uma execução federal era algo que não acontecia há quase 70 anos.

Os advogados de defesa, porém, dizem que não conseguem perceber se a própria condenada tem noção de que está no corredor da morte, tal a gravidade da sua doença mental.

Quase 70 anos depois uma mulher vai voltar a ser executada pelo governo dos EUA

A data aproximava-se e era cada vez mais certo que Montgomery ia morrer a 8 de dezembro, especialmente tendo em conta que o governo Trump tinha reiniciado em julho as execuções federais, após uma pausa de 17 anos. Desde então fez cumprir 10 sentenças de morte: executou mais pessoas num ano do que qualquer outra administração em mais de 130 anos. Só que um dos seus advogados ficou infetado com o novo coronavírus e pediu ao tribunal algum tempo para conseguir fazer um pedido, diretamente ao presidente Donald Trump, de alívio da pena. O juiz acedeu e o Departamento de Justiça norte-americano marcou uma nova data: 12 de janeiro de 2021.

O juiz Randolph Moss, porém, considerou que esta remarcação era ilegal porque foi feita enquanto a execução estava suspensa. Assim, cancelou-a. O adiamento fez com que a execução de Lisa Montgomery seja marcada, muito provavelmente, para depois da tomada de posse do presidente-eleito, Joe Biden. Isto porque, nos Estados Unidos, os condenados devem ser notificados 20 dias antes da data da execução e, uma vez que a tomada de posse é a 20 de janeiro, é praticamente certo que o dia da injeção letal será agendado para depois. Se assim for, pode mesmo significar que Montgomery não seja executada de todo, uma vez que Biden já se manifestou contra a pena de morte e tem o poder de suspender as execuções marcadas logo após tomar posse.

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