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Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR
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Diz a lenda que o Castelo de Algoso é habitado por uma princesa moura, que foi enfeitiçada pelo pai para guardar um maravilhoso tesouro

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Diz a lenda que o Castelo de Algoso é habitado por uma princesa moura, que foi enfeitiçada pelo pai para guardar um maravilhoso tesouro

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

A moura encantada que vive no castelo, a barba de São João Baptista e o crocodilo horroroso que o rio levou: as lendas da aldeia de Algoso

A zona de Trás-os-Montes é rica em mitos populares e Algoso não é exceção. Fomos em busca das mouras encantadas da aldeia de Bragança com a ajuda de um livro e um contador de histórias muito especial.

No cima do cabeço da Penenciada, que se ergue a 600 metros de altura sobre o Rio Angueira, existe um castelo. Conhecido como o Castelo de Algoso, por estar próximo da aldeia do concelho de Vimioso, o monumento tem uma longa história que o liga aos primeiros reis de Portugal e à Ordem de São João do Hospital. Diz a lenda que, antes de ser dos cristãos, o castelo foi de um mouro, que governava com mão de aço as povoações da região. Com ele vivia uma filha, que se apaixonou por um fidalgo cristão. A pedido deste, a princesa facilitou a entrada dos cristãos no interior do castelo, resultando na derrota do exército do seu pai. Quando o rei mouro descobriu a traição, lançou um feitiço à filha e transformou-a em serpente, deixando-a nos subterrâneos da fortaleza a guardar, até ao seu regresso, um valioso tesouro.

O rei mouro nunca voltou, mas a princesa permaneceu nos subterrâneos, junto do tesouro. Há quem diga que os túneis vão desembocar à aldeia de Algoso e que é a moura que por vezes aparece nas noites de São João sentada sobre uma fonte sagrada a pentear os longos cabelos e a chorar a sua triste sorte. Assim que o sol começa a despontar no horizonte, desaparece e no seu lugar surge uma horrorosa serpente com um enorme cabeleira, que foge em direção à mina, cuja água o povo acreditava ter poderes curativos. Noutros tempos, a fonte sagrada de Algoso era alvo de romarias, sobretudo no dia de São João, quando os habitantes se banhavam nas suas águas, não em busca do tesouro da moura, mas da cura para os seus males.

Esta moura encantada não será única de Algoso. Na aldeia do distrito de Bragança, onde moram cerca de 281 pessoas, multiplicam-se as histórias sobre princesas que se transformam em serpente. Algumas delas foram recolhidas por Alexandre Parafita, professor universitário, investigador nas áreas da mitologia e património cultural imaterial e autor de vários livros sobre a tradição oral portuguesa. O mais recente, Mitologia Popular Portuguesa, publicado em novembro pela editora Zéfiro, inclui a lenda da moura encantada do Castelo de Algoso, numa versão que o investigador considerou mais credível. Mas existem outras variantes – e também outras histórias sobre estas figuras mitológicas. O capítulo de A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros sobre o concelho de Vimioso reproduz nove lendas sobre mouras encantadas, cinco delas recolhidas pelo professor universitário na zona de Algoso, o que testemunha a riqueza da região.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

A Capela de São João Baptista fica nos limites da aldeia, ao fundo de uma rua estreita que continua em direção a terrenos de cultivo

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

A recolha das lendas que Alexandre Parafita reúne nos seus livros é feita durante as suas viagens pelo Minho e Trás-os-Montes, junto dos habitantes mais idosos das povoações rurais. Estes contadores de histórias estão a desaparecer, mas ainda é possível encontrar quem saiba de cor as lendas da sua terra. Adelino Pinto, de 78 anos, é uma dessas pessoas. Conhecido por tio Camolas, alcunha que recebeu depois de interpretar uma personagem com o mesmo nome numa peça de teatro levada à cena em Vimioso, Adelino é o mais famoso contador de histórias Algoso e provavelmente o seu escritor mais dedicado. Sentado à porta do seu antigo café, o Café Camolas, Adelino passa os dias a escrever – as histórias da terra e também as suas. A mulher diz que são tontices, mas Camolas recusa. Defende a importância dos versos que coloca no papel e que gosta de ler em voz alta a quem se predisponha a ouvi-lo. As suas memórias já estão escritas e espera que um dia sejam publicadas pela junta de freguesia.

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A moura dos desejos que mora na fonte santa da Capela de São João

Encontrámo-nos com Adelino Pinto numa manhã fria e nublada de dezembro, na sede da união de freguesias de Algoso, Campo de Víboras e Uva. O edifício fica junto ao pelourinho, um dos vários monumentos da antiga vila e sede de concelho até 1855, quando foi extinto e transferido para Vimioso, a 15 quilómetros. Dali descemos uma curta rua em direção à fonte santa, onde se diz que a princesa moura aparece nas noites de São João, e à Capela de São João Baptista, a primeira paragem do nosso percurso em busca dos locais míticos de Algoso e das suas lendas. “Dizem que vêm uns túneis do castelo até aqui”, contou o tio Camolas, que nos acompanhou. Apontando para a serra, admitiu que nunca viu a moura ou os túneis: “Só sei que namorava aqui”, disse, com um riso maroto.

Apoiado na bengala, segurando um caderno de versos, Adelino Pinto recordou o tempo em que, no dia de São João, os habitantes da aldeia visitavam a fonte santa para lavar a cara. Os jovens iam de manhã. Nos outros dias, o costume era outro: “Quando era pequeno, a minha mãe dava-me jarros para vir buscar água para beber”. Há 70 anos, quando Adelino era garoto, havia apenas algumas fontes em Algoso. Mais do que um local de peregrinação, a fonte santa era, por isso, o centro da vida da povoação. “Havia muita falta de água. Vínhamos aqui e ali em baixo, onde havia umas poças e colhíamos a água à vez, com um copo de meio litro para os cântaros”, disse, apontando para uma outra fonte, mais abaixo, restaurada há alguns anos para marcar o local onde Adelino e outras crianças costumavam ir.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

No altar, existe, dentro de uma caixa de vidro, uma cabeça de São João Baptista. Antigamente dizia-se que a barba crescia e que era preciso apará-la

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

A história da fonte santa de Algoso perde-se no tempo. A aldeia costumava ser um ponto de passagem obrigatório para os romeiros que percorriam o Caminho de Santiago e que paravam junto da fonte para lavarem os pés doridos e descansar. No século XVII, foi construído no local uma pequena capela dedicada a São João Baptista. Era no adro da capela que se realizava a festa de São João, a 24 de junho, que desde a construção do recinto de festas passou para junto da igreja matriz. O interior é simples, sem grandes decorações, com exceção do altar em talha policromada que tem ao centro, dentro de uma caixa de vidro, uma imagem da cabeça do santo. Contava-se que a barba crescia e que era preciso apará-la. A capela encontra-se atualmente fechada ao público e a barba de São João parece ter deixado de crescer.

Também a fonte, que com o estabelecimento da água canalizada perdeu a sua centralidade na vida dos habitantes de Algoso, se encontra encerrada. Localizada perto de terrenos agrícolas, algumas pessoas ganharam o hábito de levar ali os animais a beber água, o que fez com que a sua utilização fosse proibida e se instalassem uns pesados portões de ferro para impedir o acesso. Os mais novos há muito que deixaram de tomar banho na fonte, mas, nas últimas décadas, uma nova tradição nasceu: na noite de São João, os rapazes andam pelos quintais e jardins a apanhar flores, que depois deixam em redor da capela. “Dizem que é tradição, mas não é. Querem fazer disto tradição”, comentou Adelino. “Não acho mal, é bonito.”

As antigas tradições perderam-se, mas as histórias, por enquanto, sobrevivem. Adelino Pinto coleciona-as como tesouros, em cadernos que enche com uma letra bem desenhada. “Dizem que tenho uma letra bonita”, admitiu, orgulhoso. “Tenho umas trovas de São João que posso ler.” Com os versos na mão, que trazia dentro de uma pasta preta, endireitou a pose e pôs-se. A primeira história falava sobre uma donzela que encontrou a Virgem Maria quando ia buscar água à fonte santa. Perguntou-lhe se casaria, e a Virgem respondem que sim e que teria três filhos: um seria bispo em Roma, outro cardeal em Braga e o mais novo seria “da Virgem sagrada”. O segundo poema, escrito por Adelino, era uma evocação ao “Glorioso São João”, “advogado dos pastores”:

“Ó glorioso São João
Vossa capela tem graça
Debaixo tem água santa
Que mata a sede a quem passa.

(…)

Glorioso São João
O vosso altar pequenino
Cheira a cravos cheira a rosas
Cheira a rosmaninho.”

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Adelino Pinto gosta tanto de escrever como de contar histórias, de outros ou escritas por si

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

“E agora? Querem que conte a história da moura?”, perguntou, guardando os versos na pasta preta. Respondemos que sim e o tio Camolas deu início à história, que se passou no tempo em que os cristãos perseguiam os mouros no território que é hoje Portugal: “Naquele tempo, havia um bruxo, curandeiro e feiticeiro que ganhava muito dinheiro com as romarias. Entre pobres, ricos, velhos e novos, vinha aqui toda a gente, porque não se fazia romaria noutro sítio. Ele tinha um casebre miserável junto à fonte, mas dizia-se que estava muito rico já. Apercebendo-se que os cristãos estavam a atacar a aldeia, agarrou nas riquezas, joias, ouro e prata, meteu tudo numa caixinha e fugiu para a montanha para a esconder. Agarrou numa sachinha, foi para debaixo de um chorão e escondeu lá a riqueza. Mas vinha uma moça do castelo para baixo, cantando — era a moura —, e o velho bruxo, pensando que ela o tivesse visto a esconder a caixa, que enterrou com terra, graveto, folhas, com tudo, fez uma reza e transformou-a em cobra. O bruxo fugiu e nunca mais se viu. E a rapariga ficou encantada.”

A história correu de boca em boca. Um rapaz, que tinha ouvido dizer que a moura concedia desejos a quem a encontrasse, decidiu procurá-la junto da fonte santa, onde diziam que ela aparecia. Então, numa noite de São João, escondeu-se atrás de um grande chorão e esperou que a rapariga surgisse a cantar sobre as águas. Já a noite ia alta quando a moura finalmente apareceu. Uma corça, que veio a correr desde o cimo do monte, chegou-se ao pé dela e lambeu-lhe as bochechas. A súbita chegada do animal fez o rapaz sair do esconderijo. “A corça espantou-se e fugiu e a moça desapareceu. E ele naquela atrapalhação toda nem pensou no que queria pedir!”, completou o tio Camolas.

"Agarrou numa sachinha, foi para debaixo de um chorão e escondeu lá a riqueza. Mas vinha uma moça do castelo para baixo, cantando — era a moura —, e o velho bruxo, pensando que ela o tivesse visto a esconder a caixa, que enterrou com terra, graveto, folhas, com tudo, fez uma reza e transformou-a em cobra."
Adelino Pinto, morador de Algoso e contador de histórias

Existe uma outra versão desta história, contada por Alexandre Parafita no livro A Mitologia dos Mouros, que envolve um humilde jornaleiro que, ao passar pela fonte, encontrou a moura e pôs-se a conversar com ela. Tanto conversaram que a rapariga prometeu dar-lhe tudo o que ele pedisse. Surpreendido, o jornaleiro disse que lhe bastavam seis vinténs por dia. “Está bem”, aceitou a moura. “Cá os terás debaixo de uma pedra, se os vieres apanhá-los ao dar da meia noite e não contares a ninguém.” Ele assim o fez, noite após noite, até que se viu obrigado a revelar o seu segredo aos antigos companheiros de jornada, que começaram a estranhar a recusa em os acompanhar. Depois desse dia, nunca mais a fonte lhe deu um vintém.

Adelino Pinto contou ao Observador que se falava numa outra moura encantada, que aparecia à meia-noite tecendo num tear de ouro. A história terá sido “abafada”, porque “não queriam que fosse descoberta”. O que realmente ficou por descobrir foi o tesouro do rei mouro. Alguns chegaram a procurar no castelo, na zona da cisterna, onde se dizia que estava enterrado, mas escavaram e não encontraram nada. As verdadeiras descobertas aconteceram por acaso, nos terrenos que circundam o monumento. Moedas, cerâmica, distintivos de capacetes e até ossos humanos — encontrou-se de tudo um pouco e muitas das peças, testemunhos da longa história de ocupação de Algoso e do seu castelo, decoram o centro interpretativo no Largo do Pelourinho, perto da junta de freguesia e a caminho do monumento. Algumas das peças em exposição foram encontradas pelo tio Camolas, quando andou a tirar pedra para a construção de um edifício.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

A Capela de São João Baptista foi construída no século XVII, no local onde existe uma fonte santa que era local de paragem dos peregrinos que percorriam o Caminho de Santiago

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Ao contrário da Capela de São João, normalmente encerrada (embora exista a possibilidade de pedir a chave à “mordoma”), o castelo, uma das fortalezas mais importantes do leste transmontano, e o centro interpretativo costumavam estar abertos todos os dias da semana, menos à segunda-feira (dia em que os museus encerram), mas a pandemia veio alterar a rotina. As medidas restritivas impostas devido à pandemia obrigaram ao encerramento dos espaços. Mais recentemente, a vigilante que tomava conta do monumento testou positivo à Covid-19, obrigando ao encerramento provisório do Centro de Acolhimento do Castelo de Algoso no mês de janeiro. A situação está a ser acompanhada de perto pela junta de freguesia, que espera poder retomar a atividade em breve.

Ao Observador, foi garantido que não faltam curiosos, mesmo no tempo mais frio, apesar do rigoroso inverno transmontano. O interior do castelo foi alterado para que possa ser visitado: uma escada em metal permite subir ao cimo da torre e vislumbrar a paisagem em redor, que inclui o Rio Angueira e a chamada Ponte dos Mouros. Tal como o castelo, a ponte nada tem a ver com os mouros, acreditando-se tratar-se de uma reconstrução do século XVIII de uma ponte da época medieval, provavelmente durante o período de permanência da Ordem de São João do Hospital na região. A ponte encontra-se ligada a uma calçada, também medieval, que poderá ter estado integrada no Caminho de Santiago. O processo de classificação das duas estruturas foi aberto em 2006, mas não chegou a ser concluído.

Questionada sobre o porquê de o processo não ter sido concluído, a Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN) explicou ao Observador que este foi dado como encerrado por não ter sido concluída a instrução até 30 de junho de 2013, data limite estabelecida para a conclusão dos processos que se encontravam “em vias de classificação” há mais de um ano, e também devido “ao elevado número de processos que então se encontravam em tramitação nos serviços da Secretaria de Estado da Cultura”.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Era no adro da capela que se realizava a festa de São João, a 24 de junho, que desde a construção do recinto de festas passou para junto da igreja matriz

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“A caducidade deste procedimento teve lugar no âmbito de uma atualização de vários procedimentos de classificação, cujo período de instrução se foi prolongando, sem conclusão, ao longo de vários anos e que a Direção Geral de Património Cultural entendeu (…) dar por encerrados administrativamente”, esclareceu a DRCN, salientando que “o encerramento de um processo de classificação por motivos administrativos não inviabiliza uma nova abertura de processo”, que deverá seguir “todo o procedimento de instrução nos termos legais previstos”. O pedido de classificação pode partir de qualquer cidadão ou instituição.

A ponte e a calçada de Algoso não estão, no entanto, desprotegidas, encontrando-se inventariadas “no Plano Diretor Municipal de Vimioso (Planta de Ordenamento, Anexo II do Regulamento e Carta de Património Arquitetónico) que assegura a sua proteção e salvaguarda”.

O tesouro e o crocodilo do Castelo de Algoso

No século XVII, quando o Castelo de Algoso, já em ruínas, acabou abandonado, foi construída a alguns metros uma capela dedicada a Nossa Senhora da Assunção. Para lá chegar, é preciso subir uma estrada íngreme, que termina no cimo do cabeço da Penenciada. A decoração interior é mais simples do que a de São João, com um retábulo em talha policromada e uma imagem da Virgem pintada sob um teto em madeira. As peças mais importantes encontram-se penduradas do lado esquerdo do altar, entre uma tela pintada na primeira década do século XX: dois pedaços de pele de crocodilo. A pintura, da autoria de António L. Rodrigues e filho, pintores de Vilar Seco, no concelho de Vimioso, conta como o animal foi parar a Algoso e como um milagre impediu a morte de uma criança:

“Andava aqui um lavrador e a mulher, ele a laborar a terra com as vacas e ela a cavar à volta das fragas. Fiz muito isso, quando era rapaz novo”, começou Adelino Pinto, a voz ecoando pela igreja vazia. “Eram recém-casados e tinham um filho pequeno. Deixaram o menino onde tinham a merenda, ao pé da albarda da burra. Quando na hora de comer foram à procura da merenda, o menino não estava. Ele não podia andar, não podia desaparecer. Perto dali viram o enorme crocodilo. Julgaram logo que tinha sido o crocodilo que o tinha comido. O lavrador, pensando em Jesus e na Virgem, saltou para cima do crocodilo com um machado, e pediu a Nossa Senhora que salvasse o menino. Então o crocodilo vomitou-o são e salvo.”

"De repente veio uma corça lá de cima, a correr, e chegou ao pé da moça e lambeu-lhe as bochechas. Ele saiu do esconderijo. A corça espantou-se e fugiu e a moça desapareceu. E ele naquela atrapalhação toda nem pensou no que queria pedir!"
Adelino Pinto, morador de Algoso e contador de histórias

Diz a lenda que foi o próprio lavrador que, como forma de agradecimento, mandou construir a capela, que dedicou a Nossa Senhora da Assunção. Antigamente, a capela, que funcionava como igreja matriz até à inauguração da Igreja de São Sebastião, era visitada por muitos crentes e fazia-se uma procissão para pedir chuva à Virgem ou para que parasse de chover. Quando chovia em demasia, o Rio Angueira transbordava das margens e “quase parecia um mar”. “Às vezes, quando chovia muito, estávamos na aldeia e sentíamos o rio. Vínhamos aqui ver”, recordou o tio Camolas, sugerindo que talvez tenha sido assim que o crocodilo chegou a Algoso, levado pelo rio. “Talvez o crocodilo viesse de algum lado e tivesse vindo aqui ter.” Talvez tenha de facto sido assim, mas não é possível saber.

Uma outra história, que Adelino costumava ouvir a mãe contar não envolve um crocodilo, mas uma cobra criada a leite por um cabreiro, que a encontrou quando era pequena. “A cobra estava tão amanhada com ele que ele assobiava e ela vinha logo. Ele dava-lhe leite e ela ia embora outra vez.” E assim foi até que o homem foi para a tropa. “Esteve na tropa muito tempo e a cobra cresceu muito. Ficou gigante, uma espécie de jiboia.” Quando regressou a Algoso, o cabreiro procurou logo pela cobra, assobiando como costumava fazer. “Mas como ele não levava leite, a cobra abraçou-se a ele e abafou-o. Verdade! Contava a minha mãe!”, garantiu o Camolas, explicando que se dizia que as cobras gostavam muito de leite e que bebiam o leite das mulheres grávidas. “Metiam o rabo na boca dos bebés para os calar e chupavam o leite.”

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A Capela de Nossa Senhora da Assunção, junto ao Castelo de Algoso, está associada a uma lenda local sobre um crocodilo. A pele do animal decora as paredes

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Junto à entrada principal da capela, com vista para os campos onde Andelino Pinto andou a tirar pedra, encontra-se hoje a antiga pia batismal. Não foi aí que foi batizado — a ligação do tio Camolas com a pia é outra. Quando era pequeno e andava ainda descalço, foi contratado por uns pintores e trolhas de Mirandela, que andavam a fazer uns trabalhos na igreja, para os ajudar. A mãe de Camolas era viúva (o pai morreu quando Adelino tinha apenas nove apenas), e ele e os três irmãos andavam à esmola. “A minha mãe fazia-lhes a comida e levaram-me com eles a trabalhar [na capela]. Andámos aqui a pintar a capela, fizemos uns pilares de cimento, e usámos a pia para queimar a cal branca.” Para isso, arrastaram-na para fora da capela, onde ficou até que alguém alertou para o perigo que era deixá-la na rua. Alguém mal intencionado podia levá-la.

Terminada a visita ao cabeço da Penenciada, trancámos a capela e fizemos o trajeto inverso, estrada abaixo rumo ao Largo do Pelourinho. Continuando em frente, pela Rua das Vidreiras, vai-se ter à igreja matriz, dedicada a São Sebastião. Encimada pela cruz dos Hospitalários, o templo conserva no interior vários outros símbolos da ordem. Mesmo à saída da aldeia, é possível encontrar uma outra capela, a de São Roque, mais pequena do que as de Nossa Senhora da Assunção e de São João, mas também datada do século XVII. Foi ali perto que nos despedimos de Adelino Pinto, antes de chegarmos à estrada que segue para Vila Nova de Foz Côa através da vila de Mogadouro e do Parque Natural do Douro Internacional, onde o rio Douro separa Portugal de Espanha. Prometemos voltar, e em troca o tio Camolas deu-nos um exemplar do seu livro de memórias, escrito com a sua letra bonita e desenhada, para que nunca nos esqueçamos dele e das muitas histórias que tem para contar.

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Adelino Pinto, conhecido como tio Camolas, é o mais famoso contador de histórias de Algoso

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Histórias com muitas lições para ensinar

As mouras encantadas não são apenas protagonistas das histórias de Algoso, mas de muitas outras histórias da literatura oral portuguesa. Estas lendas descrevem-nas geralmente como mulheres ricas, belas, sedutoras e irresistíveis, que guardam tesouros junto a fontes, rios, penedos, castros, grutas ou castelos. Costumam estar enfeitiçadas, tendo a capacidade de se transformar em diferentes animais, como a serpente. As lendas são variadas, e podem ser encontradas em vários pontos do país. A região mais a norte é, contudo, especialmente fértil, o que não deixa de ser curioso tratando-se de lendas que falam de mouros e mouras, que tiveram uma presença mais marcante no sul do que no norte do território português.

No caso das mouras, isso é, contudo, irrelevante. Raramente estão associadas a mouros históricos, mas antes a “mouros míticos”, como explicou Alexandre Parafita ao Observador: “As mouras encantadas são figuras geradas na memória coletiva. Nunca ninguém viu uma moura encantada, imaginou-se uma moura encantada. As mouras não são propriamente o feminino dos mouros da nossa história, são figuras do imaginário popular, que foram geradas no âmbito de uma inspiração cristã que procurou controlar um pouco a ambição desenfreada das pessoas.” É por isso que surgem muitas vezes associadas a tesouros, que, tal como nas histórias que envolvem a figura do diabo, nunca são acessíveis. “Há sempre uma prova que tem de ser superada pelo herói que não consegue ser superada. Os tesouros são sempre utopias”, afirmou o professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), apontando similitudes entre as mouras encantadas e outras figuras femininas de outras mitologias, como as fadas.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

O Castelo de Algoso foi construído no cima do cabeço da Penenciada, que se ergue a 600 metros de altura sobre o Rio Angueira

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Muitas vezes as lendas das mouras encantadas surgem associadas a espaços onde houve civilização. “É preciso olhar para elas como mensagens que foram deixadas por povos anteriores para dar testemunho que ali houve civilização”, defendeu o investigador. É o caso da lenda do Castelo de Algoso. Apesar de persistir entre os habitantes a ideia de que foi habitado por mouros, a fortaleza foi sempre ocupada por cristãos. Construído no século XII por Mendo Bofino, que seria um apoiante de Afonso Henriques contra a mãe, D. Teresa, em troca de Vimioso, numa altura em que a nobreza portuguesa procurava afirmar a sua autoridade na região, o castelo foi doado durante o reino de D. Sancho II à Ordem de São João do Hospital. Os Hospitalários foram responsável por várias alterações significativas, algumas ainda visíveis, como a torre de menagem e a cisterna onde alguns procuraram o tesouro. Com a expansão da autoridade régia em Trás-os-Montes, o Castelo de Algoso foi relegado para uma posição secundária na defesa da fronteira nortenha, sendo definitivamente abandonado no século XVII.

Escavações arqueológicas feitas no local permitiram confirmar que a zona do cabeço da Penenciada teve várias fazes de povoamento anteriores à Idade Média, durante a pré-história (Idade do Bronze e depois disso) e período romano, de que são prova os achados do tio Camolas e de outros habitantes nos terrenos que circundam a Capela de Nossa Senhora da Assunção. Algoso não será caso único. Alexandre Parafita acredita que é possível fazer muitas descobertas extraordinárias usando as lendas populares como guião. Ele próprio encontrou vestígios de ocupação perto de uma aldeia do concelho de Bragança seguindo as indicações de uma lenda. “De facto, a generalidade das lendas estão ligadas a espaços arqueológicos”, constatou, defendendo que “as lendas não são coisas banais. Não são histórias de velhos e de velhas. Os tesouros que estão associados a mouras encantadas são alegorias, que é preciso avaliar conforme as mensagens, interpretar. Há grandes lições a retirar de todos estes conteúdos”.

“As lendas não são coisas banais. Não são histórias de velhos e de velhas. Os tesouros que estão associados a mouras encantadas são alegorias, que é preciso avaliar conforme as mensagens, interpretar. Há grandes lições a retirar de todos estes conteúdos.”
Alexandre Parafita, professor e investigador

As mouras encantadas e outras personagens integram aquilo a que se chama mitologia popular portuguesa, tema do mais recente livro de Alexandre Parafita, “uma viagem ao fantástico na literatura oral tradicional, que se centra nos fenómenos e seres insólitos, geralmente de natureza sobrenatural, em que uns acreditam e se angustiam porque acreditam, e em que outros não acreditam, mas reconhecem-nos como fazendo parte de um sistema de pensamento que reflete a identidade de um povo e a sua memória coletiva. Isto é a mitologia popular”, esclareceu. Este conceito está ainda pouco estudado, por força da influência da mitologia clássica. “Quando falamos de mitologia remetemo-nos sempre para essas velhas mitologias clássicas, ignorando que existe, sobretudo nos países ruais, uma mitologia popular assente em figuras e fenómenos insólitos”, considerou o professor e investigador.

Apesar de ser um sistema distinto, é possível encontrar na mitologia popular muitas semelhanças com os mitos dos gregos e romanos e até mesmo com algumas das suas personagens. É o caso do olharapo, um gigante, violento e feroz, que tem um só olho no centro da testa, tal como os ciclopes da mitologia grega. Algumas histórias, disseminadas no Norte de Portugal e na Galiza, lembram até o mais famoso ciclope dos mitos gregos, Polifemo. É o caso da narrativa “O almocreve e o gigante”, recolhida por Alexandre Parafita em Vila Flor, no concelho de Bragança. Esta descreve o encontro de um olharapo com um almocreve e o seu filho e como, para se salvarem de serem comidos, estes o embebedam com vinho de Vilariça, uma região transmontana conhecida pelos produtos de grande qualidade, e o cegam com água a ferver. Como apontou Alexandre Parafita, a história tem semelhanças com a passagem de Ulisses pela ilha dos ciclopes e o seu encontro com Polifemo, que embebedou com vinho e cegou com uma estaca em brasa.

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Dizia-se que era na cisterna do Castelo de Algoso que se encontrava guardado o tesouro do rei mouro. Alguns tentaram encontrá-lo, mas sem sucesso

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

“Mas quem diz os olharapos diz também os trasgos”, apontou Alexandre Parafita. Espíritos caseiros de pequena estatura, os trasgos usam um gorro vermelho e roupas da mesma cor, mantendo-se quase sempre invisíveis. Fazem travessuras no interior das casas, partindo loiça, movendo móveis, espalhando a cinza das lareiras ou atirando pedras aos vidros. “Correspondem aos duendes da mitologia nórdica, que por sua vez são reposições dos cercopes da mitologia clássica. Portanto, estamos a falar de uma mitologia popular que é uma velha reposição das mitologias clássicas”, afirmou o professor universitário, defendendo que é preciso estudar estas velhas lendas e perceber o que é que se pretendia transmitir através delas. “As figuras da mitologia popular, sobretudo as elencadas nesta obra [Mitologia Popular Portuguesa], têm sempre alguma coisa que importa perceber e que importa interpretar à luz dos ensinamentos que transmitem.”

Umas lições são mais óbvias do que outras. Muitas lendas parecem ter tido como objetivo inicial alertar contra certos perigos, sobretudo os mais pequenos. Alexandre Parafita, que é natural de Sabrosa, no distrito de Vila Real, lembra-se de ouvir contar que havia uma gruta onde não se devia ir, porque durante a noite apareciam os mouros, que levavam as crianças. “Caro que as pessoas se assustavam com isso e não iam àquelas grutas”, comentou. “Estamos a falar de um tempo em que não havia creches. Os pais e avós trabalhavam no campo e as crianças ficavam por lá. Essas narrativas tinham como objetivo assustar, criar medo, para que as crianças não cometessem erros. Era uma forma de as proteger. Não são propriamente lendas, são explicações que o povo ia dando e que iam passando de geração em geração. Hoje as crianças já não andam tão ao abandono e essas explicações vão desaparecendo.”

Durante a conversa com o Observador, Alexandre Parafita destacou ainda as histórias que envolvem o diabo. Existem muitas e, no seu novo livro, o investigador reuniu 45, que mostram o demónio nas suas diversas vertentes e metamorfoses. Em algumas lendas, surge com pés de cabra, chifres e garras numa mão; noutras com figura de gente e como tentador. Construtor de pontes e calças, as suas obras são sempre imperfeitas e incompletas, porque o dom da perfeição não lhe pertence, mas a uma entidade que é superior. “Aparece também como uma entidade reguladora da justiça, um papel muito curioso”, disse o investigador, remetendo para umas das histórias do seu livro, “O moinho da maldição”, que é exemplo disso mesmo. Esta fala de um moleiro de Arcozelo, em Vimioso, que fez um pacto com o diabo para que o vento soprasse e o seu moinho trabalhasse. “O demónio apareceu para resolver uma questão imediata. Quantas vezes na nossa vida não temos necessidade de recorrer a soluções alternativas porque aqueles em que acreditamos não nos acodem? As lendas reproduzem muito da nossa realidade.”

Reportagem sobre lendas populares portuguesas em Algoso, Vimioso, Bragança. Castelo de Algoso. HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

Diz a história que a Capela de Nossa Senhora da Assunção foi mandada construir por um lavrador para agradecer o milagre que salvou o filho de ser comido por um crocodilo

HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

As histórias do diabo são reflexo de uma mitologia fortemente influenciada pela religião cristã, que é transversal a todo o corpus narrativo português. Esta influência é também facilmente identificável nas lendas sobre almas penadas, que têm como objetivo apelar à oração pelas pessoas que já morreram. Nestas, existe sempre alguma coisa que impede o morto de chegar ao Céu e que o obriga a permanecer no Purgatório, “mesmo que tenha feito tudo o que devia de bem”. Alexandre Parafita, que, tal como Carl Jung, defende que os mitos são manifestações da alma de um povo, acredita que, no caso português, estes espelham um caráter que é “muito religioso”. “Encontramos lendas e contos tradicionais muito religiosos em Portugal, que é um território muito religioso e dominado pelas convenções da Igreja. Não encontramos esse tipo de contos em territórios onde não há uma religiosidade tão profunda.”

Um património que tem de ser preservado para não nos esquecermos de quem somos

O Minho e Trás-os-Montes são zonas particularmente ricas neste tipo de narrativas. Esta riqueza tem a ver não só com um estilo de vida mais rural que ainda se vive nestas regiões, mas sobretudo com a configuração da paisagem. “O Alentejo não tem tantas lendas e contos tradicionais como o Norte. Isso tem a ver com a paisagem. A paisagem é inspiradora”, comentou o investigador. “O povo encontra sempre uma justificação para o que não consegue explicar. Essa justificação está nas lendas. Para que esse lendário exista e se implemente, é preciso que o território ajude, o que acontece em Trás-os-Montes, por exemplo, onde o território é muito escarpado. Quando o povo olha para um penedo e esse penedo lhe sugere uma figura humana, há uma tendência para que se gere uma lenda em torno dessa figura. O povo não fica indiferente.”

Isso está a mudar. Com o desaparecimento das gerações mais velhas e a incapacidade das mais novas de recuperarem e transmitirem aquilo que ouviram contar, a “riqueza imensa” da mitologia popular portuguesa está a perder-se. Contadores como o tio Camolas são já raros. No futuro sê-lo-ão ainda mais se nada for feito para preservar esse património único. Alexandre Parafita, que integra a equipa responsável pela elaboração do Arquivo e Catálogo do Corpus Lendário Português, encara a situação com muita preocupação, salientando a urgência de recolher a memória oral portuguesa e lamentando a falta de iniciativas tomadas nesse sentido.

"As narrações dos livros cristalizam-nos. A narração oral tem de circular e para circular é sempre preciso haver quem conte. Quando não há quem conte, as histórias desaparecem. É preciso revitalizar, e para isso é preciso recolher, para que haja depois quem transporte esses conteúdos para o seu habitat, que é a história oral."
Alexandre Parafita, professor e investigador

“Os intérpretes do nosso património estão a desaparecer. Pensamos que ao transportá-los para os livros resolvemos os problemas, mas não resolvemos. As narrações dos livros cristalizam-nos. A narração oral tem de circular e para circular é sempre preciso haver quem conte. Quando não há quem conte, as histórias desaparecem. É preciso revitalizar, e para isso é preciso recolher, para que haja depois quem transporte esses conteúdos para o seu habitat, que é a história oral”, afirmou o investigador, admitindo que assiste com preocupação à indiferença com que os poderes em Portugal olham para o património imaterial, o que não acontece noutros países, como a vizinha Espanha.

“Vamos a Espanha e encontramos uma quantidade muito grande de património classificado pela UNESCO. Temos muito pouco património classificado em Portugal e o que está classificado tem muito pouco a ver com esse universo da mitologia popular, das lendas, que traduzem a identidade cultural deste povo. Se negligenciarmos a nossa identidade cultural, no futuro, teremos alguma dificuldade em saber quem somos”, defendeu o investigador. “Para enfrentarmos o futuro, temos de ter bases, e as nossas bases são a nossa identidade cultural.”

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