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Rui Pinto na primeira sessão do julgamento, a 4 de setembro de 2021, no Tribunal Central Criminal de Lisboa
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Rui Pinto na primeira sessão do julgamento, a 4 de setembro de 2021, no Tribunal Central Criminal de Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Rui Pinto na primeira sessão do julgamento, a 4 de setembro de 2021, no Tribunal Central Criminal de Lisboa

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A reunião com inspetores da PJ que pode afastar a procuradora do julgamento de Rui Pinto — nove respostas sobre o caso

O que se sabe sobre a reunião e o email enviado para a convocar? Quem estava e quem faltou? Se a procuradora for afastada, o julgamento vai ser repetido? Nove respostas sobre o caso.

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A revelação feita por Aida Freitas passou quase despercebida. Ouvida pela segunda vez no julgamento de Rui Pinto, no dia 22 de abril, a inspetora da Polícia Judiciária (PJ) contou que tinha sido convocada para uma reunião entre a Procuradora da República Marta Viegas e os outros elementos da PJ que, tal como ela, iam testemunhar no julgamento do caso Football Leaks. Entregou até ao tribunal um email com essa convocatória, mas garantiu que não foi à reunião. Agora, esta discreta revelação é a razão pela qual o julgamento está suspenso e a magistrada em risco de ser substituída por outro representante do Ministério Público (MP).

É que, nesse email, o inspetor que liderou a investigação à maior fuga de informação de futebol de sempre convocava outros cinco elementos da PJ para a tal reunião, com o objetivo de “afinar a estratégia de inquirição” entre os vários inspetores. Enviava ainda em anexo os relatórios de um encontro na estação de serviço na A5 entre a Doyen e Aníbal Pinto, então advogado de Rui Pinto, que a PJ tinha vigiado. Segundo a acusação, o encontro serviu para negociar quantos milhões estaria a Doyen disposta a pagar em troca da não divulgação de documentos sobre a empresa, que o alegado hacker teria em sua posse — uma das provas mais importantes e mais sólidas para acusar Aníbal Pinto e Rui Pinto do crime de tentativa de extorsão. A função da inspetora Aida Freitas, em conjunto com o inspetor Hugo Monteiro, era vigiar precisamente este encontro.

Rui Pinto também quer afastar procuradora do julgamento por ter reunido com inspetores da PJ para “afinar estratégias”

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Por causa deste email, o julgamento que estava praticamente na reta final sofreu uma reviravolta. A poucos dias da sessão em que se esperava que Rui Pinto falasse em tribunal, o arguido Aníbal Pinto apresentou um pedido de afastamento da procuradora — e ameaçava avançar para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, caso algum dos arguidos viesse a ser condenado. Agora, Rui Pinto reforçou esta posição ao apresentar também um pedido de recusa da magistrada, segundo avançou o Observador. Mas que reunião foi esta, que juntou vários inspetores ligados ao processo Football Leaks, e até onde pode ir esta polémica?

Quando ocorreu a reunião?

O julgamento de Rui Pinto já decorria quando a procuradora da República Marta Viegas reuniu com os inspetores da PJ. A primeira sessão do caso Football Leaks aconteceu no dia 4 de setembro de 2021, a convocatória para a reunião foi enviada às 16h14 de 7 de setembro. A reunião em si aconteceu no dia seguinte, 8 de setembro, pelas 10h30 quatro dias depois do arranque do julgamento.

A primeira sessão do julgamento do Football Leaks aconteceu há mais de um ano e meio. Na imagem, os advogados de Rui Pinto, Francisco e Luísa Teixeira da Mota (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quem estava e quem faltou à reunião?

Além da Procuradora da República, seis elementos da PJ foram convocados para a reunião — num email que foi também enviado para o coordenador da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime, Carlos Cabreiro:

  1. José Amador, inspetor que liderou a investigação do caso Football Leaks e que enviou um email aos restantes elementos a informar da reunião. Encontrava-se no exterior do espaço de restauração da área de serviço onde decorreu o encontro que a PJ estava a vigiar, entre Aníbal Pinto e a Doyen;
  2. Rogério Bravo, inspetor-chefe que chegou a ser constituído arguido por suspeitas de ter colaborado com a Doyen durante a investigação ao caso Football Leaks, nomeadamente, aconselhando os representantes elementos da empresa em vários passos processuais. O inspetor-chefe acabou, no entanto, por ser ilibado;
  3. Paulo Abalada, inspetor na Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime que colaborou na investigação do caso;
  4. José Garcia, que acabou por não ser ouvido em tribunal, uma vez que o arguido Aníbal Pinto prescindiu da sua inquirição;
  5. Hugo Monteiro, inspetor que esteve a vigiar o encontro entre Aníbal Pinto e a Doyen, no interior do restaurante;
  6. Aida Freitas, a outra inspetora que esteve no encontro na área de serviço da A5.

Todos estas testemunhas foram arroladas pelo arguido Aníbal Pinto, sendo que três delas (José Amador, Hugo Monteiro e Aida Freitas) estavam igualmente na lista de testemunhas chamadas pelo MP.

Dos seis inspetores convocados para a reunião, só a inspetora Aida Freitas não esteve presente. E quando foi ouvida como testemunha explicou porquê. Embora tenha estado no interior do restaurante junto ao inspetor Hugo Monteiro, não ouviu “nada” do encontro que vigiava: “Fui convocada para uma reunião, mas não fui. Disse ao meu colega [José Amador] que não tinha ouvido nada da conversa. Fui chamada ao gabinete do coordenador Carlos Cabreiro, onde disse que, na reunião, ia dizer à Procuradora da República que não tinha ouvido a conversa [entre Aníbal Pinto e os representantes da Doyen]. E fui dispensada”.

Quando foi ouvida pela primeira vez em tribunal, a inspetora Aida Freitas confessou que, apesar de não ter ouvido o que aconteceu no encontro, assinou o relatório final elaborado sobre esse mesmo encontro sem o ler — razão pela qual está agora a ser investigada por suspeitas de crime de falsidade de documento e falsas declarações e alvo de um processo disciplinar na PJ.

Football Leaks. Inspetora da PJ confessa que assinou relatório sem ler. “Se está na Unidade de Combate à Corrupção, melhor devia ler”

O que se sabe sobre a reunião e o email enviado para a convocar?

Num email enviado no dia 7 de setembro pelas 16h14, o inspetor Jorge Amador convoca outros cinco inspetores, para uma reunião com a procuradora no dia seguinte:

"Amanhã, pelas 10h30 (sensivelmente), teremos reunião com a Procuradora da República, titular dos autos na fase de julgamento, a fim de afinar a estratégia para a inquirição de cada um de vós”

Em anexo, o inspetor José Amador envia ainda dois documentos: um RDE (Relatório de Diligência Externa) relativo ao “célebre encontro na Galp da A5 em Oeiras” e outro com a “intervenção do Hugo [Monteiro] e da Aida [Freitas] no interior do restaurante na estação de serviço”, lê-se no email consultado pelo Observador.

Quais foram os argumentos apresentados por Aníbal Pinto para pedir o afastamento da procuradora?

O arguido Aníbal Pinto foi o primeiro a apresentar um pedido de recusa da Procuradora da República Marta Viegas e não poupou nos termos para sustentar esse requerimento. A defesa do advogado considerou que a reunião que serviu para “burilar estratégias” é “moralmente inaceitável”, “absolutamente ilegal” e “lamentável” — além de por “em causa a fiabilidade e a credibilidade da prova testemunhal” e de impedir os arguidos de terem um “julgamento justo”.

Adiantando-se, Aníbal Pinto recusa o argumento de que as reuniões entre o MP e os inspetores sejam “normais ou necessárias”, uma vez que os órgãos de polícia criminal “coadjuvam, de facto, o MP durante a fase de inquérito – mas não durante a fase de julgamento, se nele intervierem na qualidade de testemunhas”. E, neste sentido, acusa a procuradora de não ser “isenta” e de violar “deveres de imparcialidade e de respeito pela legalidade”: “Defendeu interesses pessoais durante o julgamento: o interesse de que não se tivesse conhecimento do ato ilícito que havia praticado”, afirma.

O arguido Aníbal Pinto no primeiro dia do julgamento do Football Leaks (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Aníbal Pinto ameaça ir mais longe, caso o julgamento venha a resultar na condenação de qualquer um dos arguidos, defendendo que o facto de a procuradora ter reunido “com as testemunhas indicadas não só por ela, mas também pela defesa, já depois de iniciado o julgamento”, e numa altura em que a investigação já estava concluída, “será, obviamente, objeto de análise pelo TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem)“. Isto porque, entende a defesa de Aníbal Pinto, “foi manifestamente violado o direito fundamental a um julgamento justo e equitativo”.

O advogado termina o requerimento vincando que “não irá aceitar de forma impávida o elevado grau de destruição da sua vida pessoal e profissional causado por um processo nascido numa cilada montada pela PJ juntamente com, pelo menos, um assistente, durante o qual, sem qualquer tipo de vergonha, ética ou sentido de justiça, se procedeu a uma farsa de julgamento que descredibiliza profundamente o sistema judicial português”.

E quais são os argumentos de Rui Pinto?

Depois de Aníbal Pinto, também Rui Pinto pediu o afastamento da procuradora, tal como noticiou o Observador. Para a defesa do alegado hacker, “a mera iniciativa e concretização de tal reunião é suficiente para, por si só, pôr em causa a manutenção” da magistrada Marta Viegas. E mantê-la “é quebrar a confiança que os tribunais e o sistema de justiça devem oferecer”, refere o requerimento da defesa de Rui Pinto.

Ressaltando que é compreensível e aceitável que o Ministério Público (MP) tenha uma estratégia para a inquirição de cada testemunha — “Tal como os advogados a têm”, lê-se no requerimento —, a defesa de Rui Pinto argumenta que “não se aceita”, porém, “que o MP defina essa estratégia com as testemunhas, inclusive aquelas que não indicou e que nunca podem fazer parte ou conhecer a sua estratégia de inquirição”. Mais: “É inequivocamente violador dos princípios sob os quais os magistrados do MP se devem orientar” — princípios esse que, afirma, “não são compatíveis com reuniões” com testemunhas. Pelo contrário, reunir com as testemunhas de um dos arguidos durante o julgamento é “obscurecer a descoberta da verdade”.

O arguido Rui Pinto no primeiro dia do julgamento do Football Leaks (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A defesa recusa o argumento de que este tipo de reuniões são “aceitáveis” pelo facto de os órgãos de polícia criminal coadjuvam o MP na fase de inquérito, uma vez que a reunião em causa aconteceu na “fase de julgamento e os referidos inspetores já tinham terminado qualquer tipo de coadjuvação ao MP”. A defesa alega ainda que os inspetores “iam ser e foram ouvidos como testemunhas do processo”.

Para os advogados de Rui Pinto, a reunião traduz-se numa “radical falta de confiança na atuação da magistrada”, já que “violou os seus deveres de imparcialidade e de respeito pela legalidade”. E põe “inequivocamente em causa a fiabilidade e credibilidade de toda a prova testemunhal, no que toca aos participantes nessa reunião”. Até porque o depoimento “deixou de ser espontâneo e pessoal”. “O MP não pode sustentar a acusação ‘a todo o custo'”, lê-se.

O Ministério Público pode coordenar estratégia com testemunhas?

É uma pergunta que não tem uma resposta de “sim” ou “não. O assunto divide opiniões: o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) afirma que “não há nada que impeça” o Ministério Público de coordenar estratégia com testemunhas, mas o bastonário da Ordem dos Advogados defende que “esta questão não se coloca em termos de legalidade, mas em termos de deontologia”.

Ao Observador, o procurador Adão Carvalho, que preside ao SMMP, começa por lembrar que “os órgãos de polícia criminal são quem coadjuva o Ministério Público, designadamente quem faz as diligências de investigação”. “Quando o processo transita para as outras fases, evidentemente que mau seria que o Ministério Público, para se preparar, não se pudesse socorrer do órgão que fez a investigação”, afirma.

"Quando o processo transita para as outras fases, evidentemente que mau era que o Ministério Público para se preparar não se pudesse socorrer do órgão que fez a investigação"
Procurador Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Já o bastonário Luís Menezes Leitão aponta que, “em relação aos advogados, existem regras deontológicas claras em que não deve haver contactos com testemunhas previamente ao julgamento, uma vez que os depoimentos devem ser prestados de forma espontânea”. E afirma: “Quero acreditar que em relação à magistratura do Ministério Público devem vigorar as mesmas regras deontológicas. Portanto, não me parece admissível que possa haver reuniões entre procuradores e testemunhas antes do julgamento”.

Rui Pinto. Inspetora da PJ reafirma que não ouviu “nada” do encontro da Doyen e Aníbal Pinto em área de serviço

Recusando falar sobre o caso em específico — até porque, lembra, não tem conhecimento sobre o mesmo —, o presidente do SMMP não vê sentido na ideia de que algum procurador possa querer “instrumentalizar” os órgãos de polícia criminal: desde logo, “têm o dever de contribuir para a descoberta da verdade” e, depois, “tudo o que as polícias fazem está documentado no processo”. “O legislador não criou uma categoria para os órgãos de polícia criminal e, por isso, a única categoria que lhes pode ser dada é a de testemunha. Mas, em sentido estrito, não são verdadeiras testemunhas porque não têm conhecimento direto dos factos”, defendeu ainda.

"Quero acreditar que em relação à magistratura do Ministério Público devem vigorar as mesmas regras deontológicas. Portanto, não me parece admissível que possa haver reuniões entre procuradores e testemunhas antes do julgamento"
Advogado Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados

Mas o bastonário da Ordem dos Advogados, que também não se quis pronunciar sobre o caso em concreto, acredita que reuniões entre procuradores e testemunhas podem “contaminar a prova”. “A nossa opinião é a de que devemos ter todos as mesmas regras relativamente ao julgamento, sob pena de a prova ficar em causa”, rematou.

Quem é que vai decidir sobre a recusa da procuradora?

A decisão de afastar ou não a procuradora será tomada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — que o Observador questionou sobre este caso, não tendo obtido resposta até ao momento. É precisamente neste ponto que o processo se encontra: o tribunal que está a julgar o caso Football Leaks aguarda por uma resposta da PGR.

Se a procuradora for afastada, o julgamento vai ser repetido?

Não. Situações como esta estão previstas na legislação, até porque um procurador pode ter de sair do processo por questões de saúde. “Todos os procuradores têm uma escala de substituição nas nossas ausências ou impedimentos”, explica ao Observador o procurador Adão Carvalho, acrescentando: “Se isso não estiver determinado no regulamento da Procuradoria competente, cabe ao coordenador de Comarca determinar a substituição do colega que está impedido”.

Por que é que as sessões de julgamento que estavam marcadas foram adiadas?

Previa-se que o julgamento pudesse acabar ainda no mês de maio. Seria no dia 13 que Rui Pinto iria finalmente prestar declarações em tribunal. Os juízes tinham marcado mais sessões — para os dias 16 e 23 de maio — para continuar a ouvir o arguido, mas também para que se realizassem as alegações finais. No entanto, com a apresentação dos requerimentos por parte da defesa, o julgamento encontra-se suspenso. Até haver decisão da PGR, não há previsão de quando o julgamento será retomado.

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