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Filipinas, Singapura e Timor-Leste. Estes foram os três últimos países a confirmar presença na cimeira de paz que terá lugar na Suíça no fim de semana de 15 e 16 de junho e que discutirá a fórmula de paz elaborada pela presidência ucraniana para terminar o conflito iniciado pela Rússia em fevereiro de 2022. Até ao momento, o encontro já conta com 107 participantes, entre Estados e organizações internacionais. A diplomacia de Kiev tem-se empenhado em reunir o maior número de presenças possíveis para mandar uma mensagem ao Kremlin: que a maioria da comunidade internacional está ao lado da Ucrânia.
Praticamente todos os aliados da Ucrânia participarão na cimeira, incluindo países europeus (a única exceção é a Hungria) e da América do Norte. Porém, a diplomacia ucraniana quer convencer outros Estados de outros pontos do globo a juntarem-se ao encontro, incluindo aqueles mais distantes do conflito. Por exemplo, num fórum de segurança em Singapura este fim de semana, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, referiu que quer contar com o “apoio dos países asiáticos” e do Sul Global, alguns dos quais que mantêm relações próximas da Rússia.
Contudo, os dirigentes ucranianos têm alertado que há países que estão a tentar “sabotar” a cimeira de paz. Volodymyr Zelensky tem essencialmente apontado baterias à Rússia, a maior interessada em fazê-lo e que nem sequer convidada foi para o evento. “Está a tentar a perturbar a cimeira de paz”, afirmou o Presidente ucraniano este fim de semana, denunciando que Moscovo está a ameaçar deixar de exportar “bens agrícolas, produtos alimentares e produtos químicos” para outros Estados. “Está a pressionar outros países para que não estejam presentes na cimeira.”
A não presença da China, um “instrumento nas mãos de Putin”
No fórum de segurança em Singapura, o Presidente da Ucrânia colocou na mira outro Estado: a China. Pequim já tinha dito que não ia marcar presença no encontro da Suíça, mas as palavras usadas pelo chefe de Estado ucraniano dão a entender que a sua indignação vai além disso. “Infelizmente, a Rússia, utilizando a influência da China na região [asiática] e usando igualmente diplomatas chineses, faz tudo para impedir a cimeira da paz.”
“É lamentável que um país tão grande, independente e poderoso como a China seja mais um instrumento nas mãos de Putin”, atirou Volodymyr Zelensky, naquela que foi a crítica mais direta contra Pequim desde o início da invasão. “Isto não é apenas apoio à Rússia, é apoiar a guerra”, acusou o Presidente da Ucrânia, colocando abertamente em questão a aparente neutralidade que os dirigentes chineses alegam manter neste conflito.
Além disso, Volodymyr Zelensky disse que a China até “podia faltar à cimeira de paz, até podia não ajudar a Ucrânia e o mundo civilizado a terminar a guerra”, mas “sabotar” o encontro na Suíça “definitivamente não leva à paz”, numa crítica aos argumentos e ao plano de paz chinês para terminar o conflito. Num aviso à comunidade internacional, o Presidente alertou que, se Pequim apoiar Moscovo, a “guerra vai prolongar-se”. “Isto é mau para todo o mundo e para a política da China, que declara o seu apoio aos princípios da integridade territorial e da soberania. Para eles, não é bom.”
Por sua vez, os dirigentes chineses negaram categoricamente que estejam a tentar que outros Estados boicotem a cimeira de paz. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinesa, Mao Ning, defendeu que Pequim nunca “colocou lume para a fogueira” no que diz respeito à invasão da Rússia na Ucrânia. “Acreditamos que podemos ter o entendimento e o apoio de todos as partes” em conflito, assinalou a responsável diplomática, garantindo que a posição adotada pela China tem sido “aberta e transparente”.
Como justificação para a China não marcar presença na cimeira de paz, Mao Ning indicou, na semana passada, que os “requisitos chineses e as expectativas da comunidade internacional” não estão a ser cumpridos para justificar a ida de diplomatas chineses à Suíça. Por outras palavras, Pequim discorda que os russos não tenham sido convidados. “A China insistiu sempre que uma conferência de paz internacional deve ter o apoio quer da Rússia, quer da Ucrânia, contando com a participação de todas as partes e que todas as propostas devem ser discutidas de uma maneira justa e equitativa. Caso contrário, será difícil desempenhar um papel substancial a restaurar a paz.”
A organizadora do evento, a diplomacia helvética, explicou, não obstante, que a Rússia não foi convidada “nesta fase”. “A Suíça sempre mostrou abertura para para estender o convite à Rússia nesta cimeira. No entanto, a Rússia disse por várias vezes publicamente que não tem interesse em participar nesta primeira cimeira”, justificou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Suíça, lembrando ainda que o evento serve apenas para “iniciar um processo de paz”. “A Suíça está convencida de que a Rússia deve estar envolvida neste processo. Um processo de paz sem a Rússia é inimaginável.”
Além disso, a diplomacia suíça também deixou claro que esta cimeira seria uma base para organizar outra maior, em que se discutisse efetivamente um “processo de paz” entre a Rússia e a Ucrânia. Esta é a leitura da Suíça, um país que assume neutral em conflitos internacionais; a Ucrânia terá naturalmente outros objetivos, nomeadamente mostrar a mobilização da comunidade internacional em redor do apoio a Kiev.
China e Brasil unem-se para uma cimeira de paz alternativa. Zelensky critica: “Ninguém tem o direito de nos dizer como a guerra deve terminar”
À exceção da Rússia, todos os membros dos BRICS (grupo de países composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foram convidados para a cimeira. Neste momento, apenas Nova Deli confirmou que estará presente, não se sabendo, ainda assim, por quem estará representada. Já de Brasília e Pretória, ainda não houve qualquer resposta.
No entanto, a duas semanas da cimeira de paz, o Brasil e a China uniram esforços para apresentar uma proposta conjunta para que a Rússia e a Ucrânia participem noutro formato que leve a “negociações de paz”. Ainda que Brasília ainda não tenha divulgado se vai ou não ao encontro na Suíça (apenas se sabe que o Presidente Lula da Silva não marcará presença), este esforço diplomático dificilmente deixará de ser interpretado como uma maneira de retirar importância à iniciativa suíça.
Segundo um documento do ministério dos Negócios Estrangeiros brasileiro, sugere-se a criação de uma “conferência internacional de paz reconhecida pelos dois lados”, numa aparente farpa à cimeira de paz da Suíça. “O Brasil e China apoiam uma conferência internacional de paz realizada num momento apropriado, que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz.”
Quem não gostou desta iniciativa sino-brasileira foi obviamente Volodymyr Zelensky. Em Singapura, o Presidente ucraniano deixou duras críticas a Brasília e Pequim. “Ninguém tem o direito de nos dizer como a guerra deve terminar”, atirou, acrescentando que o conflito deve terminar “de acordo com o Direito Internacional”: “É obrigatório”.
“A Ucrânia, como vítima desta guerra, tem o direito de iniciar o caminho para acabar a guerra, nomeadamente com a cimeira de paz. E devemos ser nós [ucranianos] a iniciá-lo, porque sabemos especificamente que a Rússia trouxe a guerra para o território da Ucrânia. Uma guerra não provocada, não fomos nós que a começámos. Não há guerra no território russo. Tudo isto, todas as crises estão a ter lugar no território da Ucrânia”, explicou Volodymyr Zelensky, que aproveitou para deixar mais críticas ao Brasil e à China: “Com o devido respeito, há países que não entendem totalmente que foi a Federação Russa que trouxe a guerra ao território do nosso Estado”.
107 países confirmados, mas ausências também são de peso — e incluem Biden
Vários países já anunciaram que marcarão presença na cimeira europeia. A Europa estará em peso. Por exemplo, Portugal será representado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. Entre os parceiros europeus e da NATO, apenas a Hungria já admitiu não participar no evento. Mantendo várias divergências com a Ucrânia, o ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Péter Szijjártó, indicou que uma conferência de paz “não tem sentido” se as duas partes envolvidas no conflito “não estiverem presentes”, referindo-se à ausência da Rússia.
Neste momento, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros suíço, Elisa Raggi, precisou que a metade dos participantes são europeus, enquanto os restantes são oriundos do “resto do mundo”. A responsável adiantou ainda à Swissinfo que a lista final dos Estados participantes “não será publicada até pouco antes do início da conferência”.
Fora da Europa, países aliados do Ocidente na Ásia e na Oceânia — como o Japão, a Coreia do Sul e a Austrália — estarão presentes, tal como a Índia. Timor-Leste, Singapura e Filipinas marcarão igualmente presença. Num encontro este fim de semana com o Presidente eleito indonésio, Prabowo Subianto, Volodymyr Zelensky também instou à diplomacia da Indonésia a participar no evento.
A organização do evento já garantiu igualmente que haverá delegações do Médio Oriente. Não obstante, uma das ausências mais notadas será a da Arábia Saudita, uma notícia avançada este domingo pela agência de notícias alemã dpa. A diplomacia saudita, que chegou a organizar uma cimeira idêntica em junho do ano passado em Jeddah, declinou o convite, justificando-o com o facto de a Rússia não fazer parte do evento.
Em África, as confirmações públicas são escassas: apenas Cabo Verde e o Malawi revelaram publicamente que irão à cimeira de paz. No entanto, existe uma influência cada vez mais hegemónica da China e da Rússia no continente africano — e isso poderá dificultar a presença de alguns Estados. A União Europeia e alguns aliados têm tentado servir de intermediários e convidar países alinhados com o Ocidente — como o Quénia —, mas as respostas ainda não chegaram. De fora desta cimeira ficará Angola: o Presidente angolano já confirmou que Luanda não se fará representar no encontro suíço.
Na América do Sul, o Chile e a Argentina estarão na cimeira da paz suíça, mantendo-se dúvidas sobre se o Brasil marcará presença. Mais a norte, o Canadá e os Estados Unidos da América (EUA) farão representar-se no encontro; mas, no caso norte-americano, não como Volodymyr Zelensky inicialmente esperaria.
O Presidente ucraniano nunca escondeu que ambicionava contar, nesta cimeira da paz, com a presença de dois homólogos: o norte-americano, Joe Biden, e o chinês, Xi Jinping. Ora, Pequim nem sequer estará presente, enquanto Washington se fará representar pela vice-presidente, Kamala Harris. Há uma semana, Volodymyr Zelensky sublinhou que a ausência do líder norte-americano seria um “aplauso para Vladimir Putin”.
Esta segunda-feira, a Casa Branca revelou, porém, que Joe Biden não estará presente: “A vice-presidente vai destacar o compromisso da administração Biden-Harris em apoiar o esforço da Ucrânia em assegurar uma paz justa e duradoura, baseada na soberania e integridade territorial da Ucrânia, assim como os princípios da Carta das Nações Unidas”. Quem se juntará a Kamala Harris será o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan.
Uma cimeira para resolver problemas “de interesse global” ou um “evento de relações públicas com muitos participantes, exceto aqueles que realmente importam”?
O plano de paz desenhado pela diplomacia ucraniana tem dez pontos, mas Volodymyr Zelensky quer unir a comunidade internacional em redor de três — que são, a seu ver, mais unânimes. A Suíça apresenta-os como “assuntos de interesse global” e que “afetam um grande número de Estados”: “A segurança nuclear”; “a liberdade de circulação e segurança”; e “aspetos humanitários”. “A Suíça encontrou-se com numerosos representantes de vários Estados, informou-os sobre a cimeira e ouviu as suas expectativas”.
Volodymyr Zelensky insistiu no mesmo ponto, assegurando que não serão discutidos temas apenas relacionados com a guerra. “São três crises. Vamos falar sobre elas, porque não estão apenas a afetar a Ucrânia, como também muitos países da Ásia e África”, vincou, enfatizando que a Ucrânia está “disposta a ouvir os pensamentos de todos os países”, mas no contexto deste evento organizado “juntamente com os suíços”.
Apesar de existir a garantia de que serão discutidas causas que afetam todo o globo, a grande questão será se a cimeira terá efeitos práticos, ou se será mais um encontro dos aliados da Ucrânia, juntamente com países com pouca influência na comunidade internacional. Neste sentido, a ausência de países influentes como a China, o Brasil ou a África do Sul poderá ser a constatação de que a maioria dos BRICS e do Sul Global continuam — nem que seja nos bastidores — a mostrar algum apoio à Rússia.
Os aliados da Ucrânia mantém, contudo, a ideia de que esta cimeira poderá ser importante juntar o máximo de delegações possíveis para delinear um “caminho para uma paz justa e duradoura na Ucrânia”. Segundo um briefing da Câmara dos Comuns britânica, a troca de “visões distintas sobre como alcançar a paz na Ucrânia é considerada de importância vital”.
Em sentido inverso, em declarações ao jornal Euractiv, Sergey Radchenko, professor universitário na Johns Hopkins School of Advanced International Studies, duvida que esta cimeira consiga alcançar esse objetivo, a par de considerar difícil que Kiev conquiste o apoio da maioria dos países do Sul Global. “Uma conferência que realmente quer alcançar algo teria de ser uma negociações com um número limitado de parceiros”, salienta o especialista, que interpreta este encontro na Suíça como um “evento de relações públicas com muitos participantes, exceto aqueles que realmente importam”, entre os quais a Rússia.
Entre os dias 15 e 16 de junho, um número ainda incerto de delegações discutirá as bases para um acordo de paz e tópicos que a Ucrânia acredita que são pertinentes para todo o mundo. Por sua vez, mantendo a sua típica neutralidade, a Suíça já veio garantir que a guerra não terminará após o encontro no resort de Bürgenstock, na cidade suíça de Lucerna, que custará entre 10 a 15 milhões de francos suíços (mais ou menos o mesmo em euros). Os dois países esperam que este encontro tenha um real impacto para se chegar à paz — e que as ausências não sejam mais notadas do que as presenças.