Assim que viram aquele grupo de cerca de 50 adeptos aproximar-se, um segurança e alguns técnicos ainda tentaram bloquear a porta do balneário onde se juntaram os jogadores do Sporting, na academia de Alcochete. Mas a força e a ira do grupo foram mais fortes e os adeptos conseguiram entrar e semear o pânico em minutos. Uns lançaram, pelo menos, duas tochas deixando um rasto de fumo, outros ficaram como que de vigia e outros fizeram aquilo que parecia vir definido previamente: partiram para a agressão. Mas, segundo os relatos de quem ali estava naquela tarde de terça-feira, parecia haver alvos definidos, e todos eles jogadores: os argentinos Rodrigo Battaglia e Marcos Acuña, Rui Patrício e William Carvalho.

Pelo menos é o que se conclui dos vários relatos de jogadores e pessoal técnico que logo no dia do ataque se deslocaram à GNR do Montijo para apresentarem queixa, e a que o Observador teve acesso. Dizem estas testemunhas que, no momento em que chegaram à academia, os jogadores estavam entre o ginásio — onde terminavam os alongamentos — e os balneários para se equiparem para o treino — com Jorge Jesus. Quando tudo aconteceu, pouco passava das 17h00.

As vozes dos adeptos aos gritos a entrarem pelos balneários, depois de uma tentativa frustrada de manterem as portas fechadas, foi um dos momentos que mais marcou o futebolista Gelson Martins. Mas essas vozes gritavam por, apenas, quatro nomes. Segundo as suas declarações à GNR, ficou com “a perceção” de que os suspeitos só queriam quatro futebolistas: Acuña, Patrício, William e Battaglia, “uma vez que eram esses os nomes que eles proferiam”, justificou. No entanto, concluiu, a certa altura “perderam o controlo” e acabaram por fazer outras vítimas.

Os suspeitos gritavam: “Filhos da Puta, isto é o Sporting” e “Se não ganham a Taça estão fodidos”, lê-se nos depoimentos.

O jogador Gelson Martins ficou com a percepção de o ataque ser direcionado

O ex-avançado Manuel Fernandes, que hoje dá muitas vezes a voz e a cara pelo Sporting, estava na área administrativa da academia quando ouviu o barulho dos adeptos. Pareceu-lhe uma “confusão entre pessoas”, testemunhou. Correu para o exterior e apercebeu-se da presença de “cerca de 30 indivíduos” que se “dirigiam em direção ao balneário, onde se encontrava a equipa principal de futebol do Sporting”. Um pormenor, que por acaso foi esta sexta-feira corroborado em tribunal pelos arguidos que quiseram prestar declarações ao juiz de instrução: Manuel Fernandes diz que viu, depois, “um segundo grupo”, que tinha a cara destapada. E foi este” segundo grupo” que, segundo ele, o abordou e disse para sair da frente, porque “não era nada com ele”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Foram os dois grupos, um de cara coberta e outro de cara destapada, que entraram no balneário onde os jogadores do Sporting tentavam proteger-se. Impedindo que saíssem, gritavam e traziam objetos nas mãos — Manuel Fernandes só soube precisar que um seria um cinto. Terá sido essa a principal arma do crime: o cinto que acabou por atingir o holandês Das Bost e o treinador Jorge Jesus, e que ainda não terá sido apreendido pelas autoridades.

Uns cumprimentaram-no, outros ignoraram e só depois o agrediram. O que disse Bas Dost à GNR

O preparador físico José António Laranjeira disse à GNR que viu cinco adeptos de caras destapadas e que todos eles eram membros da claque sportinguista Juveleo. Na noite em que dezenas de pessoas entraram a passo lento na academia e percorreram um quilómetro a pé para chegar aos balneários, Laranjeira recorda-se de ver esse grupo de cinco a falar com Jorge Jesus e com o jogador William de Carvalho, já depois das agressões. Salientou que os invasores, quem quer que fossem, “conheciam bem as instalações, porque foram diretos”. “Não houve qualquer aviso”, garante, na sua tese.

Jorge Jesus pensou que escaparia às agressões porque o primeiro grupo não lhe tocou

Também Jesus, no seu testemunho, garantiu que os primeiros adeptos que o cruzaram no campo de treino, onde esperava pelos arguidos, passaram por ele sem o agredirem, percebendo-se que queriam seguir para o balneário. Mas já no regresso acabaria violentamente agredido por dois dos suspeitos. Sem saber porquê.

“Fernando, ajuda, estes gajos estão a bater nos jogadores, ajuda-me”. O relato que Jorge Jesus fez à GNR

Também o testemunho de Ludovico Marques cola na tese de que os agressores tinham alvos que visavam atingir. O fisioterapeuta relatou à GNR que viu quatro adeptos dirigirem-se diretamente ao argentino Acuña para o agredirem a soco e a pontapé. A imagem que guardou é de um Acuña encolhido junto ao cacifo, a tentar proteger-se enquanto era agredido. Também se recorda de ter visto cinco suspeitos a cercarem William de Carvalho. “Agarraram-no pela cabeça e pelos braços e agrediram-nos”, revelou. Três outros encostaram Battaglia a um canto, e a testemunha ainda viu quatro avançarem sobre Hugo Fonte e Bruno César, mas eles resistiram. Antes de lançarem duas tochas no balneário, alimentando o já pânico instalado, ainda arremessaram uma bolsa contra a cara de Ludovico.

Quando os adeptos chegaram, Freddy Montero estava entre o ginásio e o balneário e recorda-se de ter ouvido dizer: “Não querem jogar, onde está o Acuña e o Battaglia?”, entre vários outros insultos. Depois um indivíduo “branco, com cabelo pintado de vermelho e com um dente prateado dirigiu-se a ele e deu-lhe duas chapadas”, lê-se no relatório da GNR. Uma descrição rebatida pelo colega de campo, João Palhinha, que além do “dente prateado”, acrescenta que o agressor teria entre 35 a 40 anos e uma barba com alguns pelos brancos.

Montero também recorda como os adeptos cercaram determinados jogadores

O guarda-redes suplente Salin ouviu mesmo o que disseram a William. “Tira essa camisola, não te queremos mais aqui, vamos te foder”. E depois atiraram a Rui Patrício: “Faz tempo que te queres ir embora, tira essa camisola, não te queremos mais aqui”.

O que dizem os próprios alvos

Na primeira pessoa, o discurso é semelhante. Acuña contou que estava dentro do balneário quando foi abordado por “cinco ou seis” suspeitos que o agrediram ao murro na cabeça e no corpo. Mais. Proferiam palavras ameaçadoras, dizendo-lhe para “ter cuidado” e que sabiam onde ele vivia.

William de Carvalho, por seu turno, é mais descritivo. Tinha terminado os exercícios de alongamentos no ginásio e regressara naquele momento ao balneário para se equipar quando alguém o foi avisar de que um “número elevado de adeptos” se deslocava naquela direção. Recorda que tomaram de assalto o balneário, lançando tochas, e que foi abordado por “três adeptos que lhe deram murros no peito”. William não consegue precisar quem terão sido os seus agressores. Tinham as caras cobertas, mas lembra-se que o colega de equipa, Rui Patrício, já o tinha avisado de casos de ameaças dos adeptos aos jogadores.

O argentino Battaglia já estava no balneário quando a confusão começou. Conta que cerca de 40 irromperam pelo balneário “com uma atitude agressiva” e gritavam os nomes de jogadores, incluindo o seu. Quando o viram, cinco ou seis cercaram-no. Deram-lhe um murro na cara, ele tentou proteger-se e levou outro no tronco. Como se não bastasse, ainda lhe lançaram um garrafão de 25 litros de água para cima.

O brasileiro Bruno César, por seu turno, contou aos militares que ainda tentou interceder e impedir a agressão, mas depressa foi afastado. “Não te metas que isto não é nada contigo, senão vais morrer”, ameaçaram. O jogador afirma que “o grupo atuou em bloco, com alguma organização”.

A GNR deteve 23 dos cerca de 50 suspeitos que invadiram a academia

Um dia antes da invasão à academia de Alcochete, na segunda-feira, Rui Patrício e William já tinham sido abordados por cerca de 20 adeptos  na Madeira– entre eles Fernando Mendes, que também terá estado em Alcochete — o que obrigou à intervenção da PSP e a escolta policial até ao aeroporto local, e do aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, para o estádio do Sporting.

As longas 96 horas que envergonham o Sporting