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Acusação de violação nos EUA. 20 perguntas e respostas para perceber o que pode acontecer a Ronaldo

Ronaldo pode mesmo ser acusado? E se for, será nos EUA, em Itália ou em Portugal? Haverá extradição? Qual a pena máxima por violação no Nevada? Que queixas apresentou agora Kathryn?

Quando é que Kathryn Mayorga apresentou queixa por violação?

A primeira queixa contra um “famoso jogador de futebol”, sem especificar quem, foi feita a 13 de junho de 2009, no dia em que aconteceu a alegada violação. Kathryn Mayorga dirigiu-se ao Departamento da Polícia Metropolitana de Las Vegas, disse que tinha sido violada mas recusou dizer o nome do violador. Mas revelou que o autor era um jogador de futebol “famoso” e afirmou que temia ser humilhada publicamente ou sofrer alguma “retaliação”, como se lê na ação cível agora entregue num tribunal do Nevada.

A alegada vítima foi então conduzida a um hospital (University Medical Center) para fazer exames médicos e tirar fotografias. Na altura, diz, a enfermeira disse-lhe que corria o risco de ser acusada de se queixar para tentar extorquir dinheiro ao jogador de futebol português, por este ser famoso.

Quando é que referiu o nome de Cristiano Ronaldo pela primeira vez?

A agora professora conta que semanas depois de apresentar queixa por violação foi chamada a prestar declarações no âmbito do processo. Nesse dia, que na queixa cível agora apresentada não especifica qual foi, identificou Cristiano Ronaldo como sendo o autor do crime. Também nesse momento, segundo conta, o polícia que a ouviu terá dito que, tratando-se de um homem rico e famoso, ela poderia ser vista como alguém que se queixava só para lhe tentar extorquir dinheiro.

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O que é que ela diz que aconteceu naquela noite em Las Vegas?

Na ação cível que agora entregou, Kathryn conta que a 12 de junho de 2009 foi convidada por um grupo de amigos para ir a uma discoteca no Palms Hotel e Casino, onde era relações públicas, e conheceu Cristiano Ronaldo. Que já na madrugada de dia 13 o jogador convidou um grupo de pessoas, incluindo ela e uma amiga com quem estava, bem como o primo do jogador e o seu cunhado, a subir à sua suite, no último andar do hotel, para verem a vista sobre Las Vegas. Já na suite, o grupo terá sido convidado a entrar no jacuzzi, mas a agora professora e então modelo terá dito que não tinha fato de banho. Ronaldo respondeu-lhe que lhe emprestaria uma camisola e uns calções e indicou-lhe a casa de banho onde podia trocar-se.

Enquanto mudava de roupa, conta ela, terá sido surpreendida por ele “expondo o seu pénis ereto” e pedindo-lhe que lhe fizesse sexo oral. Ela recusou e disse que queria ir embora. No entanto, nesse momento, ele tê-la-á puxado para o quarto em direção à cama. Ela conta que tapou a vagina, na tentativa de evitar que ele a penetrasse, mas que ele a virou de barriga para baixo, tentanto despi-la, enquanto ela dizia “não, não, não”. Mesmo assim Ronaldo terá avançado e ter-lhe-á provocado ferimentos no ânus. Depois pediu-lhe desculpa. E disse que normalmente “era um gentleman”.

Ela conta que tapou a vagina, na tentativa de evitar que ele a penetrasse, mas que ele a virou de barriga para baixo, tentanto despi-la, enquanto ela dizia “não, não, não”. Mesmo assim Ronaldo terá avançado e ter-lhe-á provocado ferimentos no ânus. Depois pediu-lhe desculpa. E disse que normalmente “era um gentleman”.

À revista alemã Der Spiegel ela acrescenta um pormenor: uma testemunha no local. Segundo Kathryn, no momento em que estava na casa de banho a ser pressionada por Cristiano Ronaldo para lhe fazer sexo oral, entrou um amigo do jogador, que perguntou a Ronaldo: “O que estás a fazer?”. Nesse momento, Kathryn aproveitou a interrupção para pegar no seu vestido e tentar escapar-se, dizendo: “Estamos mesmo a sair”. Ronaldo terá confirmado: “Sim, sim. Vamos sair”. E foi ao saírem da casa de banho em direção ao quarto que Ronaldo terá puxado Kathryn para o quarto onde a violou. A confirmar-se este relato, este amigo de Cristiano Ronaldo que terá entrado na casa de banho naquele momento poderá revelar-se uma testemunha fundamental para o processo.

A continuidade de Kathryn no quarto, juntando-se aos amigos de Ronaldo e à sua amiga, podem jogar contra ela. Mas Kathryn explicou à Der Spiegel que não sabia o que estava a sentir, que enquanto via a sua amiga eufórica ela se sentia envergonhada, e quando a amiga lhe ligou no dia seguinte contente por estarem em fotos de todas as revistas lhe contou “Ele violou-me!”

Kathryn conta que se tapou, na tentativa de evitar que ele a penetrasse, que ele a virou de barriga para baixo enquanto ela dizia “não, não, não”. Mesmo assim Ronaldo terá avançado e ter-lhe-á provocado ferimentos no ânus. Depois ele pediu-lhe desculpa. E disse que normalmente 'era um gentleman'.

Porque é que o processo não avançou?

Ainda de acordo com a denúncia que faz agora, a família de Kathryn terá contratado um advogado com “poucos anos de experiência”. Queriam avançar com uma queixa com vista a obter uma indemnização pelos danos sofridos. Mas Ronaldo terá contratado uma equipa de especialistas que a terá investigado, a ela, aos amigos e à família, e que terá “implementado uma estratégia” para evitar que que a investigação prosseguisse e que o crime chegasse ao conhecimento público.

Aliás, essa equipa terá feito chegar a Ronaldo várias informações sobre ela e sobre as consequências da alegada violação na sua vida: de como ficou perturbada psicologicamente, que estava “aterrorizada” com a ideia de ser humilhada em público e, até, que andava a abusar das bebidas alcoólicas e tinha ideias suicidas. Das informações da polícia, alega ainda Kathryn, esta equipa concluiu que a queixa que tinha feito não era encarada como um “crime violento”, que o ataque sexual seria apenas “assédio” e que arquivariam o caso se houvesse um acordo financeiro entre as partes.

Editor da Der Spiegel explica a investigação da acusação de Ronaldo em 25 tweets

A queixosa refere que foi depois contactada pela tal equipa que, através do advogado de Ronaldo, lhe propôs um acordo de completo silêncio sobre o que aconteceu. Silêncio que também devia ser mantido pelos amigos e família. A revista Der Spiegel garante que teve acesso à transcrição das mensagens trocadas entre Ronaldo e o seu advogado Osório de Castro, através do Football Leaks, e que o acordo acabou em 375 mil dólares. Esse valor não é referido pela alegada vítima na ação agora entregue.

Nove anos depois, o que é que mudou?

Em 2017, a revista Der Spiegel publicou pela primeira vez uma notícia sobre o caso. Na altura, a investigação baseou-se em documentos que chegaram à publicação alemã através do Football Leaks, divulgando nomeadamente o acordo de confidencialidade assinado por Ronaldo e por uma mulher, à época não identificada. A notícia acabou por desvanecer devido aos esforços da equipa jurídica de Ronaldo para negar o caso. A agência Gestifute, que representa o internacional português, classificou a reportagem da Der Spiegel como “ficção jornalística”. E os sucessos futebolísticos de Ronaldo naqueles dias acabaram por relegar o caso para segundo plano.

Ainda assim, temendo que a equipa jurídica de Cristiano Ronaldo quisesse procurar a fonte das notícias e acabasse a persegui-la por acreditar que tinha violado o acordo de confidencialidade, Kathryn optou por procurar um novo advogado, mais experiente. Aos 65 anos, Leslie Mark Stovall é considerado um dos melhores advogados de Las Vegas e acredita que o acordo assinado entre a mulher e a equipa jurídica de Ronaldo não é legalmente vinculativo, o que o levou a agir. Entre agosto e setembro deste ano, entregou à polícia novos elementos que permitiram reabrir a investigação iniciada com a queixa de 2009 e moveu uma ação cível contra Ronaldo para denunciar este acordo e exigir uma indemnização.

Football Leaks. Cristiano Ronaldo nega acusação de violação

O que é que a defesa de Kathryn fez agora?

A defesa de Kathryn Mayorga avançou em duas frentes: além de ter feito chegar novos elementos à polícia de Las Vegas, apresentou também uma ação cível num tribunal do estado do Nevada. Nesse processo, alega que Cristiano Ronaldo a violou e a coagiu a assinar um acordo de confidencialidade, referindo que o jogador terá abusado de uma pessoa vulnerável, e pede duas coisas: que o tribunal anule e torne sem efeito o acordo de confidencialidade que terá assinado com Cristiano Ronaldo, a troco de 375 mil dólares, e que seja definida uma indemnização pelos danos causados.

A antiga modelo norte-americana alega três fatores para sustentar o fim do contrato de confidencialidade: o estado emocional em que se encontrava quando assinou esse acordo; a pressão dos advogados de Ronaldo para que assinasse o documento; e o facto de Ronaldo não ter lido a carta que lhe enviou.

Comecemos pela revogação do acordo. Em tribunal, a antiga modelo norte-americana alega três fatores para sustentar o fim do contrato de confidencialidade: o estado emocional em que se encontrava quando assinou esse acordo; a pressão dos advogados de Ronaldo para que assinasse o documento; e o facto de Ronaldo não ter lido a carta que lhe enviou (uma das contrapartidas do acordo era que Kathryn escreveria uma carta a Cristiano Ronaldo que teria de lhe ser lida ou mostrada num prazo de duas semanas depois da assinatura do acordo, algo que, de acordo com documentos do Football Leaks, não terá acontecido).

Além disso, o advogado de Kathryn pede quatro tipos de indemnizações. Em primeiro lugar, pelos danos físicos e emocionais diretamente causados pelos abusos; em segundo lugar, para fazer face à perda de rendimentos e ao aumento das despesas de saúde causados pelos abusos; em terceiro lugar, a indemnização punitiva, uma indemnização adicional aplicada em caso de o crime ter sido cometido com dolo e que tem o objetivo de penalizar financeiramente o agressor e não o de ressarcir a vítima; e ainda penalidades estatutárias, designadamente fatores de multiplicação com base em agravantes como o estado psicológico da vítima ao longo dos anos e de como estes a afectaram pessoal e profissionalmente, que poderão aumentar a indemnização.

Na ação que moveu junto do tribunal, o escritório de advogados de Leslie Mark Stovall incluiu um relato do próprio Cristiano Ronaldo, que assume que “ela disse ‘não’ e ‘para’ várias vezes”. Este relato consta de um questionário que foi enviado em 2009 a Cristiano Ronaldo, ao seu cunhado e ao seu primo, que estavam com ele naquela noite em Las Vegas, alegadamente pelos seus advogados durante o processo de negociação do acordo extrajudicial, e que chegaram à revista alemã pela Football Leaks.

Leslie Mark Stovall é o advogado de Kathryn que quer reabrir o caso

AFP/Getty Images

O que levou a mulher a querer contar pela primeira vez a história em público?

Além do novo advogado, mais experiente e determinado a não deixar o assunto cair no esquecimento, a motivação fundamental que levou Kathryn a aceitar expor o seu caso foi o surgimento do movimento #MeToo. Segundo explicou à Der Spiegel, Kathryn passou horas em frente ao computador a ler testemunhos de outras mulheres que tinham sofrido abusos sexuais cometidos por figuras influentes, e foi uma das muitas que se sentiram motivadas a também avançar com a sua história.

Advogados da mulher que acusa Ronaldo de violação: “O movimento #MeToo deu coragem a Kathryn”

Depois das denúncias contra Harvey Weinstein virem a público, foram várias as mulheres que acabaram por contar as suas próprias histórias de abusos. O movimento #MeToo ajudou a criar um ambiente mais favorável para expor casos semelhantes, como está agora a acontecer com Brett Kavanaugh, o juiz nomeado por Donald Trump para o Supremo Tribunal dos EUA — não apenas por haver outras mulheres em situações semelhantes, mas também porque a própria sociedade está agora mais atenta ao problema, tornando mais difícil o encobrimento destes casos por parte de quem tem mais poder económico ou influência. Foi este ambiente que motivou Kathryn a avançar com a história, também com o propósito de saber se há outras mulheres na mesma situação relativamente a Cristiano Ronaldo, segundo explicou à revista alemã.

O que fez agora a polícia de Las Vegas?

Com os novos elementos entregues pela defesa de Kathryn Mayorga, a Polícia de Las Vegas fez o que é suposto fazer: reabriu a investigação, que tinha começado na queixa apresentada pela jovem ainda em 2009. Na altura, a polícia arquivou o caso sem conclusões devido ao facto de ter havido um acordo entre as partes. Ainda hoje, o novo advogado de Kathryn não encontra explicações para o facto de a polícia não ter investigado mais o caso na altura.

Agora, a polícia terá de juntar os novos elementos (que incluirão o acordo de confidencialidade e os documentos nos quais Cristiano Ronaldo alegadamente assume a prática de atos sexuais não consentidos ou, pelo menos, contra a vontade expressa da vítima) e entregar o caso ao Ministério Público norte-americano. Caberá apenas à Procuradoria de Las Vegas decidir se os elementos são suficientemente fortes para avançar com um processo-crime ou se, pelo contrário, o caso deve ser arquivado.

É natural que, nesta fase, a Polícia decida que é necessário ouvir o próprio Cristiano Ronaldo, mesmo que ainda não na qualidade de arguido ou acusado. Essas declarações poderão ser consideradas fundamentais para compreender se a queixa apresentada por Kathryn Mayorga tem algum fundamento ou se, por exemplo, os documentos entregues são reconhecidos como verdadeiros tal como a parte do acordo de confidencialidade que ambas as partes terão assinado, de forma extrajudicial.

Se o acordo for revogado o que acontece?

Antes de mais, é importante sublinhar que um acordo extrajudicial como o que foi assinado por Kathryn e pela equipa jurídica de Cristiano Ronaldo não é invulgar nos Estados Unidos. Na verdade, é uma das formas mais comuns de resolver casos de abusos sexuais no país. Um acordo deste estilo acaba por servir de meio termo às duas partes. Por um lado, garante à vítima receber uma indemnização — o que não seria assegurado num julgamento em tribunal, uma vez neste tipo de crimes é difícil comprovar se houve ou não consentimento, sendo habitualmente a palavra de um contra a do outro —, e por outro lado evita ao agressor a exposição pública que viria com o caso. Além disso, as próprias vítimas não querem a mediatização que um caso em tribunal sempre lhe traz. Por isso, é comum que os casos terminem em acordos extrajudiciais, que são válidos e vinculam as duas partes, sendo difíceis de dissolver.

“Eu queria ensinar-lhe uma lição. Queria que ele tivesse de lidar com isto, que tivesse de me enfrentar”, disse Kathryn na entrevista à Der Spiegel, sublinhando que o seu objetivo com o acordo era obrigar Cristiano Ronaldo a pagar as suas despesas médicas.

O que se passou em Las Vegas? A noite contada pela mulher que acusa Ronaldo de violação

O que a defesa de Kathryn argumenta agora é que a mulher não estava em condições psicológicas para assinar aquele acordo. Recorde-se que, na altura, Kathryn era representada legalmente por uma advogada com pouca experiência que mediou as negociações com a equipa jurídica de Ronaldo. Se o tribunal aceitar as alegações da defesa da mulher, pode invalidar o acordo e essa será a única maneira de uma investigação ao caso avançar efetivamente, uma vez que já não estará ao abrigo do que ambos acordaram.

Cristiano Ronaldo terá de ir aos Estados Unidos para ser ouvido?

Se as autoridades decidirem avançar com a investigação, um dos primeiros passos poderá ser ouvir Cristiano Ronaldo. Neste caso, o mais provável é que seja encontrada uma solução alternativa, que não implique a deslocação do jogador. Cristiano poderá, por exemplo, ser ouvido por vídeo-conferência, sobretudo tendo em conta que, numa fase inicial, será considerado apenas uma pessoa com interesse para a investigação— e não um arguido ou acusado. E isto, claro, apenas se a polícia de Las Vegas considerar que é relevante ouvi-lo.

Os Estados têm vários meios ao seu dispor para interrogar cidadãos estrangeiros. Uma das possibilidades é uma carta rogatória, pedindo às autoridades portuguesas ou italianas (dependendo de onde Ronaldo se encontrar) interroguem o jogador e enviem as respostas para as autoridades norte-americanas. Outra hipótese é “o pedido de interrogatório por videoconferência.

Segundo explica ao Observador a advogada Vânia Costa Ramos, especializada em Direito Penal Internacional, os Estados têm vários meios ao seu dispor para interrogar cidadãos estrangeiros. Uma das possibilidades é uma carta rogatória, pedindo às autoridades portuguesas ou italianas (dependendo de onde Ronaldo se encontrar) interroguem o jogador e enviem as respostas para as autoridades norte-americanas. Outra hipótese é “o pedido de interrogatório por videoconferência, caso em que as autoridades estrangeiras podem conduzir diretamente o interrogatório, sem prejuízo da presença das autoridades locais para garantir o respeito dos direitos e princípios fundamentais locais”, explica a advogada.

Os EUA podem ordenar a detenção do jogador?

Sim. Este é um crime de nível estadual e não federal, o que significa que quem faz a acusação é a Procuradoria do estado do Nevada. E, segundo os advogados norte-americanos ouvidos pelo Observador, basta o testemunho de Kathryn para isso. “Se esta rapariga diz que aconteceu, é suficiente”, explica ao Observador Nicholas Wooldridge. “Geralmente, a palavra do acusador é suficiente, mas em casos que envolvem pessoas famosas a nível mundial, os procuradores, habitualmente, procuram algum tipo de prova física como o ADN ou outra prova de que os dois estiveram juntos no dia em questão”, acrescenta o advogado David Touger — que defendeu Renato Seabra no caso do homicídio do cronista social Carlos Castro.

Segundo explicou ao Observador o advogado norte-americano Nicholas Wooldridge, “é pouco provável que as autoridades federais peguem” no caso. Ainda assim, “é possível pedir o mandado de captura internacional” caso pretendam levar o jogador a julgamento. David Touger disse ainda ao Observador que, para Ronaldo ser detido, o estado do Nevada “tem de avançar com a acusação e depois convencer as autoridades dos Estados Unidos a pedir a extradição”.

A decisão de pedir a um estado que extradite um cidadão acaba por ser uma decisão política, pelo que teria de ser o Governo norte-americano a fazer o pedido. Mas há formas de negociar para evitar este problema. “Os advogados de Cristiano Ronaldo já devem estar a falar com as autoridades norte-americanas para perceberem efetivamente o que se passa e podem negociar uma ida voluntária dele aos Estados Unidos para prestar depoimento”, diz também o advogado Nicholas Wooldridge. Um acordo desse estilo poderia passar por conceder a Ronaldo determinadas atenuantes pela comparência voluntária.

Se a justiça americana decidir acusar Ronaldo, o jogador terá de ser julgado nos EUA?

Em princípio, o julgamento deve acontecer na jurisdição onde aconteceu o alegado crime. Neste caso, o estado do Nevada. Os advogados norte-americanos contactados pelo Observador confirmam que o julgamento terá de acontecer lá. “Tem de acontecer no Nevada e, se condenado, teria de cumprir a sua pena no Nevada”, assegura mesmo David Touger.

Mas isso não é definitivo e há a possibilidade de o processo ser enviado pelas autoridades norte-americanas para Portugal, para ser julgado cá, uma vez que o país não deverá extraditar Ronaldo para os EUA. É o que sucede, por exemplo, no caso de Duarte Lima, acusado de ter morto, ou mandado matar um mulher, Rosalina Ribeiro, no Brasil. Como o advogado português não pode ser extraditado por Portugal para o Brasil, as autoridades brasileiras poderão enviar o caso para Portugal para ser julgado cá, não havendo ainda uma decisão final sobre este processo.

Portugal pode cumprir um eventual mandado de detenção e extraditar Cristiano Ronaldo? E Itália?

Como explica Vânia Costa Ramos, “regra geral, não é permitida a extradição de portugueses”. Ou seja, Portugal não extradita cidadãos portugueses que sejam acusados de crimes noutros países. Há, porém, exceções: se o caso for de terrorismo e de criminalidade internacional organizada; se existir reciprocidade na extradição de nacionais; e se a ordem jurídica do Estado que pede a extradição consagrar garantias de um processo justo e equitativo. Ora, neste caso, os dois primeiros critérios não se aplicam: o caso é um crime sexual cometido de forma não organizada e o Tratado com os Estados Unidos não prevê a obrigação de extraditar nacionais.

Por isso, tudo indica que Portugal não extraditará Cristiano Ronaldo para os EUA.

Jogador da Juventus, Cristiano Ronaldo agora vive e trabalha em Itália

FEDERICO PROIETTI/EPA

Porém, coloca-se aqui uma outra questão: Ronaldo reside e trabalha em Itália. Lá, ele é um cidadão estrangeiro, pelo que em princípio Itália (mesmo que também tenha o princípio de não extraditar os seus nacionais) poderia enviá-lo para os EUA. Ainda assim, tendo em conta que Portugal e Itália são membros da União Europeia, não deverá ser esse o caso.

No caso de os EUA pedirem a Itália a extradição de Ronaldo, “os tribunais italianos teriam de notificar as autoridades portuguesas para indicarem se queriam abrir aqui [em Portugal] um processo contra o cidadão português em causa e, caso a resposta seja afirmativa, a pessoa seria entregue a Portugal”. Isto porque “os cidadãos da União Europeia têm direito à livre circulação e permanência no território da União” e também “a serem tratados da mesma forma que os cidadãos nacionais de outro Estado Membro, quando tenham usado o seu direito de circular livremente e aí se encontram”. O que significa que Itália teria de dar a Ronaldo a mesma proteção que dá aos italianos, e “esta proteção materializa-se em dar prioridade ao Estado da nacionalidade vs o Estado terceiro que pede a extradição”, explica ainda a advogada Vânia Costa Ramos.

Como se defendeu Ronaldo?

Logo em dezembro de 2009, na altura em que a primeira advogada de Kathryn negociou com a equipa jurídica de Cristiano Ronaldo a assinatura do acordo de confidencialidade, o jogador respondeu a um questionário enviado pelos advogados da mulher. Nesse questionário, negou os abusos, admitiu a prática de sexo consensual com Kathryn — mas vaginal, pelo que não poderia ter sido responsável pelos ferimentos no ânus — e explicou que não tinha percebido nenhum mal estar da parte dela. Porém, uma versão anterior desse questionário citada pela Der Spiegel — datada de setembro de 2009 — mostra que Ronaldo admitiu que “ela disse ‘não’ e ‘para’ várias vezes” durante o sexo. “Eu penetrei-a por trás. Foi rude. Não mudámos de posição, 5/7 minutos. Ela disse que não queria, mas mostrou-se disponível”, terá dito Ronaldo. “Mas ela continuava a dizer ‘Não’, ‘Não o faças’, ‘Não sou como as outras’. Eu pedi-lhe desculpa depois”, terá afirmado o jogador nessa primeira versão do questionário, citada pela Der Spiegel. Porém, foi a segunda versão do questionário que vingou e foi com essa premissa que se partiu para o acordo de confidencialidade.

Na altura em que a notícia veio pela primeira vez a público, com a divulgação do acordo de confidencialidade pela Der Spiegel em 2017, a defesa do jogador passou essencialmente pela desvalorização do caso e pelo ataque à publicação que o divulgou. “Ficção jornalística”, foi assim que a Gestifute, que representa Cristiano Ronaldo, classificou o artigo.

Cristiano Ronaldo: “Nada me pesa na consciência”

Já depois da publicação da nova reportagem da Der Spiegel, o jogador defendeu-se num vídeo em direto no Instagram, no qual negou as acusações. Disse que eram “fake news”, garantiu que era apenas uma tentativa de aproveitamento do seu nome e mostrou-se tranquilo e “um homem feliz”. Na quarta-feira, Ronaldo usou as redes sociais para negar “terminantemente as acusações”. “Considero a violação um crime abjecto, contrário a tudo aquilo que sou e em que acredito. Não vou alimentar o espectáculo mediático montado por quem se quer promover à minha custa”, escreveu Ronaldo num tweet. “Aguardarei com tranquilidade o resultado de quaisquer investigações e processos, pois nada me pesa na consciência”, acrescentou numa segunda mensagem na mesma rede social.

Já esta quinta-feira, Ronaldo cerrou fileiras e contratou o advogado David Chesnoff, um conhecido advogado norte-americano famoso por defender celebridades como Leonardo DiCaprio, Paris Hilton, Bruno Mars, David Copperfield, a família de Michael Jackson ou Mike Tyson.

Ronaldo escolheu, nos EUA, o advogado de celebridades como Paris Hilton, David Chesnoff

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Com base na lei norte-americana e, em concreto, na do estado do Nevada (Las Vegas), quais são os pressupostos legais para reabrir o caso?

Os pressupostos são semelhantes aos portugueses. Mesmo que o caso tenha sido arquivado, lá, como cá, qualquer investigação pode ser reaberta caso apareçam novos elementos. Foi isso que fez Kathryn Mayorga — levou à polícia de Las Vegas novos elementos que, agora, já permitiram identificar o autor do alegado ataque de há nove anos.

Além disso, coloca-se aqui também a questão da prescrição — que é diferente para cada crime nos diferentes estados dos EUA. No estado do Nevada, um crime de abuso sexual prescreve ao fim de quatro anos quando a vítima é maior de idade. Em caso de abuso sexual de menores, os prazos são diferentes, com o crime a prescrever quando a vítima completar 28 anos de idade ou então aos 21 anos, caso a vítima tenha tido noção dos factos. Porém, no caso de abuso sexual de uma pessoa maior de idade, se a vítima apresentar uma queixa por escrito às autoridades antes do final dos 4 anos, o crime fica de fora do chamado estatuto de limitações, o que significa, na prática, que nunca prescreve. Ora, foi precisamente isso que Kathryn fez quando, logo em 2009 se dirigiu à polícia para apresentar a primeira queixa por escrito.

Que resposta podem dar os advogados de Cristiano Ronaldo?

Há várias dificuldades que se podem colocar em causa o avanço do processo e que a defesa de Cristiano Ronaldo pode aproveitar. Segundo explicou ao Observador o advogado norte-americano Nicholas Wooldridge, que exerce em Las Vegas, a defesa de Cristiano Ronaldo deverá argumentar com o facto de a investigação ter sido arquivada em 2009.

“A polícia, quando originalmente investigou o caso, não fez nada, e os advogados vão usar isso. ‘Como é que podem dizer isso agora? Porque é que não me prenderam na altura?’ Se eu tivesse este caso, isto seria parte da defesa”, explica o advogado de Las Vegas ao Observador. Também David Touger concorda que este “é certamente um caso fraco”, devido aos “anos que já passaram e à falta de provas físicas para apoiar as acusações”.

Qual é a pena prevista para um caso de violação no estado do Nevada?

A lei do estado do Nevada prevê para os crimes de violação de pessoas maiores de 16 anos, nos casos em que o crime não tenha provocado ferimentos físicos considerados muito relevantes, uma pena de prisão que não é fixada no momento da sentença. Neste caso, está previsto que alguém considerado culpado do crime de violação seja condenado a uma pena de prisão perpétua com a possibilidade de sair em liberdade condicional após 10 anos. Significa isto que o condenado tem de cumprir, no mínimo, 10 anos de prisão efetiva.

No final desse tempo, pode pedir liberdade condicional. Caberá a uma comissão avaliar o pedido, tendo em conta o comportamento do recluso e a potencial capacidade de reintegração na sociedade, para decidir se o liberta. Se não o fizer, o preso pode pedir, de novo, essa liberdade condicional após um determinado período de tempo. No limite, a comissão pode aceitar esse pedido de liberdade apenas quando entender até ao final da pena, ou seja, nunca — já que o prazo máximo é a prisão perpétua.

Kathryn acusa Ronaldo de a ter violado numa discoteca em Las Vegas em 2009. Nessa altura estava a transferir-se de Manchester para o Real

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Quais são as provas apresentadas pela investigação da revista Der Spiegel?

Além do testemunho inédito de Kathryn Mayorga, a revista alemã apresenta no seu artigo diversos documentos que apoiam a tese da mulher. Um deles é o chamado CAD, o relatório da polícia que prova como Kathryn se deslocou a uma esquadra da Polícia Metropolitana de Las Vegas às 14h16 do dia dia 13 de junho de 2009, o dia seguinte à alegada violação. Nesse documento, marcado com o código 426 — usado para crimes sexuais nos EUA —, lê-se que Kathryn chegou à esquadra para denunciar que tinha sido violada, mas não denunciou o nome do violador, dizendo apenas que era uma “figura pública” e um “atleta”.

A revista alemã está também na posse da carta de seis páginas que Kathryn enviou a Cristiano Ronaldo como contrapartida do acordo de confidencialidade — e que deveria ter sido lida ao jogador no prazo de duas semanas após a assinatura do acordo. É nessa carta que Kathryn Mayorga explica que gritou “não” repetidas vezes. “Gritei NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃÃÃÃO e implorei-te para parares”, lê-se no documento. “Saltaste para cima de mim por trás com um terço branco ao pescoço. O que é que Deus ia pensar disso!!! O que é que Deus ia pensar de ti!!!”

Também apresentados na reportagem da Der Spiegel estão vários e-mails trocados entre os advogados de Ronaldo, nomeadamente um em que Osório de Castro, o advogado de Ronaldo, informa um colega que já leu a carta ao jogador. A resposta do colega foi apenas: “Pinóquio”. Além dos e-mails, a revista alemã mostra os SMS trocados entre Osório de Castro e Ronaldo durante as negociações do acordo de confidencialidade, nos quais é possível ler que Ronaldo pede ao advogado que reduza o montante a pagar à mulher que o acusava de violação. E há uma assinatura clara do jogador.

O que valem as perícias forenses 9 anos depois?

As perícias valem desde o momento em que houve um inquérito aberto. Na altura em que foram recolhidas provas do corpo da alegada vítima, foi feito um relatório com as conclusões dos exames. Essas conclusões podem ser consultadas a qualquer momento. Se não tivesse havido abertura de inquérito, provavelmente tinham sido destruídas. Mas a alegada vítima já fez saber que esses exames ainda existem. No entanto, é preciso ter algum cuidado nessa análise. Poderia eventualmente haver DNA de Cristiano Ronaldo presente na vítima, mas isso não prova que ele a tenha obrigado a ter relações sexuais.

Há imagens recolhidas na discoteca que mostram que ambos dançaram juntos e se tocaram. E isso é suficiente para confirmar a presença de DNA do jogador na então modelo. Quanto às provas das feridas rectais que a vítima apresentava, também poderiam ser necessárias provas complementares para fazerem a ligação ao suspeito. E como a vítima não indicou logo quem ele era, Ronaldo não foi sujeito na altura a qualquer exame médico. Porque não era suspeito. O que pode comprometer a prova. A vítima pode não conseguir provar que foi ele que causou aqueles ferimentos. Ainda mais quando o próprio Ronaldo informou, na altura da negociação do acordo, que não houve penetração anal, mas vaginal. E que esses ferimentos terão sido provocados por outro homem.

De referir que todos os documentos divulgados pelo Football Leaks podem vir a ser usados como prova na investigação, desde que ambas as partes concordem com a sua utilização. De acordo com o advogado David Touger, o que acontece é que o tribunal dá a possibilidade a ambas as partes de se oporem à utilização de qualquer prova. Depois disso, o tribunal decide se as utiliza ou não.

Professora que acusa Cristiano Ronaldo está “emocionalmente frágil”, diz advogada

Quem é mesmo esta mulher e o que fez neste 9 anos?

Aos 34 anos, Kathryn decidiu demitir-se do seu trabalho como professora de educação física por saber que este processo e a sua projeção mediática lhe vão roubar demasiado tempo. Na entrevista que deu ao Der Spiegel, acompanhada pelos pais — ele foi bombeiro, ela doméstica — e pelo terapeuta que a acompanha, teve que parar algumas vezes para se acalmar. Disse que desde pequena sofria de défice de atenção e tinha dificuldades em concentrar-se. Ainda assim conseguiu tirar o curso de jornalismo na Universidade do Nevada.

Foi depois dos estudos, em 2008, que se casou com o namorado albanês, de quem acabaria por separar-se um ano depois, regressando a casa dos pais. Tem também um irmão. Quando foi alegadamente violada, em 2009, tinha 25 anos, trabalhava como modelo e relações públicas numa discoteca para angariar clientes, mas após o crime diz que abandonou tudo. Não conseguia entrar na discoteca, muito menos ver a imagem de Cristiano Ronaldo. Chegou a agarrar-se ao álcool e a ficar depressiva. Diz que todos os dias se culpa por ele a ter, alegadamente, violado e por ela ter assinado um acordo com ele para silenciar o crime.

*Artigo corrigido a 5 de outubro relativamente à extradição de nacionais por parte dos Estados Unidos e ao apelido da advogada Vânia Costa Ramos.

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