Na política brasileira, Aécio Neves já foi quase tudo. Deputado federal, governador, senador e até Presidente. Sim, o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira às eleições de dia 5 de outubro foi Presidente do Brasil. Durante três dias em 2001, na ausência de Fernando Henrique Cardoso, então chefe de Estado brasileiro e do seu vice que estavam em visitas oficiais ao estrangeiro, Aécio, que à época comandava a Câmara dos Deputados, liderou o país. Agora quer fazê-lo nos próximos quatro anos e honrar um mandato que o seu avô, Tancredo Neves, eleito em 1985, nunca chegou a cumprir pois morreu três meses após a eleição.
A máquina do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) está reunida há mais de um ano em volta de Aécio Neves, o candidato originário de Belo Horizonte, em Minas Gerais, com 54 anos. Mas, na verdade, Aécio está a ser preparado há mais de três décadas para esta corrida. Quem o chamou para a política foi o avô, Tancredo de Almeida Neves, um proeminente advogado e político do regime militar brasileiro. Começou por levar o neto para perto de si quando se candidatou a governador de Minas Gerais – Aécio tinha 21 anos – e tornou-o no seu secretário pessoal quando ganhou essa eleição.
Manteve o neto na equipa na campanha para as eleições presenciais de 1985, que também viria a ganhar, mas não viveria para desempenhar o cargo. Ainda sob o regime militar, o presidente era eleito por um Colégio Eleitoral – apesar de Tancredo, inserido num movimento chamado “Diretas Já” se ter batido por eleições democráticas. Essas foram as últimas eleições desse género e Tancredo, preocupado com a transição não correr bem, escondeu a sua doença (um tumor ou uma inflamação nos intestinos) até à véspera da tomada de posse, morrendo a 21 de abril.
Um exemplo que terá marcado Aécio. “Eu vi meu avô sair da vida e entrar para a história”, escreveu num artigo dedicado ao avô nos 45 anos da revista Veja. Aí disse ainda que aprendeu com Tancredo que “cada geração tem seu compromisso com a história”, relatando como é assistir de perto ao desenrolar da história recente do Brasil. Mas se o avô lhe deu a entrada na vida pública, os seus apoiantes garantiram a Aécio um percurso político que o pode conduzir ao Palácio do Planalto.
A candidatura que quase esteve perdida
A meio de setembro, José Serra, candidato a senador e figura respeitado do PSDB, veio assegurar que apesar da queda acentuada nas sondagens desde a morte de Eduardo Campos e ascensão de Marina Silva, o partido confiava no seu candidato – havia até rumores que Aécio estivesse prestes a desistir da corrida. “Nós não damos a candidatura do Aécio como perdida. A campanha eleitoral ainda não terminou”, disse então e parece ter razão.
Nas últimas semanas, segundo a mais recente sondagem da Datafolha, o candidato continua a subir (de 18% para 20%), enquanto Marina Silva se vai afundando aos poucos (atualmente está nos 25%). Com poucos dias até às eleições, cabe agora a Aécio garantir a presença na segunda ronda das eleições, bater-se frente a frente com Dilma Rouseff e fazer algo que lhe é natural: reunir apoios.
Tem também beneficiado do tom acusatório que tem crescido entre as duas principais candidatas e da incerteza que rodeia a capacidade de Marina vir a governar o Brasil.
Uma das forças motrizes da campanha do candidato do PSDB é a corrupção. Aécio acusa especialmente Dilma e o Partido dos Trabalhadores do seu envolvimento no caso do Mensalão e mais recentemente do seu envolvimento no caso da Petróbrás que terá custado milhares de milhões de reais aos cofres brasileiros e que afeta todos os estratos políticos do Brasil, chamando-lhe mesmo o Mensalão 2. “O PT despreza a ética e deseduca os brasileiros”, disse recentemente Aécio.
No entanto, as acusações de corrupção também o perseguem. A candidata Luciana Genro, candidata do PSOL, tem confrontado Aécio com outros escândalos, dizendo que o partido dele foi precursor do mensalão através do dinheiro desviado da candidatura de Eduardo Azeredo. Nessa altura mais de 5 milhões de reais teriam saído dos cofres de Minas Gerais diretamente para a campanha do então recandidato a governador. Azeredo é hoje senador.
Há ainda a acusação de Aécio ter construído um aeroporto com dinheiros públicos para usufruto pessoal na fazenda de um tio. Alegadamente a propriedade favorita do então governador fica ali perto e seria mais fácil para as suas deslocações. Para além dos 14 milhões de reais gastos na construção do aeroporto, Aécio terá pago mais um milhão ao tio pela expropriação das terras. O candidato diz que este tema não o “constrange” e que não há ali nenhum aeroporto, mas sim uma “pista asfaltada”.
A vida antes da presidência
Nascido em Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, tem ali o seu reduto e os seus eleitores acérrimos: elegeram-no entre 1986 a 2001 como deputado federal, entre 2002 e 2010 foi eleito governador de Minas Gerais e nesse mesmo ano, eleito como senador. A sua base de apoio – Minas Gerais é um dos maiores estados brasileiros e o terceiro mais rico, segundo dados de 2011 que comparam o PIB destas unidades territoriais, ficando apenas atrás do Rio de Janeiro e São Paulo – tem sido um garante de ascensão política dentro do seu partido que lidera desde 2013, aliado ao facto de ser um dos protegidos do antigo Presidente Fernando Henrique Cardoso, e assim, um dos seus herdeiros.
Candidato do centro, Aécio continua a posicionar-se como uma terceira via no sistema partidário brasileiro – tal como fez Fernando Henrique Cardoso -, embora esteja a apelar ao um eleitorado preferencialmente conservador devido ao posicionamento mais à esquerda de Dilma e de Marina. Como deputado federal participou na elaboração da Constituição brasileira, batendo-se pelo direito ao voto aos 16 anos, foi reeleito como governador de Minas Gerais com 77% dos votos (um recorde eleitoral), promovendo a alfabetização da população do estado.
Aécio lançou como governador um plano intitulado “choque de gestão” que pretendia criar “uma metodologia de administração pública para reduzir custos e ampliar resultados” que teria resultado numa diminuição dos homicídios na região e um dos melhores sistemas educativos do Brasil, mas os magistrados do estado acusaram o governante de “distorcer estatísticas de segurança pública, mortalidade infantil e educação” para atingir as metas a que se tinha proposto.
As duas vidas de Aécio encontram-se num alinhamento demasiado perfeito
Apesar de ter nascido neste, Aécio saiu cedo de Minas Gerais. Viveu no Rio de Janeiro grande parte da sua infância e adolescência. Gostava de praia e de futebol e era presença assídua na “turma do surf” da praia de Ipanema, às vezes mais do que nos bancos da escola do colégio católico que frequentava. Iniciou o curso de Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) mas acabou-o em Minas Gerais quando foi chamado pelo avô para ajudá-lo na política.
A par da sua vida política, a sua vida pessoal tem estado sempre muito exposta. Casou-se em 1991 com a advogada Andréa Falcão de quem teve uma filha nesse mesmo ano, Gabriela. Apesar de se ter separado em 1998 – Andréa não terá gostado de ver a transformação que a política operou no marido enquanto este ascendia nos meandros do poder -, Aécio manteve sempre a filha ao seu lado, especialmente como governador, fazendo-se acompanhar por ela em muitas ocasiões oficiais. Um dos pontos altos dessa exposição foi a festa de 15 anos de Gabriela que serviu ara apresentá-la à nata carioca. O relato do jornal “O Tempo” conta que a festa terá ficado a cargo de Abel Gomes, que organizou as duas visitas do papa João Paulo II ao Rio de Janeiro e um concerto de Frank Sinatra na Maracanã.
Separado desde 1998, Aécio rapidamente ganhou fama de namoradeiro e conquistador de raparigas mais jovens e bonitas, uma fama perigosa para quem acalenta esperanças de chegar ao topo de Brasília. Há cinco anos conheceu Letícia Weber, antiga modelo, e iniciaram uma relação que coincidência ou não, foi oficializada com um casamento no ano passado.
A vida do casal é bastante pública nas redes sociais oficiais de Aécio Neves, onde os brasileiros puderam acompanhar nos últimos meses a gravidez de Letícia, pouco tempo depois do casamento. Os seus críticos apontam que esta exposição é orquestrada e beneficia o candidato, mostrando-o como um homem de família e com valores. Assim, 22 anos depois de ser pai pela primeira vez e em ano de eleições, Aécio Neves, que tem quase 65 mil seguidores no instragram, mostrou os gémeos Júlia e Bernardo ao mundo.
A mais recente demonstração da união familiar decorreu este fim-de-semana no batizado dos gémeos, que teve lugar na mesma igreja onde Aécio e o seu avô Tancredo foram também batizados. “A vida pública não pode ser esse vale-tudo a que assistimos hoje. Trago os meus filhos aqui pela primeira vez para que eles aprendam desde cedo que o mais importante na vida é o que nós construímos a cada dia. Com os exemplos das nossas famílias, com as crenças de que não se deve mentir, não se deve roubar, deve se respeitar ao próximo”, disse Neves após a celebração do batizado na igreja de São João del-Rei, em Minas Gerais.