Cristo não desceu à Terra, mas transformou água em vinho nas Bodas de Caná. Ou melhor: transformou um independente num militante. Sebastião Bugalho, contra o que o próprio tinha dito nos últimos meses, tornou-se militante do PSD, num anúncio feito pelo líder do partido do palco do Congresso do PSD. Este era o passo que faltava para ambições futuras do antigo jornalista e comentador político que não enjeita vir a ser primeiro-ministro. Isto, claro, depois de Montenegro — e nunca contra Montenegro.
Bugalho confessou que já vinha “tendo conversas com o presidente do partido sobre qual devia ser o momento certo”, reforçou que foi convidado (vincando que não entrou por iniciativa própria) e ainda que se filiou “por uma questão de gratidão, não por uma questão de ambição”. No partido, mesmo entre aqueles que promoveram a ligação ao partido, ninguém duvida das ambições maiores do candidato às europeias.
A filiação de Bugalho contradiz tudo o que o próprio tem dito nos últimos meses. Há menos de três meses, no programa Vichyssoise, na Rádio Observador, o eurodeputado dizia: “Confesso que, tendo sido eleito como independente há tão pouco tempo, não faria grande sentido, depois de os portugueses elegerem um independente, esse independente transformar-se num militante, como Jesus Cristo nas Bodas de Caná transformou a água em vinho. Há tempo para fazer outros milagres.” Mais contraditório ainda é com o que disse numa entrevista ao Observador durante a campanha das eleições europeias: “Eu sou independente, gosto de ser independente, tenciono exercer o meu mandato de forma independente.”
Sebastião Bugalho, que já foi candidato a deputado pelo CDS, em junho nem sequer mostrava uma preferência clara por um dos dois partidos que compõem a AD: “Se tiver de ser militante, ou se escolher ser militante dos partidos que constituem a Aliança Democrática, obviamente que ficaria honrado. São partidos fundadores da democracia, como é que eu não poderia estar honrado?”
Os sinais eram em sentido contrário. No início da semana, uma fonte da delegação do PSD em Bruxelas tinha garantido ao Observador que não seria repetido o número de António Costa e Marta Temido (em que o cartão de militante foi entregue pelo líder à ex-ministra no palco durante um Congresso do PS). A vontade de Bugalho em ser militante era, afinal, maior do que aparentava e contrária a tudo o que vinha a repetir em declarações públicas.
Bugalho diz que não colocou o pé “nem no travão, nem no acelerador” a caminho da militância e que o que aconteceu foi que “o carro foi andando e esta paragem faz parte do percurso.” Revelou ainda que este sábado de manhã conversou com alguém que lhe disse que aderir à militância é um “passo natural“. Um alto dirigente do PSD comentava há algumas semanas com o Observador a ambição de Bugalho em chegar a primeiro-ministro: “Bom, para isso era preciso ser líder do PSD. E, para ser líder, é preciso ser militante.” Ora, esse passo foi agora dado. Mesmo que seja um “baby step“, era indispensável para um dia “chegar lá”.
Sebastião Bugalho, em entrevista ao Observador, explicou este sábado que se tornou militante porque foi convidado a fazer parte do PPE, porque atingiu importantes feitos relacionados com a oposição venezuelana e porque recebeu “um convite pessoal de Luís Montenegro”.
Apesar de ter promovido o número de anunciar Bugalho no palco e de ter dito que é dos “melhores que há em Portugal”, o líder do PSD colocou o antigo candidato às Europeias no mesmo plano de Ana Gabriela Cabilhas, que era a sua mandatária para a juventude. É uma forma de puxar por Bugalho — que até se levantou para acenar ao Congresso e foi muito aplaudido — mas com moderação.
O namoro ao partido e o tempo de fazer “outros milagres”
Desde que foi candidato que Sebastião Bugalho não deixou de namorar o PSD, como escreveu no final de agosto o Observador. Além da campanha eleitoral, o candidato foi, desde logo, à Festa do Pontal, onde foi uma autêntica pop star e ganhou o campeonato das selfies com militantes, mesmo sem ser ele próprio militante do partido.
Pop star? A nova coqueluche do PSD não é do PSD, mas continua a namorar o partido
Também este verão Sebastião Bugalho seguiu uma informal e distendida rota da carne assada, ora promovida pela máquina do partido (como é exemplo o convite para a Universidade de Verão), ora de relações que vai estabelecendo a título pessoal. Exemplo disso é que uma semana depois do Pontal, a 22 de agosto, recebeu das mãos de um escuteiro uma almofada com uma tesoura para cortar a fita vermelha que inaugurou a Festas em Honra de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego. Ao seu lado estava o presidente da câmara municipal de Lamego, Francisco Lopes, que é autarca do PSD. Para as estruturas locais, Bugalho também é uma estrela. E tem solicitações de várias concelhias. Pouco tempo depois, aproveitou a ida a Castelo de Vide para almoçar com o presidente da câmara local, António Pita, que é, claro, autarca do PSD.
No Congresso deste sábado, Bugalho disponibilizou-se a ir fazer campanha com os autarcas do PSD pelo país fora, continuando a cimentar a sua posição junto do aparelho. “Contem comigo”, disse no púlpito. “Estou disponível”, disse na entrevista ao Observador. O eurodeputado vai andar por aí.
Já depois do anúncio, Sebastião Bugalho voltou a driblar uma pergunta dos jornalistas sobre se a militância era um passo para no futuro chegar à liderança. Sem negar a ambição (mesmo que tenha dito que se filiou por “gratidão”), garantiu não ter pressa: “Fui cabeça de lista às Europeias com 28 anos, acho que já cresci o suficiente por agora.” Sobre o que virá a seguir, limitou-se a responder: “O futuro é agora“.
Aliás, no dia em que se estreou em Estrasburgo, Sebastião Bugalho já tinha dado uma entrevista ao Observador, a 16 de julho, onde não conseguiu negar ter a ambição de um dia ser primeiro-ministro. Deu a seguinte resposta:
Observador — Consegue dizer: “Eu não quero ser primeiro-ministro um dia”?
Sebastião Bugalho — “Não, não posso assumir isso. Mas só para ficar claro: acho que neste momento estamos bem servidos.”
Sebastião Bugalho tinha, portanto, na ponta da língua uma resposta a dois tempos à pergunta se quer ser primeiro-ministro: o país está bem entregue a Luís Montenegro; e não quer verbalizar que não tem essa intenção. Aliás, no Debate das Rádios durante as europeias, a 3 de junho, também tinha sido incapaz de dizê-lo:
Observador/Antena1/TSF/RR — Vai deixar aqui, para memória futura, a frase: ‘Eu nunca serei candidato a primeiro-ministro’?
Sebastião Bugalho — As pessoas dizem que sou muito ambicioso. Eu tenho ambição de dar o meu melhor. Acho que, neste momento, o Governo está bem entregue.
O “neste momento” foi medido. E não foram casos únicos. Logo no discurso de arranque da candidatura, Bugalho tinha-se comparado com o jovem primeiro-ministro francês e utilizado a mesma expressão que António Costa utilizou com Pedro Nuno Santos, no congresso que revelou ambições de ser sucessor do então primeiro-ministro.
Tenho ouvido as críticas, até já respondi a algumas com humildade e boa disposição. Parece que dizem que sou muito novo. E é verdade e, como diz o senhor primeiro-ministro, é um problema que passa com o tempo. Mas o primeiro-ministro francês neste momento tem 34 anos, eu sou só candidato ao Parlamento Europeu. E, que eu tenha dado conta, o dr. Luís Montenegro não pensa meter os papéis para a reforma”, disse Bugalho.
Sucessão: a fila anda e Bugalho não espera por gerações
Apesar da ousadia de Bugalho, Luís Montenegro não se importa de dar palco ao eurodeputado, embora não dispense uma espécie de paternalismo ou, no mínimo, apadrinhamento político. O episódio da filiação é disso exemplo. Como dizia há umas semanas uma destacada fonte social-democrata ao Observador: “O problema nunca será com Montenegro, para quem ele não é concorrência. No limite, o problema é para o Moedas ou para gerações intermédias, como Leitão Amaro ou Hugo Soares, que também podem querer ter uma palavra a dizer na sucessão”.
Questionado novamente sobre assumir outras responsabilidades no partido, Bugalho disse em entrevista ao Observador este sábado que “está sempre disponível para todos os desafios”. E acrescenta: “A idade não limita a ambição, mas o PSD também não limita as pessoas pela idade.”
Sobre se existe uma fila geracional para a sucessão de Montenegro com Moedas, Leitão Amaro e Hugo Soares à sua frente, Bugalho começa por dizer que “quem tirar essa senha, corre o risco de esperar muito tempo” porque “é cedo para formar essa fila.” Mas acrescenta que não se sente “nem atrás nem à frente de ninguém, mas ao lado dessa geração“. O eurodeputado é dos mais novos, mas diz que “a idade não o separa” dos outros, já que “Carlos Moedas tem mais de 50 anos, mas ainda é um jovem no PSD. Foi eleito tarde para a CML e foi meu mandatário nas europeias”.
Bugalho diz ainda que o PSD tem “a obrigação de ter percebido, pela forma como o Governo de António Costa se desfez” que o partido não deve ser uma “espécie de maratona para ver quem chega primeiro ao lugar do chefe”. E que um dos problemas do Governo de Costa foi, precisamente, ter transformado o Executivo “num jardim de sucessores.”
Bugalho foi saudado precisamente por Carlos Moedas e por outros, como o ministro Castro Almeida. Foi também dos poucos congressistas que, quando discursou, foi aplaudido de pé. O próprio confessou que tinha a “ambição” de discursar perante um Congresso do PSD. Bugalho costuma dizer que é “prematuro” em tudo. Filiou-se de forma prematura face ao que era o calendário que o próprio tinha definido. Mas tem o que muitas vezes na direita política se disse que faltava a Paulo Portas — a quem é frequentemente comparado: o cartão de militante de um grande partido para poder ambicionar vir um dia ser primeiro-ministro. Isso, que Portas não teve na altura certa, Bugalho já tem. Falta o resto.